segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

Uma casa sempre aberta

                                                

Despedi-me d’Ela
deitando flores ao chão
enquanto rogava em silêncio 
que encontrassem o caminho do rio.
Despedi-me d’Ela aos prantos. – EU –
Ela talvez já houvesse me deixado há muito tempo

- Despedindo-me retomaria enfim o corpo
ao tempo em que entregava a alma. -

Despedi-me d’Ela
tocando-lhe os seios e o sexo
que com doçura me alimentara por anos.
Já Ela tocou-me a face
me exigindo os olhos, a língua e a faca.
Um preço baixo, diria, 
para quem apresentou-me à vida
ao custo módico de um pesado desconforto social.

Com o braço firme ergueu a lâmina 
e pude sentir o gosto ao cortar-me a língua 
e o brilho ao vazar-me os olhos 
aos gritos de: COVARDE! 

Ensanguentado, tateei com a ponta dos dedos 
as paredes do quarto com a desculpa de encontrar a saída,
quando na verdade o que tentava, em vão
era guardar na pele a memória de uma casa aberta
com seus quadros vivos e prateleiras insones
por onde sangraram meus primeiros versos.

Despedi-me d’Ela. 
E tudo agora me pesa.
Menos quando sonho com pássaros
ou gatos enormes premeditando saltos
que nunca se cumprem antes do amanhecer



-Y.P.

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