sábado, 11 de agosto de 2012

Rachaduras



Nesses dias
em que a vida se esconde nos espaços vazios,
entre um móvel e outro móvel
a poeira abriga civilizações invisíveis.
E o roupeiro fechado
que antes me levava às estrelas
agora não é nada
senão um móvel entre outros móveis
                                         outra vez
Os fantasmas vagam &
derrubam garrafas &
comem a comida dos armários.
Me finjo de morto, mas não sou aceito,
- Carne e ossos demais - dizem uns,
- Ainda não é a hora - outros me gritam
antes de recolocarem-me na cama
como já fizeram
uma vez
Sendo assim, o que me resta?
Eu, que morto demais para a vida &
vivo demais para os mortos
não posso ser aceito em parte alguma.
O que resta então,
senão arrastar-me enquanto o tempo
renova a realidade
muito mais rápido
do que o
próprio 
raciocínio
consegue
a
s
s
i
m
i
l
a
r
?
Sei apenas que os carros seguirão batendo &
os ônibus dobrarão a esquina de casa
levando almas, aos montes, em seu trabalho
de ligar nada à lugar nenhum.
Sei também, que em breve será outono de novo &
algumas árvores sufocarão suas raízes
sob suas próprias folhas.
Assim como um suicida trapalhão que tenta encurtar o tempo
com as mãos ao redor do pescoço.
                             Ambos falharão
&
seguirão vivos ao menos até a próxima estação
do ano, de rádio ou do trem.
Isso tudo depende de quanto a dor
realmente comanda
&
do quanto ela é capaz
de levá-los além.
Li num livro 
que o mundo não existe e
vivemos uma ilusão que os hindus chamam de Maya.
Dizia que Krishna nos ama por nossa bondade e
que Cristo leva uma nova martelada por cada pecado
que seus queridos filhos cometem.
Diante disso, o que posso eu dizer?
Pois se tudo realmente for verdade,
poderei me considerar  uma criatura de sorte.
Ou como se explicaria
olhos tão lindos
que me quebraria o coração
decepcionar?


Por: R. Raskin

Um comentário:

  1. Rachaduras me lembram de um tempo onde elas não estavam lá. São cicatrizes do concreto, literalmente falando, nos dois sentidos do que entende-se por concreto.

    Rachaduras externadas das minhas lembranças, boas aquelas, em que sabia eu ser imortal perante o tempo desconhecido para mim. Não posso dizer que sofro ao vê-las ali, onde antes não estavam, mas posso dizer que elas me lembram de ter saudades de coisas que as vezes já nem lembrava mais.

    Rachaduras chegam antes de envelhecermos, mas desde que elas aparecem já nos tornamos jovens velhos.

    Felizmente, somos parte de um contexto de rachaduras, e como elas, um dia nossas peles irão rachar, para que não tenhamos que acompanhar apenas as exteriores, sem jamais poder nos juntarmos à elas.

    Afinal, ver rachaduras, ainda não chega a ser triste, como não poder ver nem mesmo parede alguma, que antes sustentava nossa vida, como a conhecíamos, ou costumávamos conhecer.

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