segunda-feira, 26 de maio de 2014

Cantos de ar e água salgada IV



De ressaca, o mar vomita
na areia da madrugada,
cama dos que amam no verão &
que foi um dia também a nossa cama
memórias-cadáveres indesejadas.
Por isso te digo, querida
é preciso encará-las apodrecer até os ossos
sem levá-las para casa nos bolsos como eu fiz
respirar o fedor sem poder dormir
deitar na cama de pregos de um faquir
Pois não sei mais o que é paz, meu amor,
não agora que os gatos da desesperança
atraídos pelo cheiro da loucura
escolheram meu telhado para brigar

-Raskin

Cantos de ar e água salgada III


Sol sob os olhos
memória de peixe espada
no aquário do teu ventre
Minha casa que nunca esqueci
e que um dia voltarei
para contar uma história
de cardumes fantasmas &
redes rasgadas pela solidão do mar
O mesmo mar que não aceita prisões a longo prazo
nem marujo fajuto que nunca aprendeu um nó
que não fosse na corda das frustrações

-Raskin

Cantos de ar e água salgada II



Sal sob a pele
mesmo depois de mil banhos
e doloridos quinhentos quilômetros de asfalto
O chão do quarto repleto de escamas
não acalma minh'alma como o oceano
um dia acalmou

Mágoas e mágoas
à léguas de serem resolvidas
Tristes baleias flutuando na orla
antes de encalharem chorosas
no meu peito arpoador

Água salobra à inundar os pulmões
outra vez...nunca mais


-Raskin

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Cantos de ar e água salgada


Não me contento em ser
não mais que uma peça
desta infernal engrenagem

Não depois de ter escutado
dos lábios de deus
que o melhor passarinho
                                     é sempre
                                                    aquele
                                                              que
                                                                    voa
                                                                          pra
                                                                                longe
                                                                                        da
                                                                                             margem... 


-Raskin
                                   

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Vista


Imagem do filme Um Cão Andaluz - 1929


1
Tão pequeno sou
que mergulhei em teu olho
e fiz ondas em tua íris cor-de-infinito
Atravessei pupila
alcancei córnea
invertido
logo convertido
em corpo estranho
Não como um incomodo cisco
mais como uma lâmina cegante
predecessora de escuridão
Lição atordoante do que se esquece
constantemente
diante de tanta falsa grandeza
Por isso eu, tão pequeno
mergulhei para ensinar
que não são teus olhos
a enxergar os fatos
e sim o cosmos
a enxergar teus olhos


2
Agora me diga, menina
se forma é vazio e vazio é forma
essa noite, na tua cama de molas
quem dorme?


- Raskin