quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Carta as escolas de Buda



Vós que não estais na carne,
que sabeis em que ponto de sua trajetória carnal,
de seu vai e vem insensato,
a alma encontra o verbo absoluto,
a palavra nova,
a terra interior.

Vós que sabeis como alguém dá voltas no pensamento
e como o espírito pode salvar-se de si mesmo.
Vós que sois interiores de vós mesmos,
que já não tendes um espírito ao nível da carne:
aqui há mãos que não se limitam a tomar,
cérebros que vêem além de um bosque de tetos,
de um florescer de fachadas,

de um povo de rodas,
de uma atividade de fogo e de mármores.
Ainda que avance esse povo de ferro,
ainda que avancem as palavras escritas com a velocidade da luz,
ainda que avancem os sexos um até o outro com a violência de um ‘canhonaço’,
o quê haverá mudado nas rotas da alma, o quê nos espasmos do coração,
na insatisfação do espírito?

Por isso, lança às águas todos esses brancos
que chegam com suas cabeças pequenas
e seus espíritos já manejados.
É necessário agora que esses cachorros nos ouçam:
Não falamos do velho mal humano.
Nosso espírito sofre de outras necessidades que as inerentes à vida.
Sofremos de uma podridão, a podridão da Razão.

A lógica da Europa esmaga sem cessar o espírito e volta a fechá-lo.
Porém agora, o estrangulamento chegou ao cúmulo,
já faz demasiado tempo padecemos sob seu jugo.
O espírito é maior que o espírito,
as metamorfoses da vida são múltiplas.
Como vós, rechaçamos o progresso:
vinde, deitemos abaixo nossas moradas.

Que continuem ainda nossos escribas escrevendo,
nossos jornalistas cacarejando,
nossos críticos resmungando,
nossos agiotas roubando com seus moldes de rapina,
nossos políticos arengando
e nossos assassinos legais incubando seus crimes em paz.
Nós sabemos – sabemos muito bem – o que é a vida.
Nossos escritores, nossos pensadores, nossos doutores,
Nossos charlatães coincidem nisso: em frustrar a vida.

Que todos estes escribas cuspam sobre nós,
que nos cuspam por costume ou por mania,
que nos cuspam porque são castrados de espírito,
porque não podem perceber os matizes,
os barros cristalinos, as terras giratórias onde o espírito elevado dos homens se transforma sem cessar.
Nós captamos o pensamento melhor.
Vinde.
Salvai-nos destas larvas.
Inventai para nós novas moradas.




Por: Antonin Artaud



*Tradução de Irineu Corrêa Maisonnave

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