sábado, 20 de agosto de 2016

A Cabeça Raspada de Maiakovski


De Maiakovski não trago mais
que a cabeça raspada
Só e tão somente isso
Solitário caminho
de quem nasceu para ser
razoável em quase tudo
Inútil para grandes conquistas
Imprestável para curas, químicas,
filosofias ou viagens espaciais
Só e tão somente isso
Um emprego simples
Um apartamento grande num bairro antigo
As alegrias mornas do proletario
Uma cerveja quase invisível
A loucura quase macabra
O pão e a faca
Talvez pequenos versos
escritos assim, como quem não quer
nem espera nada
Mas de Maiakovski mesmo,
não mais que uma cabeça raspada
- Raskin

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Malabarismos



Cruzo 
através do vermelho difuso 
das horrorosas sinaleiras
contrapostas
ao manto azul escuro
da noite precoce

(Sinto que a poética se aguça)

Caturritas gritam impropérios
do alto de seus coqueiros impostores
E no chão molhado
o reflexo de mil constelações de carne
hipnotizadas
aguardam impacientes
a contagem regressiva
nos mostradores de LED

Suas carcaças vazias
titubeiam tilintantes
por bulevares estéreis
onde assassinos sem libido
descontam frustrações
em enormes sanduíches 
de carne e de desolação

Ah, se meu coração 
não fosse essa pequena bola de plasma
e parasse de bater
nem que fosse por algumas horas
Com toda certeza 
descansaria minhas angústias
em um agradável banho Maria

(Mas ele insiste)

Ou...Ah, e se meu corpo
não fosse esse milagroso amontoado de átomos
e desmanchasse no espaço
nem que fosse por um instante?
Meu ônibus decolaria do asfalto
e as caturritas cagariam
na cabeça de deus
em explosivas gargalhadas

(Assim teria certeza de que tudo pode ficar um pouco mais leve &
 abraçaríamos o abraço que não existe)

- Raskin

quinta-feira, 26 de maio de 2016

Acto Finale

Imagem: Jaroslaw Jasnikowsk
Sirenes anunciam
através do céu dourado
do final da tarde
querubins assépticos
em comitiva
vestindo jaquetas de couro
e óculos grandes
de escuridão universal
dois cães com cabeça de prata
abrem caminho
nos músculos cansados
do meu peito
apresentadores de TV choram
e rasgam as roupas ao vivo
no telejornal
deputados e sacerdotes
em transe
transam apaixonadamente
sobre leitos de dinheiro
o sectarismo e a ignorância
não enxergam limites
os gênios atravessam espelhos
e se rasgam em flagelo
implorando inútil perdão
à gangue angelical
Gabriel à direita
Azazel à esquerda do trono
com toda nação sob julgo do estrangeiro
a gargalhada de Abraxas ecoa
ao se deliciar
com o dramma bernesco
do apocalipse tupiniquim

 -Raskin

sexta-feira, 11 de março de 2016

Uma aranha

Na garganta  do poeta
      uma sufocante aranha negra
que desliza devagar, mas nem tanto...
      Um imenso exoesqueleto
aninhado na traqueia
      tecendo uma teia [que de tão longa]
alcançaria o inferno...

Uma escada,
um fio fino e frio
trazendo à tona
os antigos demônios da criação

-Raskin

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Estranhos Sinais



Está tudo perdido
Na velocidade do jato
As imagens
Como gorilas diamantados
Arrebentam as retinas
E estupram o pensamento crítico

Um verdadeiro crime de guerra
Uma bowie reluzente
Afiada em ambos os lados
Fatiando um córtex adolescente
A fim de rearranjá-lo
Como um gráfico de pizza

Medo consumo narcisismo
O cinismo nas bochechas gordas
Dos senhores de engenho

Está tudo perdido

Pendendo do cosmos gelatinoso
Feito almas careadas
Tudo se arrasta de volta ao mar
Tudo vai se arrastando

E a televisão esperneia gritando ódio
Enquanto projéteis luminosos fazem mira para
Espetar o peito de uma estrela cadente
Que sangra um poeminha olho-do-cu

- Alguém aí sabe a semelhança entre um pai de família e um astronauta?
Ambos choram no banheiro enquanto todos estão dormindo -

Está tudo perdido
E por isso acredito em solução

Eu sei porque aprendi a ler os sinais
Aquele passarinho
no corredor de laticínios do supermercado
                                                    [Era um sinal]
O gato me acordando às 3h da manhã  
                 [Era um sinal]
Flávio Viegas Amoreira
em uma metralhadora de postagens poéticas
lembrando aquela frase do Piva que
os anjos sussurraram no meu ouvido o dia inteiro
[Era tudo um sinal]

De que talvez exista uma saída
através do experimentalismo poético
expandido à todas as esferas do cotidiano

Orquestras invisíveis nos metrôs
Políticas que ultrapassam o pão    
      e entregam também o sonho
Polícias armadas com pocket books de Rimbaud
      em seus coldres
Tecnologia limpa e necessária
Sem caretices ou paumolismos
      Um não-governo
sob a direção do povo
Um que garanta o direito universal e irrevogável
de ser ducaralho

Um Kerouac ministro das estradas
Antonin Artaud ministro da saúde
                 [incendiando sanatórios] 
Ginsberg inspetor de mictórios
Um Augusto dos Anjos curador de necrotérios
Akhmátova no ministério dos mistérios

[Uma explosão nas próstatas de Wall Street]


-Raskin

domingo, 3 de janeiro de 2016

A Morte


As esquinas gritam morte
As senhoras gritam morte
As pessoas de bem
Os carros
As beatas
Os besouros
Os séculos gritam morte
As avenidas
Alegorias
As maravilhas gritam morte
As armadilhas
O pensamento
O encabulamento
Até mesmo divindades gritam morte
As sirenes gritam morte
Os hospitais
Os edifícios
Os hospícios
Nas aleias
Nas plateias gritam morte
Nas cadeias
Nas tetas tristes das cadelas
Nas aldeias gritam: Morte!
Na polícia
Na política
Na tradicional família do sagrado coração
Se grita:
MORTE MORTE MORTE MORTE MORTE
Até o dia
em que da boca suja
do poeta profeta
em uma tarde como esta
as coisas mais terríveis
já proferidas
jorrarem feito vômito quente
do estômago embrulhado
de um deus cão
* Raskin