quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Para Quando Caem as Cortinas


Sempre que mentires, rogo-te que vista o veneno
com seda nobre e ouro vivo,

Que me olhes com doçura
enquanto seguras o punhal em tuas costas

E que de mel embeba tuas palavras de despedida.

Faça-me morrer com arte e pela arte,
Por que já pouco importa se de luxo é teu teatro,
Ou que teu ouro e tua seda se revelem cópias ordinárias
da beleza de outrora.


Desejo apenas que me faças crer!

E por fim, em paz,
Entre aplausos inflamados
desvanecer.


Por: 
Rimini Raskin

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Acontece

Ohavam-se no espelho do teto, cansados e satisfeitos.
Mariane sorria para um Julian que sorria por retribuição enquanto trocava alguns beijos um tanto mornos e carinhos quase mecânicos.

- Dois anos hein, Julian?

Disse a garota com o sorriso ainda no rosto.

- É, dois anos.

Respondeu Julian em tom enigmático, carregado de significados ocultos.

- Sabe seu chato, as vezes tu me irrita muito, mas compensa na cama, não posso reclamar.

Continuou Mariane, rindo e tocando o namorado com malícia.

-Pelo menos isso né?

A menina estava tão satisfeita que não notaria o sarcasmo na voz de Julian que p
egava um cigarro e levava à boca.

- Odeio que tu fume, já te falei isso mil vezes, poxa.

Mariane completou a frase arrancando e jogando no chão o cigarro.

- Não estraga tudo, Julian. Não faz coisas pra me estressar.

Ele não respondeu nada, voltou a deitar a cabeça no travesseiro e fitar o espelho sobre os dois.
Mariane deitou a cabeça no peito do namorado e principiou algumas carícias.

- Julian...

- Quê?

- Do que tu tem mais raiva?

Por um instante Julian olhou sorrindo para Mariane, não entendia o por quê da pergunta, pelo menos não naquele instante.
Os dois nus, cobertos apenas por um lençol, e de repente aquela pergunta descabida de motivo aparente.

- Por que essa pergunta?

- É só uma pergunta. Pensei nisso agora.

- Tá! Mas como chegou a esse pensamento?

- Não interessa, Julian! Só responde, que saco.

Assustado com o tom da namorada, ele tenta se explicar, mas é surpreendido por uma gargalhada infantil que explode em Mariane.
Sorriu confuso para a garota e continuou sem entender nada.

- E ai? Vai me responder ou não?

- To tentando pensar em algo que me irrite...

- Ai, Julian! Tu parece um monge, leva duas horas para pensar nisso. Todo mundo sente raiva
de um monte de coisas, escolhe uma e fala.

- Tá, espera, enquanto eu penso me diz tu o que te deixa com raiva.

- Essa é fácil, gente que questiona ou leva duas horas pra responder minhas perguntas.

E novamente Mariane cai na gargalhada, só que dessa vez seguida de mordidas e cócegas no namorado bravo pela brincadeira.

- Deixa de ser velho, Julian...

- Não sou velho, to pensando. Todo mundo parece mais velho quando pensa, olha aquelas estátuas gregas, já viu alguma escultura de pensador jovem?

- Ok, Julian. Mas não queira comparar os pensamentos né?

- Claro que não, até porque nenhum deles deveria ter uma namorada fazendo perguntas bestas depois do sexo...

Antes de terminar a frase o garotão já sabia que havia pego pesado com Mariane.
E o soco que levou no peito só confirmou o que já era uma certeza.

- E quando nosso filho te perguntar alguma coisa? Vai ficar igual um mongolão pra responder?

- Agente não tem filho, Mariane.

- Ainda não, Julian..."ainda"!

- Tu acha que ser mãe é fácil...

- E o que tu entende de mãe?

- Eu tenho uma.

- Há, baita exemplo!

Completou Mariane com deboche.
Mas Julian novamente não retrucou, pegou o controle e ligou a TV do quarto.

- Ah não, Julian! Tv não, por favor! Poxa, custa curtir esse momento comigo? É nosso aniversário se é que tu não se lembra!

Pegou o controle da mão do rapaz e desligou o aparelho.
Julian não se mostrou nem um pouco abalado, olhou pela janela e se manteve calado.
Mas Mariane retomou a conversa:

- Já pensou?

