Cinco noites para o fim do mundo. Como quando apareceram aquelas luzes no céu e as pessoas sentiram ainda mais medo de Deus. Nós três rimos da ignorância alheia, mas talvez bem no fundo, também tenhamos sentido medo dos holofotes. Nunca se está preparado para o fim. Nunca se está pronto para caminhar no vazio. Nos abraçamos forte como quem abraça pela última vez. E nos olhamos sem enxergar no rosto do outro um futuro seguro. O mundo não acabou naquela semana. O de vocês dois duraria mais três anos. Já o meu, dura tempo demais. Tem um velho que mora no apartamento do final do corredor. Ele não tem ninguém. Me olha como quem se olha no espelho. Como quem reconhece no outro os próprios traços, a própria maldição dos dias que não voltam. Ele poderia ser meu pai. Todos os velhos deste prédio poderiam ser meu pai. Talvez sejam. Talvez eu mesmo seja meu próprio pai. Que se foda esse pai que nunca existiu. Que não existe, mas que insiste em se mostrar em todos os lugares. Não sinto ódio porque o amor nunca existiu e sentimentos só se tornam reais quando precedidos por seus respectivos antônimos.
Sorte tinha o Raul com pais tão legais, adultos de sonhos frustrados que projetavam no filho o que nunca puderam realizar. Nunca fui vê-los depois do acidente. Não sei se me culpo por isso. Vi a mãe da Sofia na feirinha uma semana depois do velório que eu não fui. Ela parecia ausente. Talvez aliviada por tê-la perdido para o rio ao invés de perdê-la para nós. Minha mãe também deve ter se sentido aliviada, mas nunca confessou. Ninguém nunca confessava. Nem nós. Queria ter pedido o caderno verde do Raul, tinha medo que os pais dele lessem o que não compreenderiam, mas não fiz. Eu fugi. Era agora o único culpado do crime que cometemos juntos, o de nunca ter feito uma escolha naquele lugar onde todos deviam decidir-se entre uma coisa ou outra. Queríamos colocar a liberdade em prática, mas esbarramos na crueldade das línguas que se alegravam em não se manterem nas bocas para disseminar o pecado mortal que os olhos escondidos atrás das cortinas vigiavam nas madrugadas que o tédio impedia o sono de chegar. E é para me encaixar na normalidade que hoje escolho o fim da chama. É para encher de orgulho o coração amargo dos velhos que apodreceram
Depois deles, tudo era peso e desconforto. Era quarto fechado, Infelicidade. Um não suportar a própria imagem. Já não chorava mais depois de um tempo. Não sentia sono. Não sentia sequer a tristeza. Estava dormente, gelado, cansado demais das mesmas coisas, mesmas roupas e mesmas vozes. Tornava-me sombra, cria do vazio. Não existiam mais amigos, nem família desmoronando, o trabalho me fazia querer morrer de tédio. Não existia crise existencial e esse era o problema. O que me desanimava e ainda desanima é saber quem sou, quem fui e o que tenho. Talvez tenha sido o idiota mais esperto da turma e de nada valeu. Aproveitei os meios e fui conhecendo os finais mais cedo do que deveria. Não serei levado a sério porque um dia quis assim. Não serei levado a tona, pois a ninguém interessa meu naufrágio. Talvez me falte vontade, me falte paixão pela vida, talvez o que me sobre seja culpa. De uma forma ou de outra, já não vejo graça. Tudo que preciso já fui expresso em telas ou
Pensando bem, talvez o problema nem seja o desânimo, nem a tristeza e nem a saudade. O que eu sinto é o vazio do olhar para o nada, é o pensar a esmo e correr
- Raskin
* Trecho do romance inacabado "Noturnos - O Final Em Dez Capítulos"
Nenhum comentário:
Postar um comentário