segunda-feira, 29 de julho de 2013

Sacrifício



Com mangas de camisa saindo da camisa
                                          até as mãos frias do outono
Quinze anos de vida sedenta dividida com violência
                                          por pássaros negros do campo irregular
Memórias turbulentas de cabelos compridos e cimento fresco
                                          com amigos deitados em rampas de concreto
Noite gelada partindo em três nosso espírito ligeiro e espectral
                                          sem que ninguém soubesse haver o verbo

Assim nasciam as primeiras palavras paridas pela dor do nascimento
de prematuros condenados a maldição do querer saber

                                             &
                       Só os deuses sabem o quanto
                       dói não conhecer outra saída
                       Ou a ferida do tédio sombrio
                       Ou a incerteza do amor futuro
                       Ou ainda a angústia dos mortos que teimam em não deitar

Nesse tempo o poema foi a desconfiança interna em face da vida de menino
                                           Esquecido na beira de uma estrada poeirenta
enquanto caminhões de sonhos e automóveis fantasmas
                                           elevavam ao céu o gosto de todas as coisas
O poema foi uma biblioteca chuvosa de primeiros versos
                                           Neruda vulcânico e salitre araucano
Tardes inteiras de mergulho no fabulário russo de barbas e mofo carcerário
                                           França romântica e rebeldia fatal

Deslumbre ocultista misturado a preguiça adolescente de acreditar no que quer que seja
Mas ainda assombrado pelo inferno impiedoso inculcado no berço
Perseguido no escuro por demônios saídos da boca do homem
Rezando sem vontade para o teto do quarto
Enquanto o deus do céu ficava cada dia mais parecido com meu pai
Que noites aquelas
Que dias intermináveis

Se ao menos soubesse o que ainda estava por vir


Por: Raskin

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