domingo, 26 de abril de 2015

Feirinha



O rosto daquele menino, meu deus
era o meu rosto de menino
as minhas roupas feias de menino
que pegávamos na sacola de doações

O rosto daquele menino
que me fez pensar em ti, tão diferente
e que é ainda mais diferente hoje em dia

Pensar no anjo ardente sob tua saia de pombas
e no cavalo branco no pátio da escola
naquele sonho que de tão vivo
quase me fez ligar pedindo
que me abrisse a porta da tua inocência
uma última vez
antes da morte do nosso perfume

O rosto daquele menino
mastigando a realidade
com os dentes em pranto
mirando quase assustado
um demônio invisível
sentado sobre o terminal

Um rosto pálido
talvez um signo definitivo
marca indelével
da morte de toda
uma geração


- Raskin




2 comentários:

  1. Sonhos ou histórias sempre tem um lugar no passado. As vezes digno, indigno, ou indiferente. Mas estão lá. Mortos pro mundo, mas vivos para nós. Reconfortantes ou atormentadores. Singelos talvez. Ou não. Podemos voltar lá quantas vezes quisermos e nos deliciarmos ou não, em sua contemplação. Mas absolutamente nada do que fizermos poderá modificá-los. Mas então não seria inútil revivê-los? Não. Não seria. Desde que em sua medida certa, como todo remédio, que pode curar ou matar, dependendo da dose. Os sonhos que sonhamos ou as histórias que vivemos não se modificam, mas a cada vez que os revistamos, nos é dado, através deles, uma nova percepção sobre o que somos hoje, e o que podemos ser no futuro. E isso muda o tempo todo. Incrível não? Como pode algo que está morto para o mundo dar vida a coisas novas em nossas mentes no tempo presente? Incrível. É como diz aquela frase clichê: nada se perde, tudo se transforma. Se pra melhor ou pra pior, já não sei responder. Talvez melhor e pior nem sequer existam.

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