quinta-feira, 26 de abril de 2012

Porque hoje a estação dos corações apaixonados e indigentes mortos se reapresenta



As manhãs voltaram a ser frias. O inverno se apresenta como um amigo antigo que na verdade nunca nos abandonou por completo. As noites voltaram a ser frias. Os mendigos falecem, velhos e crianças adoecem. Tudo fica muito mais letal quando o ar é gelado demais. De alguma forma será sempre inverno para a morte, mesmo quando o suor escorre da testa, mesmo quando não há choro ou família, mesmo assim. Há alguns anos reencontrei alguns amigos de escola, bebemos, fumamos, cada um com sua história e um passado em comum. Relembramos os tragos e os risos, os viciados e os suicidas que ficaram pelo caminho. Cada um trazia uma lembrança pendurada pelo pescoço em uma corda. Mas concordamos que apesar de tudo, vencemos um destino lógico de desgraças. Um deles, recém chegado de São Paulo onde morou durante alguns anos, recomeçava uma vida no lugar onde antes vivia. O outro, com família formada, falava sobre o emprego satisfatório e a felicidade de não deixar faltar nada à filha. Além deles, a mesa contava com mais um, que assim como eu, não morou fora ou constituiu família, mas apesar de ter atravessado o passado em pé, e talvez com muito mais retidão do que eu próprio, penava na angústia da falta de perspectiva. Mas era inverno na cidade, eram cigarros e vodka na mesa de churrasco; recordações, pesares, piadas...Naquela noite voltava a ser inverno para os quatro e depois era pegar o carro e devolver  um pai para sua filha, era rodar sem rumo pelas mesmas ruas da infância. Mijar na calçada enquanto as putas gritavam propostas e eu balançava o pau antes de voltar para o meu lugar no banco de trás. Adormeci em um momento que não posso recordar, e acordei na casa dos meus pais com o motorista dormindo no sofá da sala. Abri a porta, mas na rua não era mais inverno. Nem o enorme amassado na traseira do Marea que ninguém soube explicar era inverno. E antes de toda bobagem que possa ser dita, essas noites não falam de passado ou viver remoendo histórias. A questão é que o tempo sempre irá existir enquanto houverem amigos vivendo em uma cidade pequena.

 Por: Rimini Raskin

Um comentário:

  1. O tempo sempre irá existir enquanto houverem amigos. Estava pensando sobre a morte esses dias, e que talvez, quando nos encontrarmos numa cidade diferente da nossa (a que nos acostumamos a conhecer) e quando estivermos na presença de pessoas que não sejam as nossas... talvez não seja mais o nosso momento, mas sim de outros que virão. Talvez isso faça a morte me parecer mais agradável. Ir para onde foram os que conheci e que viveram na minha cidade, no meu tempo.

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