segunda-feira, 29 de julho de 2013

Anjo de neon vermelho


A garota do bar era você, com uma enorme máscara mortuária pendurada por elásticos ao redor da cabeça enquanto servia cerveja choca para clientes pervertidos que tentavam beliscar-lhe a bunda na primeira oportunidade. Velhos engravatados cheirando a loção pós-barba e Marlboro vermelho recém saídos de seus escritórios de ganância e assédio sexual.

A garota era você, e que prazer observar-te dançar entre as mesas com teu olhar de puta triste endividada até o pescoço, teus quadris perfeitos, nem tão grandes nem pequenos demais, ziguezagueando enfadonha enquanto consultas o relógio de parede, implorando aos deuses que a noite acabe mais rápido que de costume. Resmungando baixinho alguma coisa para o segurança parrudo que apenas olha para o vazio e balança a enorme cabeça de touro em sinal de afirmação.

A garota era você, de seios volumosos sob uma blusa verde reveladora de porções generosas de pele e pequenos mamilos rosas que se iluminam no instante em que te abaixas para perguntar ao cliente com cara de traficante colombiano se a próxima dose de uísque será também com duas pedras de gelo.

A garota cósmico-sexual era você. Mas qual foi teu nome no instante doloroso do primeiro nascimento? E quais sonhos uma mãe pôde sonhar ao ver a filha sorrir no balanço da praça em um domingo estafante de calor insuportável e missas e churrascos? Qual nome tinha teu primeiro namorado? Quantas vezes choraste por amor ou o que pensava saber sobre ele? Qual teria sido teu brinquedo preferido na infância? Que nomes tinham tuas bonecas? Algum livro predileto? Uma camiseta velha com estampa de desenho animado na hora de dormir, talvez? Aceitarias meus cigarros e minhas carícias de homem carente afogado em mares de dúvidas e insegurança? Me amarias? Farias de mim teu cãozinho atropelado? Passarias esta noite comigo apenas me ouvindo falar com a cabeça entre tuas coxas perfumadas de menina de bom coração?

A garota era você. Eu era mais um esquisito beberrão tímido na mesa do fundo com um bloquinho de anotações, lápis-borracha e apontador. O estranho que desviava o olhar toda vez que me miravas azul por entre os furos de tua máscara ordinária.

A garota era você, só você. Caminhando até mim, curiosa, fazendo meu coração gritar desesperado no vazio do universo que me habita. Teu perfume cada segundo mais perto. Minha respiração cada vez mais afoita. Tua voz no meu ouvido, doce, sensual, velha conhecida de fantasias adolescentes no banheiro simples da casa dos avós.

Ah, e que lábios lascivos, e que palavras etéreas, hipnóticas, poderosa Medusa dos cabelos vivos petrificadora do coração dos homens. Jasmim eterno, margarida inocente entre ramos venenosos do não-me-toque. Como gostaria de beber a vida da tua boca de virgem renascentista e a sabedoria do teu sexo de anjo desolador.

Outra dose? Me perguntas.

Mas o que quero é outro mundo, meu amor!


Por: Raskin

 


Sacrifício



Com mangas de camisa saindo da camisa
                                          até as mãos frias do outono
Quinze anos de vida sedenta dividida com violência
                                          por pássaros negros do campo irregular
Memórias turbulentas de cabelos compridos e cimento fresco
                                          com amigos deitados em rampas de concreto
Noite gelada partindo em três nosso espírito ligeiro e espectral
                                          sem que ninguém soubesse haver o verbo

Assim nasciam as primeiras palavras paridas pela dor do nascimento
de prematuros condenados a maldição do querer saber

                                             &
                       Só os deuses sabem o quanto
                       dói não conhecer outra saída
                       Ou a ferida do tédio sombrio
                       Ou a incerteza do amor futuro
                       Ou ainda a angústia dos mortos que teimam em não deitar

Nesse tempo o poema foi a desconfiança interna em face da vida de menino
                                           Esquecido na beira de uma estrada poeirenta
enquanto caminhões de sonhos e automóveis fantasmas
                                           elevavam ao céu o gosto de todas as coisas
O poema foi uma biblioteca chuvosa de primeiros versos
                                           Neruda vulcânico e salitre araucano
Tardes inteiras de mergulho no fabulário russo de barbas e mofo carcerário
                                           França romântica e rebeldia fatal

Deslumbre ocultista misturado a preguiça adolescente de acreditar no que quer que seja
Mas ainda assombrado pelo inferno impiedoso inculcado no berço
Perseguido no escuro por demônios saídos da boca do homem
Rezando sem vontade para o teto do quarto
Enquanto o deus do céu ficava cada dia mais parecido com meu pai
Que noites aquelas
Que dias intermináveis

Se ao menos soubesse o que ainda estava por vir


Por: Raskin