domingo, 28 de dezembro de 2014

Encruzilhada 27



O grande automóvel verde do desejo tem a boca grande
    Devora toda a santidade superficial exigida por lei
        pelos escribas sociais de merda nenhuma
Ele acelera e atropela  pequenos méritos familiares
    acumulados a duras penas por minha alma sexoagitada
        E quem passa na estrada pode ainda ver as carcaças
mesmo depois de semanas de apodrecimento e sol a pino
    É o espetáculo da degeneração dos valores aceitáveis
        um programa ruim de televisão onde indígenas são demonizados
enquanto o grande automóvel segue indômito e sedento ainda
    que sem muito barulho rasgando como faca bandida a carne
        do cotidiano bunda mole sem que sua pintura seja arranhada
pelos ossos normativos do grande esqueleto negro que é a vida
    Mas não a vida real, falo da vida forjada, impostora
        esposa fiel da ilusão industrial e da propaganda macabra
A maldade gás e bombardeios onde ninguém assume a culpa
    Foram eles e é sempre eles não eu não nós são eles e apenas eles
        foi o outro é o outro quem deve morrer quem deve pagar é o outro
Não me entenda mal, meu amor, não quero ser como os vagabundos
    da Rua da Praia tocando gaita e um pandeiro de plástico em troca de trocados
        ou do gesto bonito dos teus lábios ao gritar as horas sob a garoa fina de dezembro
O que quero é aquilo que tem o vagabundo, aquela coisa escondida sob
    o manto surrado das necessidades o pássaro azul sufocado pelo mal cheiro
        mas ainda lá, vivo e orgulhoso de poder ser quem é, se quiser
O grande automóvel verde é mesmo grande para todos nós, inclusive para eles
    os outros, os culpados e pecadores índios vagabundos e empresários de sucesso
        nele cabe muita lama e muita lágrima e muito remédio para tudo que é da vida
Nele há também um reboque para nossos egos com um pequeno buraco
    onde podem respirar e espiar a vida passando rápido, seguros e confiantes em sua
        caixa escura e dura.
Por que ninguém saca que o céu é o céu e as árvores e os rios e a poeira
    e a tempestade e a palavra e o ouvido e o pau e a buceta são santos?
        Por que não entendem que quem não aceita o espinho na carne não merece
o paraíso guardado no fundo das coisas pequenas?
    O último gole, a migalha final na hora da fome o gozo satisfeito ou a mijada matinal...
        todos maravilhosos milagres dos que foram capazes de enxergar.
     

- Sr. "X", tenho uma péssima notícia para o senhor...infelizmente seus créditos
não lhe garantem porra nenhuma em nosso estabelecimento.



-Raskin

Nenhum comentário:

Postar um comentário