segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Outono




Se eu pudesse uma outra vez, como naquela vez
encostar-te tremendo contra muretas de becos discretos
com tuas coxas enluaradas ruborizadas por meus beijos cretinos
Mordendo a boca para aprisionar a liberdade do gozo
escondendo o rosto toda vez que faróis de carros
feitos lanterna inquisidora de um guarda rodoviário
ou holofotes reveladores de prisioneiros fujões
anunciavam-se nas esquinas do nosso segredo
para expor-nos ao ridículo julgamento do mundo
como se fôssemos criminosos e merecêssemos a pena máxima
da frigidez e da hipocrisia social.
Dois corpos competindo com o calor de uma noite de sexta                                  
de sexo, de sensual brisa apocalíptica soprando para longe
um tempo que só podia existir em mistério e silêncio
Ah, se eu pudesse uma última vez, como naquela vez.
morder-te o pescoço com tua espalda pressionada contra meu peito
Cochichando-te ao ouvido profecias de natureza sacana
em um sábado a noite quando todos estão dançando ou
se masturbando com programas de pornô leve na TV a cabo
Se ao menos eu pudesse...pela última vez


Por: Raskin

Quanto?



Quanto vale o descanso?
E a pressa?
Quanto valem?
Quanto valem as crianças?
E o amor, quanto vale?
Casas, prédios inteiros
gradeados de medo
Quanto vale o programa
com boquete e tudo?
Quanto vale um poema?
E o dinheiro, quanto vale?
Quanto vale viver?
E a liberdade?
Eae,
quanto vale
a
nossa
S
  a
    n
      i
       d
         a
           d
             e
               ?


Por: Raskin

POA-TE


As lojas de peças para veículos
Enegrecidas pela fuligem
Compondo paisagens intragáveis
Alternam-se de tanto em tanto
Para dar espaço a locadoras de vídeo
Ou algum cinema pornô recém incendiado
Bugigangas e quinquilharias
Aposentados panfleteiros
Bancas de verdura fresca
Pressa e pressa
Presas fáceis para batedores de carteira
E aleijados esmoladores
Crianças índias comendo batatas fritas do Mcdonald
Executivos de cavanhaque ensaiando ataques cardíacos
Cegos vendedores de bilhetes de loteria
Passeatas de professores tilintando sinetas ensurdecedoras
Pichações maoístas sobre a cabeça de mendigos ignorados
Arquitetura esquecida derrubando suas marquises diante dos pés de quem passa
Pasteis gordurosos de cinquenta centavos acompanhados de um copo de suco
Passeio no cais para assistir o sol mergulhar no Guaíba
Enquanto casais de mãos dadas observam tudo de maneira apaixonada
Venta sempre mais forte perto do rio
E escurece cedo no inverno
E os shoppings lotam
E os hospitais ficam sem vagas
Mas quando cai a noite
Com meu poema em ereção
Penetrando corações despedaçados
Doces prostitutas colocam os filhos na cama com um beijo na testa
antes de encarar outra vez o gelo da madrugada.


Por: Raskin

Sagrado Feminino





Ah mulheres desta primeira vida
                          Que sexos jovens e pureza angelical
                          Teus filhos sonharão com aquelas tardes
                          substituindo nossos rostos pelo sol
                          Erguerão altares imaginários como fizemos
                          Sonharão e acordarão sonhando
                          com os corpos nus da primeira criação
                          Descobrirão a vida com o silvo da serpente
                          nos ouvidos virgens do prazer
                          Por isso não me espanto que o mundo
                          seja tão doce e doloroso nessa fase
                          Com tanto perfume lançado ao vento
                          é compreensível que algum veneno
                          também se desprenda das pétalas da juventude
                          Ah nostalgia que me atinge e fere com força o coração
                          Faz-me cair repetidamente na armadilha do tempo
                          E dormir o sono da inércia 
com falsa doçura no canto da boca


Por: Raskin

Chuva Fina Blues


No caminho lento de pedras irregulares molhado pela chuva,
o chão e a ponta dos meus sapatos
refletem constelações de expectativas
Talvez do bar, o balcão marrom, as mesas indigestas
armadilhas engorduradas do pré-noite
Ou então as mulheres em grupo
lançando sorrisos independentes, de braços dados
acendendo cigarros enquanto batem os pés de inquietação

Sigo rápido, vilipendiando quilômetros
Revirando sacos de lixo
com o
      coração canino
                     que os deuses
                                   me presentearam
Engolindo vento frio feito um gigante adoecido

- Quando era criança jogava tacos nestas mesmas ruas -

Mas agora não é tempo de recordar
A linha entre o passado e a iluminação morna é tão tênue
que já nem sei se sou o dono da sombra pesada que se arrasta no meu encalço

- No futuro as crianças nascerão para montarem tigres -

É esse o tipo de pensamento santo que me ocorre quando caminho rápido
E todas essas casas se repetindo e competindo
& grades & grades & grades
São nossos corações bandidos
na ponta da lança
Mas que bobagem
Meus amigos não entenderiam o que escrevo
Então por que escrever? Por quem?
Para não morrer, eu respondo
Para não precisar caminhar por aí com uma máscara de gás

- Menos de uma quadra e já enxergo o neon azulesverdeado -

Milhões de passos
Micro partículas
Uma vida em prol do esquecimento


Por: Raskin

Metrópole ou nem tanto



Cai a noite
Vestida de laranja ouro
Escurecida até o limite dos sonhos
Dos cânticos e cantos bêbados
Do brinco de pérola pendido do céu
Sobre as cabeças vivas
Com pensamentos vívidos
de seus crimes lúgubres

Cai a noite
E sobre a cidade
Metrópole ou nem tanto
Garrafas se quebram
Criaturas se agitam
E a profundidade dos mares
Tão distantes do alto dos prédios
Não significam nada para quem pula
Do sétimo andar

Quanto se pode esconder no vinco entre os seios de uma mulher?


Por: Raskin