quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Dos Livros e Da Vida


Leio teu livro favorito enquanto lembro de como tu me narrava até mesmo o cheiro que tinham as folhas e de como tua vida está ligada a essas memórias olfativas. Lembro também que leio por ter terminado um dos meus livros favoritos, aquele que termina da maneira que não gostaria que terminasse. Ainda que na realidade meu desejo era de que não terminasse jamais. Mas isso é bobagem. Assim como o medo da morte e o medo que poderia ter um dia de si mesma a própria morte. Estou longe de casa. - Defina casa como quiser... - Neste lugar que posso resumir a ventos que espancam janelas, TV a cabo de cabos escondidos e uma poltrona cor de carne onde leio os termináveis romances favoritos. Os meus, os teus e de milhares de outras pessoas que em nada nos importam. Mas a verdade é que não aguento mais comer pão com presunto e queijo. E que sinto saudade de perfumes e cheiros que não sejam os das folhas amareladas de Camilo Mortágua e Otávia de Cádiz. Sinto também, mas só as vezes, que a loucura é uma constante pronta a me surpreender em cada esquina e todo espelho emoldurado ou não. Existem noites e noites como essa. Como essa em que o sono se confunde com o sonho que por sua vez se confunde com o filme que passa na TV. Existe a noite e a noite em que nada existe. E nessas noites em que nem eu existo, me digno a escrever fantasias e desenhar quimeras em minha memória de quem não está. - Quanto se pode deixar de viver? - Já não insisto. Chega, enfim o dia ... Ou seria outra vez a luz do banheiro com sua porta que abre sozinha? - Eu, dessas coisas não sei. -


Por: Rimini Raskin

Marooned




Existe algo de bucólico em quartos de hotel. Algo de imaginativo e alucinógeno. De certa forma há algo de hotel em cada quarto. Mesmo quando faço a barba e o sangue não escorre. Mesmo quando os passos do apartamento vizinho me incomodam. Mesmo assim ... - Tenho uma vista linda para um mar que em luto sussurra sua presença líquida e poderosa salgando aos poucos a areia de toda madrugada. Me debruço sobre pensamentos que pouco me valem nesta casa bastarda. Abandonado do meu mundo de lugar nenhum. Livre para cerrar os olhos e por alguns instantes escutar histórias indiferentes sobre vidas diferentes .... - Quantos antes de mim devem ter deitado nesta cama? Quantos tocaram esses objetos que hoje manuseio com sentimentos de posse? - Seguramente algum casal um dia se amou um pouco mais entre essas paredes que muito provavelmente verei pela última vez em algumas horas. Venta tanto lá fora  que os corredores parecem possuídos por espíritos eólicos que precedem a luz do sol. Me perco no que me dizem os uruguaios na TV. Me perco mas não evito o riso ao constatar que suas galinhas falam o mesmo idioma que um dia também falaram as minhas. E é engraçado como a infância ocupa um espaço grande na memória de pessoas melancólicas. Vigio desde a minha janela o prédio vizinho. Observo as luzes, as sombras e os assombros de perceber que esta noite, ao contrário de todas as outras, não me pertence. Nem mesmo a ponte que me persegue parece me pertencer de forma convincente nesta noite-oposta-a-noite. - Afinal, quantos rios existem na vida? Quantos ainda devo cruzar para que me livre do primeiro, o da minha infância e primeira adolescência? - Pois por mais que eu tente, ainda não é fácil me despir da culpa de me sentir feliz. É como uma chaga, uma marca feita de fogo, visível apenas aos olhos dos meus. Não espero que me entenda agora, porque sei que depois que as luzes apagarem no teu momento de solidão, inevitavelmente concordará sobre existir sim algo de bucólico em quartos de hotel. Algo de passado mal resolvido. Algo de saudades muito bem explicadas.


Por: Rimini Raskin