sábado, 23 de fevereiro de 2013

Chove!



Chove...

Mas isso que importa!,
se estou aqui abrigado nesta porta
a ouvir a chuva que cai do céu
uma melodia de silêncio
que ninguém mais ouve
senão eu?

Chove...

Mas é do destino
de quem ama
ouvir um violino
até na lama.



Porque é que este sonho absurdo
a que chamam realidade
não me obedece como os outros
que trago na cabeça?

Eis a grande raiva!
Misturem-na com rosas
e chamem-lhe vida.



Vai-te, Poesia!

Deixa-me ver a vida
exacta e intolerável
neste planeta feito de carne humana a chorar
onde um anjo me arrasta todas as noites para casa pelos cabelos
com bandeiras de lume nos olhos,
para fabricar sonhos
carregados de dinamite de lágrimas.

Vai-te, Poesia!

Não quero cantar.
Quero gritar!



Devia morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos
os amigos mais íntimos com um cartão de convite
para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica
a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje
às 9 horas. Traje de passeio".
E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos
escuros, olhos de lua de cerimônia, viríamos todos assistir
a despedida.
Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio.
"Adeus! Adeus!"
E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,
numa lassidão de arrancar raízes...
(primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos... )
a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se
em fumo... tão leve... tão sutil... tão pòlen...
como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de outono 
ainda tocada por um vento de lábios azuis...







Por: José Gomes Ferreira

Solidão Saturada



  • "Então me diga algo que faça sentido, tipo: em lugares públicos use fone de ouvido, ou ao conversar comigo finja ser meu amigo, também não tema o perigo! Se não for capaz de fazer isso, não dirija a palavra ou nem ouse pensar na minha pessoa! Desperdicei meu tempo ao seu lado só potencializando todo esse processo de mediocridade que me encontro! Então, solidão vá embora por favor e me deixe descansar em paz!"


    Por: Zé Luis Reinheimer Mazepa

    quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

    Dualidade



    No atormentado coração adolescente do protótipo de poeta libertino
    nas esquinas mornas de pequeninas cidades subtropicais
    na rebeldia nórdica de alvura desafiadora
    na pureza africana cuspindo-nos na cara milênios mágicos
    nas mentes greco-romanas maquinadoras de séculos
    nos impérios tribais pré-colombianos erguendo sangue virgem aos céus
    nas mãos fortes e seminais dos primeiros homens das cavernas
    na bactéria aquática quântica peixe réptil mamífero alado
    nas estéreis histéricas bombas nucleares
    nas circundantes metálicas sondas espaciais
    na paixão assassina de psicopatas gélidos
    nos noturnos vícios desregrados e imorais do pensamento livre
    nas tentações demoníacas à minar os alicerces dos bons costumes
    no vaso verde de vermelhas flores sobre a mesa
    no bondoso olhar cansado dos mais velhos que já viram muito só não viram tudo
    no aperto de mãos que sela um compromisso de cavalheiros
    na face angelical de bebês recém saídos do útero
    na compaixão
    no amor fraterno
    no limpo e iluminado abraço materno
    nos bons hábitos de higiene
    nas palavras doces do pastor
    no sermão dominical do bom padre
    na outra face oferecida ao tapa
    na cordialidade esfuziante do pretenso homem de bom coração
    na retidão luminosa dos que caminham durante o dia
    na languidez beatificada dos filhos de Abel

    No abraço criador de Abraxas


    Por: Raskin

    terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

    Desapego



    Meu poema é uma prece angustiada
    ditada na clareza do quarto conjugal
    diante da jovem esposa solar

    Um mantra inconsciente sussurrado em pensamento
    preenchendo o vazio intermitente de um coração neandertal

    Lembranças apagadas do mobiliário colorido da casa dos avós
    gosto louco do teso desejo virginal guardado nas calças

    Meu poema é um lamento divino
    um brilho vespertino da ideia esparsa
    Um monstro preguiçoso e carnicento
    ao apagar das luzes depois da última valsa

    No terreiro de umbanda um cachorro de três patas
    Cristo fitando nos olhos o demônio desértico do deslumbre
    ardência demente de liberdade difusa
    poema de vida sentida que diante da morte se insurge

    Verso de ouvidos grudados à terra molhada
    rios que gritam um sexo límpido de ardor ancestral
    meus jeans entre o limo e a lama da roça lavrada
    com alma exposta dentes tortos e a testa alta de hereditariedade cansada

    Oh criaturas que me sopram os louvores do necessário sofrimento
    carreguem meu poema em suas loucas asas de mariposa ordinária
    até o infinito relampeio do pensar
    onde todas as coisas se fazem eternas

