terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Fim de Século

Imagem: Choque de Carla Barth


O semáforo pisca seu olho elétrico para uma cidade fantasma
na esquina da Carlos Gomes com a Plínio Brasil Milano
Meu crânio em câmera lenta
capta sexo e álcool entre as árvores que penetram muros fendidos
nas enormes orgias do pensamento
Prédios se elevam em galanteios fálicos e mil olhos de sangue e solidão
Picho, piche, sêmen negro que afoga a garganta da terra
e a vida não respira sufocada por essa porra toda
Eu vi um rio sob o viaduto antes da queda uma vez
e mais adiante, Shiga e barulho de água
Eu vi, com os olhos atrás da minha cabeça,
legiões de espíritos e orixás
abrirem caminho para as três crianças do deleite apocalíptico
A criança do Amor, vestida de ouro e pedras preciosas
A criança da Liberdade, leve e rebelde
com as roupas em farrapos despudorados
E a criança da Poesia, etérea, iluminada pela lua
em vestes espectrais de relva e incenso estelar

Mas onde andavam meus amigos que partiram
em busca de garrafas de fogo e diversão?
E os outros, aqueles que nunca vieram?

É terça-feira e me sento ao sol
remoendo estas memórias nucleares de eterna fantasia
Trechos do fabulário adolescente de um poeta rechaçado em bits
por respeitados intelectuais do ânus com suas hemorroidas em chamas

E ainda assim insisto

Com a memória cravada nas coxas macias
de algum fantasma do natal passado

Ainda assim insisto

Cuspindo meu deboche sereno de burguês familiar
nos olhos flácidos de guardiões da pureza poética
orgulhosos de suas teorias

Cães que os próprios cães rechaçariam
Veneno que a própria serpente expurgaria

Desprezodezpresodesprezo
Mil vezes...
E outras mil desprezaria



- Raskin