sábado, 29 de dezembro de 2012

Chuva


Chove no pequeno purgatório natal
e as borboletas não aparecem por aqui há dias
as crianças não mais correm descalças no asfalto quente
ou lutam nos gramados para provar quem é mais macho
Chove no pequeno purgatório vital
e eu só posso contar à ela um punhado de aventuras inúteis
das tardes nos fliperamas e sinucas que vendiam cerveja choca para os guris da redenção
É tanta água na ilha dos sonhos esquecidos
que o relento é o melhor abrigo para quem assistiu os puteiros transformarem-se em igrejas
e os velhos morrerem ou morrendo ou arrastando-se rua abaixo
Não é raro encontrar nos ônibus um camisa preta dos meus tempos
bêbado e gritando que só sai daqui em um caixão
Imbecil, já está morto e não sabe, sempre esteve
Agora também eu estou de volta à esse Hades suburbano
E se as ruazinhas de pedra não carregassem tanto charme
talvez já tivesse me deixado escorrer suave até o Gravataí

Por: Raskin


sábado, 22 de dezembro de 2012

Giramundo



Beleza, eu pago a próxima
mas me acompanhe até a praça
de dia dá para atirar migalhas aos garotinhos
e ver como os pombos brincam no parquinho
Beleza, pode trepar nas raízes,
mas cuidado para não tropeçar nos galhos
soube que os padres gostam de vir aqui fumar unzinho
e que alguns viciados rezam nestes bancos nas manhãs de domingo
Beleza, pode ser que eu esteja realmente fodido
se me balançar de cabeça para baixo talvez minhas moedas voltem aos bolsos
tu diz que não tem nada à ver
mas eu sei que os que governam o país é que são loucos
Beleza, talvez tu esteja certo nessa
esse carocinho na minha nuca não é um chip
os velhinhos não cochicham segredos de guerra
mas não pode negar que as meninas da festa riram quando eu cantei em inglês
Beleza, podem ter sido os comprimidos
o absinto realmente não bateu legal
aquele telefone tocando perto do palco foi um presságio
talvez eu deva profetizar, só que ainda não sei o quê
Beleza, eu sei que tu não existe
mas fica mais um pouquinho aqui comigo
aprecio tanto a tua companhia
te trouxe até um cobertor
Por favor, cara
agora só tem ônibus às seis e meia


Por: Raskin




A (NÃO) POESIA



A poesia é uma menina chorosa
que manda cedo demais a gaita para o conserto
Uma flor roxa de ipê
que a chuva carrega pelo canto da rua até a próxima boca de lobo
Uma lembrança desbotada que talvez nunca se apague
diante das velas crepitantes da desesperança humana
A poesia é uma palavra que dança na mão que alcança
o verso contido nas pequenas coisas
É a naturalidade da rima rota e disforme
da vida louca de criança
Acordar é poesia, amar é poesia, discordar, minha querida,
também é poesia!

O sexo, a noite, o dia, o banho de rio, apartamentos de fundos,
despertadores quebrados, o beijo, os livros sagrados,
travesseiros, a fome, o frio, o gozo, as ruas, pontes, viadutos,
árvores de maçã, vermes de goiaba, velhinhos asmáticos,
os estudantes ofegantes em uma aula de educação física,
o (TUDO) e o (NADA), (não) (é) POESIA

Até o ar que não se enxerga, mas que se sente na pele,
que se escuta assustado no quarto da infância enquanto uiva lá fora
nas tardes frias do minuano invernal,
(Não) É POESIA!

Por isso acreditei em Leminski, lá atrás, quando me convenceu da nossa inutilidade,
nessa nossa incapacidade de desistir dos devaneios da ilusão.
Pois poesia, em suma, minha pequena, é tudo aquilo que não carece explicação.


Por: Raskin


quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Passeios de silêncio e fogo



Minha rotina consiste em correr
fugindo a quarenta dias por hora
em um disparo de vida
vinte mil anos trinta centavos e onze montanhas
um milhão de poemas quebrados cem mil corações partidos
e uma estante de livros
em branco em chamas em luto
empoeiradas damas de salão esquecidas pelos pares
cadelas estéreis vagando em busca do filhote que nunca existiu

Depois a rua e só ela
a lua sobre nossas cabeças
o calor das garrafas de vinho
meus amigos tombados
e com eles toda a rebeldia barata
sozinhos
abandonados pelos sonhos nus da adolescência
com suas cabeças de xoxota e bebedeiras tão grandes
que seria preciso um guindaste para cada olho

Monges polígonos em cantos de
Hare Piva Hare Piva Krishna Krishna Allen Allen
Cristos surrealistas chorando ao pé da cruz
Uma cerveja gelada para matar a sede
e outra ainda mais fria
para curar a ressaca moral
de não ser um bom escritor




Por: Raskin

Porto Alegre é uma puta que chora



Corre sangue impuro sob o viaduto da conceição
colchões pedras brasas mijo corrosivo vigas destruídas
Frio fome sujo surgem os demônios que a noite carrega
cães coisas e pessoas lâmpadas e poltronas anos noventa
Sirenes raquíticas negras-sereias olhos vazios de rodoviária
Cantos ruas desertas esquinas vielas bequinhos aço frio de facadas
Polícia ronda porrada oferta e procura de cus e bucetas e caralhos
Voluntários da Pátria em Farrapos rottweilers cafetões traficantes
Estudantes bêbados estudantes fervilhantes postos de gasolina e correria
Trans plásticas enfeites de calçada anjos não operados
Mães solteiras bastardas de camisa aberta e cicatriz enorme na barriga
Suor maconha máquinas de café farmácias de benflogin
Chá de cogumelo para curar o marasmo de andar por aí sabendo que anda sem notar que morreu há anos entre a arquitetura fodida mil novecentos e doze que engole tinta e vomita cartazes
Ah, Porto Alegre, tua música me faz chorar no inverno
E nos ônibus parques e carecas dos motoristas de táxi
teu nome me seguirá nos muros


Por: Raskin





quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

É quase sempre sobre amor



Abençoada seja a mijada bêbada no fim da madrugada
Olhos grudados no piso-parede janela de madeira
Cigarros no chão no vaso descarga quebrada
Olhos vermelhos no espelho com sorriso comedor debochado
Irmãozinhos empilhados ao redor da mesa de sexta-feira santa
Cacos de vidro de vida de lentes de aumento embaçadas
Absurdos ruídos de ratos nas paredes vermelhas da casa paterna
E quase esqueço como isso explode cabeças em brilhos frenéticos
Sem sentido outras vezes não sentindo outras vezes não mentindo
Tantas vezes, tantas vezes meus camaradas, minhas calçadas
Minhas calças sujas de vômito de vinho e de vinda matinal
Chapados outras vezes chupados quase sempre mal amados
Cambaleantes, acordando longe de casa no ônibus errado
Depois de quartos, estranhos e cachimbos de haxixe
Quartos estranhos e cachimbos de haxixe
Quantos estranhos e promessas de amor esquecidas
Quantas trepadas às claras em apartamentos sofridos
Paixões sem tino rumo ou direção
Puro tesão e braços ao redor do pescoço baseados na boca
Pensando - cara, a vida deveria ser sempre assim
Um domingo de ressaca chutando garrafas deitados em uma mesa de sinuca
Rindo à valer das coisas que o álcool apaga
Filhos de uma puta
Sagrados filhos de uma puta
Esse canto é para vocês
Os que sabem do que se trata
Os que ainda lembram de quem são



Por: Raskin