quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Acontece

Ohavam-se no espelho do teto, cansados e satisfeitos.
Mariane sorria para um Julian que sorria por retribuição enquanto trocava alguns beijos um tanto mornos e carinhos quase mecânicos.

- Dois anos hein, Julian?

Disse a garota com o sorriso ainda no rosto.

- É, dois anos.

Respondeu Julian em tom enigmático, carregado de significados ocultos.

- Sabe seu chato, as vezes tu me irrita muito, mas compensa na cama, não posso reclamar.

Continuou Mariane, rindo e tocando o namorado com malícia.

-Pelo menos isso né?

A menina estava tão satisfeita que não notaria o sarcasmo na voz de Julian que p
egava um cigarro e levava à boca.

- Odeio que tu fume, já te falei isso mil vezes, poxa.

Mariane completou a frase arrancando e jogando no chão o cigarro.

- Não estraga tudo, Julian. Não faz coisas pra me estressar.

Ele não respondeu nada, voltou a deitar a cabeça no travesseiro e fitar o espelho sobre os dois.
Mariane deitou a cabeça no peito do namorado e principiou algumas carícias.

- Julian...

- Quê?

- Do que tu tem mais raiva?

Por um instante Julian olhou sorrindo para Mariane, não entendia o por quê da pergunta, pelo menos não naquele instante.
Os dois nus, cobertos apenas por um lençol, e de repente aquela pergunta descabida de motivo aparente.

- Por que essa pergunta?

- É só uma pergunta. Pensei nisso agora.

- Tá! Mas como chegou a esse pensamento?

- Não interessa, Julian! Só responde, que saco.

Assustado com o tom da namorada, ele tenta se explicar, mas é surpreendido por uma gargalhada infantil que explode em Mariane.
Sorriu confuso para a garota e continuou sem entender nada.

- E ai? Vai me responder ou não?

- To tentando pensar em algo que me irrite...

- Ai, Julian! Tu parece um monge, leva duas horas para pensar nisso. Todo mundo sente raiva
de um monte de coisas, escolhe uma e fala.

- Tá, espera, enquanto eu penso me diz tu o que te deixa com raiva.

- Essa é fácil, gente que questiona ou leva duas horas pra responder minhas perguntas.

E novamente Mariane cai na gargalhada, só que dessa vez seguida de mordidas e cócegas no namorado bravo pela brincadeira.

- Deixa de ser velho, Julian...

- Não sou velho, to pensando. Todo mundo parece mais velho quando pensa, olha aquelas estátuas gregas, já viu alguma escultura de pensador jovem?

- Ok, Julian. Mas não queira comparar os pensamentos né?

- Claro que não, até porque nenhum deles deveria ter uma namorada fazendo perguntas bestas depois do sexo...

Antes de terminar a frase o garotão já sabia que havia pego pesado com Mariane.
E o soco que levou no peito só confirmou o que já era uma certeza.

- E quando nosso filho te perguntar alguma coisa? Vai ficar igual um mongolão pra responder?

- Agente não tem filho, Mariane.

- Ainda não, Julian..."ainda"!

- Tu acha que ser mãe é fácil...

- E o que tu entende de mãe?

- Eu tenho uma.

- Há, baita exemplo!

Completou Mariane com deboche.
Mas Julian novamente não retrucou, pegou o controle e ligou a TV do quarto.

- Ah não, Julian! Tv não, por favor! Poxa, custa curtir esse momento comigo? É nosso aniversário se é que tu não se lembra!

Pegou o controle da mão do rapaz e desligou o aparelho.
Julian não se mostrou nem um pouco abalado, olhou pela janela e se manteve calado.
Mas Mariane retomou a conversa:

- Já pensou?

- No quê?

- Como no quê, Julian? Na minha pergunta sobre a raiva.

- Nem lembrava.

A namorada possuída dispara palavras furiosas com o olhar fixo em Julian que não perde o ar sereno:

- Olha aqui, guri! Eu só te perguntei uma coisa, quando eu faço isso, a única coisa que eu espero é uma resposta. Não quero um tratado filosófico, só a merda de uma resposta, e nem isso tu consegue me dar, seu inútil.

Silêncio, o namorado sequer a olha.

- Que droga, Julian. Tu consegue sempre ferrar com tudo. Pelos menos olha pra mim quando eu falo, fica aí com essa cara de idiota ouvindo tudo calado.

Novamente o silêncio, Mariane parece não acreditar, torna a deitar, morrendo de raiva.
Coloca o travesseiro sobre o rosto e sente ganas de gritar, só não faz porque é interrompida pela voz calma de Julian :

- Já caminhou na Praça XV em dia de chuva?

- Já. E o que isso tem a ver?

Respondeu a namorada quase sem ânimo.

- Então sabe que tem umas lajotas soltas no chão, não sabe?

Pausou a frase e olhou para o rosto confuso de Mariane que esperava sem entender onde aquela história iria chegar.

- E aí? Sabe ou não sabe que tem as lajotas soltas?

- É claro que eu sei, Julian!

- Pois é, aquelas lajotas juntam água e terra embaixo delas.

Terminou a frase e voltou a ficar calado diante da cara de incrédula da moça que sem entender mais nada, implorava por uma explicação:

- Julian, pelo amor de deus, o que isso tem a ver com a nossa briga?

- Com a briga, nada.

...


- Então por quê tu ta falando dessas malditas lajotas com água embaixo, criatura?

- Porque quando tu pisa nelas, respinga barro nas calças ... e isso me dá raiva!


Julian levantou-se e juntou o cigarro que estava no chão, acendeu-o enquanto vestia-se diante dos olhos atônitos de Mariane que ainda o acompanharam ligar a TV e colocar uma nota
de R$ 50,00 sobre a mesinha ao lado da cama.

- Pra quê esse dinheiro?

- Pro teu taxi...to apaixonado por outra!


Por: Yuri Pospichil


4 comentários:

  1. Caro amigo. Esse conto irá virar um curta. com tua permissão é claro!!!! Consegues uma versão um pouco mais estendida? Que Maravilha. Mil idéias aqui na minha cabeça. Te contato, abraço.

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  2. Permissão total!! hehe
    Vou trabalhar essa semana para enriquecer um pouco mais a historia e te mando!!

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  3. Olá.
    Você comentou no meu blog e eu vim retribuir a gentileza.
    E como sempre, não me arrependo de nenhum minuto frente a esta tela lendo o seu blog.
    Uma arte.
    Beijos.

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  4. Muiiiiiito bom. Tua cara isso. E ainda vai virar um curta? Me mostra quando virar hein?! Hahaha beijo grande meu amigo!

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