quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Se Aprende

Foto: The Real Indians by Andy Prokh

Se aprende
Que a ideia não é a morte
tão pouco o norte é a aldeia
Que os amores são bobos
mas que mesmo bobos ainda são amores
Se aprende
poesia imagética
evocação devota
joelhos dobrados ao lado da cama desperta
estado de alerta permanente – Leve –

Mesmo ser leve se aprende
e que o sal
na água faz flutuar o peso morto

Mas antes disso,
-criança- sentado para ouvir o vento
escutava o discurso fácil do arbusto e
da vaca -do pão e do pasto-
quando do céu – alaranjada –
uma luz descia quase espessa
sobre pomares paranoicos
onde limões sarcásticos,
pêssegos matreiros
e melancias extraviadas,
com astúcia de professor
ensinavam ao enfant terrible
que o sabor- de todos os sentidos -
é o mais delirante

Como disse, com o tempo
aprendi que tudo se aprende:
vocabulário
estética
sexo
Até mesmo conduzir automóveis
ou lavar o banheiro
com cloro
se aprende

E sem que ninguém explique
às vezes também se sente
principalmente
nos dias em que deus não responde
e os gatos arqueiam as costas sob os portões
para escaparem de um cão atiçado pelo adestrador


- Yuri Pospichil

quinta-feira, 20 de julho de 2017

Só o Esquecimento é Imortal




O tempo – das entidades relativas- seja talvez
o mais impiedoso carrasco de um poeta.
Eis a verdade: Teu verso imortal será jogado aos porcos
soterrado por toneladas e toneladas de escombros,
desdém e óvulos não fecundados.
Teu poema honesto e sincero acerca do amor
não tocará nunca o coração embrutecido da pós humanidade.
Luxuosos transatlânticos transformados em fantasmas de aço
alimentarão vermes com o papel apodrecido das suas bibliotecas.
O teu livro, aquele tão lindo em que narraste de forma quase mágica
a tua infância...enfim destruído.
Tuas pretensões adolescentes de tocar a face iluminada de Rimbaud
enquanto se masturba escondido na madrugada fria do espírito...
Aniquiladas sem a menor cerimônia por um cyberespaço débil e superlotado.
As tuas lutas políticas, o teu engajamento social através da arte,
mesmo as transas mais libertárias...Tudo suprimido
com a violência muda de uma sociedade tecnocrática.
A tua velhice, maldita e romântica gravada com grandeza
e invejável eloquência em um bloco de papel, tornar-se-a
não mais que um pequeno e insólito bloco de concreto estéril.
A tua morte, tantas vezes revisitada e pranteada pelos amigos mais próximos,
as possíveis homenagens, uma ex namorada já muito velha
amargando os horrores de um asilo, teu rosto ainda bem jovem
no sonho da pobre senhora...TUDO esmagado pelo pesado martelo 

de um justo deus tempo...

Por outro lado, será precisamente nessa hora,
nessa partícula fracionada de um instante,
impossível de ser definida ou observada
nem mesmo pelo telescópio nuclear mais avançado
que a tua alma, a tua sombra de alma
resquício final de uma existência quase insignificante
poderá enfim se libertar.

-Yuri Pospichil

domingo, 18 de junho de 2017


No espaço vazio (ab)surdo
Entre Beethoven e os Depeche Mode
A pornopoética rompe com a blindagem das agências bancárias
temperando com vidro um enorme prato de sopa... 

- Raskin

Thoreau bateu à minha porta.
Eram 3 da manhã de um lugar comum
Destes tão ordinários quanto
a própria realidade.
Trazia consigo um cesto de maçãs
vermelhas e na mão esquerda
um calhamaço mágico...Anárquico
me chamava para fora
para que eu visse com meu próprio
espírito sujo da fuligem industrial
uma enorme fogueira que ardia
alimentada pelas leis do capital.
Thoreau como um xamã
aniquilava toda produção inútil,
a fome e a servidão.
Fazendo-as curvarem diante
de seu olhar caudaloso.
Ao nosso redor relâmpagos
Iluminavam o interior do fumo
espesso da fogueira enquanto
a Terra gritava e os Rios, com violência
arrastavam suas amarras...
De costas coladas à parede de pedra
chorei, entre maravilhado e confuso.


- Raskin
Foto: Dado Braz

Toda violência de uma vida
gasta a servir aos mecanismos
sórdidos de uma prisão de almas que 
julgamos sociedade
Toda violência, tudo,
toda delinquência do espírito,
dos vícios, das manhãs em que
se acorda excitado sem que se ouse
despertar a esposa que dorme ao lado
Toda a ânsia de vômito, toda, tudo...
o sentir-se como merda na presença do patrão,
nem ódio nem revolta...só um desejo de voar
O corpo pequeno no ar, a densidade do espaço vazio
entre a passarela e o asfalto
Toda a amargura, icebergs árticos, mendigos
beatificados pelo sereno, o conhaque feito o
universo através das lentes de um
supertelescópionorteamericano...
Toda essa merda, tudo, toda
e ainda assim, nada...
nada que valha sequer 

um poema imortal

-Raskin

domingo, 22 de janeiro de 2017

Sonora



O mar, o mar suave
Doce mar suave como
o vinho da noite
Ondas de pequenos beijos
Sensuais ondas de caralhos
sobre o sexo escuro e triste
da faixa de areia
Loucas joias,
Joias salgadas
de imenso cordão submarino
Paixão embriagada
presa aos encantos
dos emaranhados
cabelos da sereia
Abrigo líquido
sob abóbada negra,
espelho da virgem
teus olhos 

- Raskin