sábado, 20 de abril de 2013

Terceira Noite



Naquela manhã cada um de nós estava em casa, na cama. Era muito cedo, mas ao contrário de todas as outras manhãs, nessa não foi difícil acordar. Era dia de eclipse, dia de corrermos para o morro e passarmos horas observando o fenômeno solar através de nossas chapas de raio-x. Os três sentados, ombro no ombro, devíamos ter nove, dez anos no máximo, mas disso não lembro com certeza. Recordo que todos ficavam apreensivos com o acontecimento. Um misto de curiosidade e medo do que pode acontecer. Morar em cidade pequena é um pouco como viver na idade média, só que com luz elétrica. Na época achei mágico, muito misterioso. Hoje penso que aquilo possa ter sido um prelúdio do fim, um simbolismo cósmico. A vida sendo ocultada pela noite. Os pássaros desorientados com a escuridão repentina. Nossas avós aguardando pela volta de Jesus Cristo que dessa vez desceria do céu acompanhado por seu exército de escravos angelicalmente andróginos; Mas para nós, era como se o mundo parasse por algumas horas. Como se morrêssemos por alguns instantes esperando a nave que nos levaria para um planeta melhor. Raul começou a escrever naquela manhã, talvez tenha começado antes, mas gosto de pensar que foi no dia em que o sol se deixou morrer antes da hora. Ensinando que não interessa a intensidade do brilho ou o grau de importância, algumas vezes, até os deuses fraquejam....*



- Raskin




* Trecho do capítulo Terceira Noite, extraído do romance Noturnos - O final Em Dez Capítulos
 

2 comentários:

  1. A parte mais hilariante do texto: "Nossas avós aguardando pela volta de Jesus Cristo que dessa vez desceria do céu acompanhado por seu exército de escravos angelicalmente andróginos"

    Os Deuses fraquejam e acho que também são mortais. Tudo tem um ciclo. Desde os eclipses ao próprio universo. Esses ciclos me parecem imensuráveis. Vão além de nossas vidas. Acho que quando falamos em Deuses, devemos lembrar que perante as formigas, nós também os sejamos. Temos o poder de trazer enchentes e destruições para suas pequenas comunidades. E embora sejamos Deuses; somos fracos, doentes, e mortais. Nada mais natural pensarmos no universo e nos sóis e estrelas que habitam como deuses. Interessante é perceber que eles, assim como nós, possuem ciclos, fraquejam e um dia se apagam...

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    1. Maravilhosa essa comparação com as formigas, Rogers. Nas rodas de conversa vou me aproveitar da comparação, claro, sempre atribuindo o crédito a ti. hahaha

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