segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

O Morcego


Meia-noite, ao meu quarto me recolho.
Meu Deus ! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho


” Vou mandar levantar outra parede …”
- Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre minha rede

Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!

A consciência humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto.


- Augusto dos Anjos

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Leito



É um mundo
    solitário
    o nosso

Um lugarzinho
    vil e insalubre
        onde homens e
            mulheres não raro
        deitam sozinhos
    no momento
do sono sem
    sonho algum

Kerouac na Flórida com a cara inchada de bebida
deitou
Artaud com a voz do demônio, calado na cama do sanatório
deitou
Hemingway engasgado pelo aço em Ketchum, Idaho
deitou
Ginsberg de câncer, barbudo em NY
deitou
Qorpo Santo deslocado no espaço-tempo muito a frente
deitou 
Whitman tossindo como um cão velho em Nova Jérsei
também deitou

E com eles tantos outros
todos os dias
tantos tantos tantos
deitando à baixo
a própria existência

(05 de janeiro de 2015)
...

Eu também deito
toda noite
Mas minha insignificante teimosia
insiste em continuar acordando
na manhã seguinte

Talvez por ainda não ter dito
o que me mandaram dizer
                ou
Talvez porque a vida seja isso mesmo,
uma missão especial que com o tempo
se esquece qual é ou para o que serve
  
 (07 de janeiro de 2015)


-Raskin