segunda-feira, 25 de dezembro de 2023

Natal

 

Uma sirene insistente

irrompe a noite

estraçalhando vidraças

e minúsculos ossos auditivos

Lou Reed bravamente 

se impõe - sem sucesso -

num duelo de facas

onde as lâminas ressoam

confusas 


- som visão e sabor -


Embriagado tudo parece maior

ou mais complexo

mais triste com certeza

Aqui ou em Nova Iorque

ela me narra sentimentos semelhantes

Estamos todos doentes

e é Natal e os terapeutas

complementam receitas


- pai filho e espírito santo -


Estar sozinho é muito  mais 

do que só uma opção


Segunda feira, vinte e 5 de dezembro de 2000 e vinte e três


segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

Uma casa sempre aberta

                                                

Despedi-me d’Ela
deitando flores ao chão
enquanto rogava em silêncio 
que encontrassem o caminho do rio.
Despedi-me d’Ela aos prantos. – EU –
Ela talvez já houvesse me deixado há muito tempo

- Despedindo-me retomaria enfim o corpo
ao tempo em que entregava a alma. -

Despedi-me d’Ela
tocando-lhe os seios e o sexo
que com doçura me alimentara por anos.
Já Ela tocou-me a face
me exigindo os olhos, a língua e a faca.
Um preço baixo, diria, 
para quem apresentou-me à vida
ao custo módico de um pesado desconforto social.

Com o braço firme ergueu a lâmina 
e pude sentir o gosto ao cortar-me a língua 
e o brilho ao vazar-me os olhos 
aos gritos de: COVARDE! 

Ensanguentado, tateei com a ponta dos dedos 
as paredes do quarto com a desculpa de encontrar a saída,
quando na verdade o que tentava, em vão
era guardar na pele a memória de uma casa aberta
com seus quadros vivos e prateleiras insones
por onde sangraram meus primeiros versos.

Despedi-me d’Ela. 
E tudo agora me pesa.
Menos quando sonho com pássaros
ou gatos enormes premeditando saltos
que nunca se cumprem antes do amanhecer



-Y.P.

Paraíso Perdido



Há uma letra de ouro marcada na porta do paraíso
Uma enorme letra cursiva, mental
Um caractere aberrante [de sentido confuso]
Simbologia de sonhos
um medonho pássaro  que engole as próprias tripas

Letra preciosa gravada na porta do que não existe
e que não existindo, se faz mais real do que nunca
do que o mundo, do que tudo que aspira um dia ser
                                                                      e ainda não é
Um Verbo morto
marca de fogo que já não queima
boca infinita que engole o mundo

Engrenagem humana que maquina o futuro
Uma máquina de ilusões maquiadas
apodrecendo na teia de aranha do tempo
que não vislumbra senão o fora de moda
das velhas adorações pessoais
o fascismo ecumênico
o genocídio
a esterilidade pela ignorância
o extermínio do que vibra
a morte do que vive

Letra [de ouro]
                      marcada com sangue
                                             na porta do paraíso



- Y.P.