    e desnecessárias


    Por: Raskin 










    domingo, 17 de fevereiro de 2013

    POÉTICA




    1
    então é isso
    quando achamos que vivemos estranhas experiências
    a vida como um filme passando
    ou faíscas saltando de um núcleo
    não propriamente a experiência amorosa
    porém aquilo que a precede
    e que é ar
    concretude carregada de tudo:
    a cidade refluindo para sua hora noturna e todos indo para casa ou então marcando
    encontros improváveis e absurdos, burburinho da multidão circulando pelo centro e
    pelos bairros enquanto as lojas fechadas ainda estão iluminadas, os loucos discursando
    pelas esquinas, a umidade da chuva que ainda não passou, até mesmo a lembrança da
    noite anterior no quarto revolvendo-nos em carícias e mais nosso encontro na morna
    escuridão de um bar - hora confessional, expondo as sucessivas camadas do que tem a
    ver - onde a proximidade dos corpos confunde tudo, palavra e beijo, gesto e carícia
    TUDO GRAVADO NO AR
    e não o fazemos por vontade própria
    porém por atavismo
    2
    a sensação de estar aí mesmo
    harmonia não necessariamente cósmica
    plenitude muito pouco mística
    porém simples proximidade
    da aberrante experiência de viver
    algo como o calor
    sentido ao estar junto de uma forja
    (talvez eu devesse viajar, ou melhor, ser levado pela viagem, carregar tudo junto,
    deixar-se conduzir consigo mesmo)
    ao penetrar no opalino aquário
    (isso tem a ver com estarmos juntos)
    e sentir o mundo na temperatura do corpo
    enquanto lá fora (longe, muito longe) tudo é outra coisa
    então
    o poema é despreocupação


    -  Cláudio Willer



    sábado, 9 de fevereiro de 2013

    Asleep



    Sempre achei que fosse sobre estar sozinho - ou pensar estar - procurar algo nas multidões do meu vazio sentimental, algo além do desejo de cura espiritual e um propósito maior que a dor. Achei que a luz azulada banhando o asfalto novo devorado pelas rodas desse ônibus pudesse me fazer dormir sobre as páginas subterrâneas do escritor sem vírgulas enquanto pequenos anjos adolescentes seguramente voam ao lado da minha janela para sussurrar segredos e mistérios que meu coração não consegue mais abrigar.
    Deformado, intragável e ao mesmo tempo pouco me fudendo para o espelho, minha alma anseia por uma santidade barbuda de roupas simples e olhar profundo, mas ninguém canta para embalar meu sonho, ninguém nunca me segura nos braços e eu, tolo, sigo em frente achando tudo tão normal, durão fingido com o peito peludo encarando quem passa como aquele que poderia salvá-lo mas está muito ocupado no momento. Quantas vezes assisti o espetáculo calado? Quantas vezes levantei sem denunciar o tombo? "Ok, não foi nada" era sempre o que repetia até me convencer da nova mentira contada. Todas aquelas noites de porre me sentindo um merda na volta pra casa, porque é isso que o álcool faz, e quem não perceber é porque é um merda ainda maior.
    Dominar o vazio exige esse desapego sacro de poeta russo que me é tão doloroso atingir, talvez o tenha sentido algumas vezes, nos olhos de um bebê que de tão puro me fez chorar 15 minutos ininterruptos  e quase choro agora outra vez por lembrar daquele brilho divino capaz de cegar minha visão de mundo material e me colocar em contato pela primeira vez com o nirvana; Mas depois disso parece tudo ainda mais confuso por reconhecer que a perfeição é confusa e aceitar a confusão é perfeito e confortante, mas aceitar o vazio é complicado, lutar por aceitá-lo como uma ideia, como todas as outras, abstrata, exige de mim muito mais do que só uma boa capacidade de interpretação.
    Então como proceder? Seguir adiante nesse mundo desolado que eu acredito ficar melhor à cada manhã - e realmente acredito nisso - me adaptando e me enquadrando e me escondendo sobre a túnica pesada da conformidade ou abrir mão de toda uma mentalidade ocidental criada em prol da recompensa material e afirmação social por base de acúmulos e desperdícios?
    Nenhuma maldita montanha para escalar, apenas tempestades do lado de fora e um desejo incontrolável de voar...sempre...mais...alto


    Por: Raskin




    quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

    Sacolas ao vento e a coisa toda



    - Tum...Tum...Toc...Psss...Tum...Toc...TumTum -

    É, meu amigo - o universo treme como uma taquara.
    Na cabeça das senhoras, nas mãos dos empresários fonográficos.
    As baleias, as anêmonas do mar, nossas mães.
    Pescadores em algum lugar do Atlântico sonhando com as namoradas

    - Tum...Toc...Brrrr...Tis -

    É inútil querer saber.
    E quem mentiu para o primeiro homem?
    E antes dele? Quem mentiu para Deus?

    - Rá...Rá...Rá -

    Quem mentiu? Deus?
    O grande vazio, a vacuidade libertadora.
    Gurias de 17 anos com seus vestidos-milk shakes-lábios frios de fantasia.
    Um calor infernal, esquife de fogo na realidade modorrenta da cidade pequena.
    Um paredão de nuvens alvoescurecidas, montanhas macilentas erguendo-se imponentes no céu azul celeste para anunciar o apocalipse necessário de vento e dilúvio onde anjos liquefeitos escorrerão lânguidos sobre telhados e cabeças de cachorro sem que ninguém lembre de agradecer a destruição que alivia o sono de alguns em troca da insônia de outros. Afinal, mais uma vez a Natureza podará seus galhos enquanto envia a conta sobre os reinos imaginários da humanidade.

    - E será sempre difícil para os homens agradecerem o que lhes escapa à compreensão -

    Por isso já peço agora em minhas preces para quando eu me for que um desejo me seja concedido e que eu possa voltar peixe, de mar ou de rio - isso para mim tanto faz - Só quero é nadar nadar NADA MAIS


    Por: Raskin