- No quê?

- Como no quê, Julian? Na minha pergunta sobre a raiva.

- Nem lembrava.

A namorada possuída dispara palavras furiosas com o olhar fixo em Julian que não perde o ar sereno:

- Olha aqui, guri! Eu só te perguntei uma coisa, quando eu faço isso, a única coisa que eu espero é uma resposta. Não quero um tratado filosófico, só a merda de uma resposta, e nem isso tu consegue me dar, seu inútil.

Silêncio, o namorado sequer a olha.

- Que droga, Julian. Tu consegue sempre ferrar com tudo. Pelos menos olha pra mim quando eu falo, fica aí com essa cara de idiota ouvindo tudo calado.

Novamente o silêncio, Mariane parece não acreditar, torna a deitar, morrendo de raiva.
Coloca o travesseiro sobre o rosto e sente ganas de gritar, só não faz porque é interrompida pela voz calma de Julian :

- Já caminhou na Praça XV em dia de chuva?

- Já. E o que isso tem a ver?

Respondeu a namorada quase sem ânimo.

- Então sabe que tem umas lajotas soltas no chão, não sabe?

Pausou a frase e olhou para o rosto confuso de Mariane que esperava sem entender onde aquela história iria chegar.

- E aí? Sabe ou não sabe que tem as lajotas soltas?

- É claro que eu sei, Julian!

- Pois é, aquelas lajotas juntam água e terra embaixo delas.

Terminou a frase e voltou a ficar calado diante da cara de incrédula da moça que sem entender mais nada, implorava por uma explicação:

- Julian, pelo amor de deus, o que isso tem a ver com a nossa briga?

- Com a briga, nada.

...


- Então por quê tu ta falando dessas malditas lajotas com água embaixo, criatura?

- Porque quando tu pisa nelas, respinga barro nas calças ... e isso me dá raiva!


Julian levantou-se e juntou o cigarro que estava no chão, acendeu-o enquanto vestia-se diante dos olhos atônitos de Mariane que ainda o acompanharam ligar a TV e colocar uma nota
de R$ 50,00 sobre a mesinha ao lado da cama.

- Pra quê esse dinheiro?

- Pro teu taxi...to apaixonado por outra!


Por: Yuri Pospichil


domingo, 3 de outubro de 2010

Azul

Tenho medo que o tempo venha e me coma.
Tenho medo que o vento roube minha voz.
Tenho medo que eles me vejam triste.

É por isso que eu não quero sair.

Tenho medo que abram a porta do banheiro.
Que me vejam nú e dêem a volta.
E se fico comendo, aumenta meu peso

É por isso que eu não quero sair;
É por isso que eu...

Mamãe me espere,afaste-se de mim,
Deixe-me cair,deixa-me sair.
Mamãe espere-me,afaste-se de mim,
Deixe-me cair, deixe-me sair.

Aaaa...

Tenho medo que alguém me roube à noite,
Que a casa queime ou que haja fantasmas.
Escrever mais cartas, perder palavras.

É por isso que eu não quero sair.

Tenho medo de um dia perder meus dedos,
Não ter mais amigos que riam comigo,
Escorregar no gelo e cair no rio.

E é por isso que eu não quero sair;
É por isso que eu não quero sair.

Mamãe espere-me,afaste-se de mim,
Deixe-me cair, deixe-me sair.
Mamãe espere-me,afaste-se de mim,
Deixe-me cair, deixe-me sair.

Tenho medo de ti e da tua voz.
Tenho medo de ti e do teu amor.
Medo que no meu campo deixem de crescer
Flores de cor azul, azul, azul, azul.


Por: Natalia Lafourcade

sábado, 2 de outubro de 2010

A Maçã

Amaldiçoado sou ao sonhar com o cheiro da carne.

O desejo que me fascina e mata,

Fazendo reviver a lembrança



Pois é certo,



Haverá em cada hora vivida uma saudade

E em cada minuto esquecido, um vazio...



Amaldiçoado sou por ser 'vivo'

E abençoado por viver.



Que o cheiro suave persista

Até quando eu não possa mais saber



Para que assim, na luz de um tempo imprevisto,

Possamos gozar de tal fruto

E de sua fonte eterna beber.