sábado, 31 de março de 2012

O velho de chapéu preto as vezes chora atrás das cortinas, mas ninguém ouve



Penso na morte
como um velho cansado
que calça os sapatos
e veste a melhor camisa
toda manhã

Penso na morte
como esse velho doente
de cueca branca e cigarro na boca
passando à ferro uma calça de linho
toda noite em que não vai dormir

Barbeado e bem vestido para puxar gatilhos
afiar lâminas e esvaziar garrafas
em dias e noites que não enxergamos passar
ocupados com futilidades e contas de luz

Penso na morte
como um funcionário mal remunerado
descontente por fazer o serviço sujo de Deus
incompreendido
deprimido pelas más interpretações

Vagando por becos e vielas
cafés iluminados e mesas de poker
sentado à mesa do cidadão comum
descansando na cama do magnata
parado sob os postes, soprando as luzes do semáforo
rondando escolas, sentado a beira da estrada
passeando pelo lado escuro da mente de ditadores
no controle das mãos dos assassinos passionais
e línguas de poetas loucos
Vagando mascarado
em uma cidadezinha quente no interior do México

No geral, é assim

Penso na morte
como um velho subordinado
que se lamenta por não ter tempo para si

Consumido pela inveja
de não poder apostar em cavalos
ou perder tudo em uma mesa de jogo
sabendo que jamais terá o coração partido
em uma noite de inverno

Eternamente fadado à amargura de se reconhecer necessário

e inevitável


Por: Rimini Raskin

terça-feira, 27 de março de 2012

Alguns caras ou As mulheres que me encantam



Existem alguns caras
do tipo que eu não me encaixo
Gostam de ter músculos
e escutar uma merda de música no carro
para impressionar outros caras
Existem esses caras
Esses que ficam esperando na saída das escolas
exibindo-se, gabando-se de suas vergonhas
É esse tipo de cara a que eu me refiro
Definitivamente não faço parte desse grupo
Sou do tipo que gosta de sentir o gosto da comida
e prefere a cerveja bem amarga
Que se masturba com pornografia barata
nada de produções e mulheres artificiais
O cara que prefere transar com uma mulher de verdade
com tesão de verdade.
Deitar e explorar todas as imperfeições do corpo ofegante ao meu lado
Os mistérios, os caminhos tortuosos...
Toda boa mulher é uma montanha a ser escalada
Gosto do esforço que precede o prazer de fincar a bandeira
Já esses caras
os que preferem as gostosas de revista
não passam de alpinistas de planície.

Por: Rimini Raskin





terça-feira, 20 de março de 2012

Fernando



Lembro de tê-lo visto a primeira vez há mais de dez anos, perambulando pela minha rua com um pedaço de pão embrulhado em plástico em baixo do braço. Alto, magro, não trazia no rosto nada senão a desilusão e a paciência de um andarilho. Os carros paravam ao seu lado, carros bons, mais caros do que qualquer um no bairro poderia pagar. Imaginávamos o que poderiam conversar, e logo as teorias se formavam. - Enlouqueceu após a morte da mãe / É um advogado rico que largou tudo depois que a esposa o deixou. - Talvez nada fosse verdade, mas sabe como é, o povo fala, tem sede de explicação. E ano após ano, envelhecia e andava pelas mesmas ruas, elegia sua cama sob as marquises, à sombra, onde a chuva não o alcançava. Fumava seus cigarros, mas nunca o vimos beber, pagava tudo com seu próprio dinheiro e não aceitava nada que lhe fosse oferecido, vivia do lixo, como uma punição imposta a si mesmo, uma maneira de se purificar através da dor por algum pecado mortal cometido em um passado, em uma vida antes dessa, em um tempo que não conhecíamos. Dizem que enlouqueceu e não é raro vê-lo conversar sozinho, aos gritos, insultando criaturas que nenhum de nós possui a permissão de enxergar. Se auto-elegeu dono das ruas, dos carros e até dos aviões que cruzam o céu. Mas é impossível achar engraçado, impossível olhar aquele rosto, agora envelhecido pelo sol, cem, mil anos nos últimos dez. Carregando suas sacolas de cobertores, vestindo roupa sobre roupa, como um armário vivo. Um homem árvore, não tão velho, mas antigo, secreto, Fernando.


Por: Rimini Raskin

segunda-feira, 19 de março de 2012

Feito paredes recém pintadas



Eram tempos difíceis
quando não se tinha
nem ao menos se podia

Aqueles sim, eram tempos difíceis

Eu o escutava chorar baixinho
para que os filhos não pudessem
nem sentissem que talvez...

Aqueles eram tempos difíceis

Ela enlouqueceu e
coube a nós segurar a barra
de mãos amarradas
e o mesmo sapato por mais de um ano

O mais novo não podia
Não havia como deixar de querer
Até o mais velho, em segredo,
queria ao mesmo tempo que

Aqueles sem dúvidas, eram tempos difíceis

E se aprende que o rosto já não sangra
depois de algum tempo fazendo a barba
com uma navalha cega
E ficamos bons em fingir
E ainda melhores em beber

Mas se ainda podemos lembrar,
é porque não faz, ao todo, parte do passado

Foram tempos difíceis aqueles,
Quando até o diabo cogitava vender a alma à deus
para levantar alguns trocados...


Por: Rimini Raskin

sexta-feira, 16 de março de 2012

...Sobre O Que Eu Penso Pelas Mãos De Quem Entende...



Acontece que existem aquelas pessoas que nascem
E a medida que falam, que olham, que andam
Elas podem nos dar a luz, 
Com a mesma emoção de uma mãe solteira 
e na mesma intensidade de uma ressaca de vinho. 



Por: Adriene Tomaz

terça-feira, 13 de março de 2012

Naquela linha o perigo não era o trem



Na garganta dos homens era graxa
Nas mãos dos meninos feito homens eram facas
artesanais
Era plástico quente e moinho

Nos corpos cansados
eram costelas quebradas
cortes, pontos e unhas arrancadas
Era água ácida arrancando a pele das mãos

Choro e cigarro
e pressa,
e pressa,
e pressa

Risadas para compensar
overdoses de remédio para aliviar
o caos organizado

Desacelere se não te derem luvas

E o frio da estanqueidade
O calor das soldas
e dos monstros de metal cuspindo lava negra

aconteceria algo
Eles não esperavam
e por isso aconteceria algo

Dos murmúrios surdos
haveriam aqueles para se impor
Para boicotar suas produções de coisas
produtos que nenhum de nós conseguiria comprar

Eles não acreditaram
Eram tantos sorrindo
que eles não acreditaram

Das revoltas de vestiário
nasciam as pausas
E quando o sol nascia pela janela
alguns sentiam o que eles não acreditaram

Das brincadeiras Chaplinianas
ao revezamento para tomar café
Eram tantos pensando
que eles não acreditaram

Não se enganem
não existia romance nesses dias
Não era bonito acordar cansado
ou sentir dores da manhã à noite

Nós víamos a dor
Mas para eles eram cestos vazios
Nós tentávamos alertar
Mas para eles eram números caídos

Um a um
sentamos à mesa
e despejamos o que queríamos

Mas não ouviram
e nos deixaram com tantas marcas
que nem mesmo eles poderiam um dia acreditar


Por: Rimini Raskin

segunda-feira, 12 de março de 2012

Ficaram Nas Pedras



Quando eu era mais jovem,
Quando o mundo era mais jovem,
Quando tudo já era velho
Mas mesmo assim
mais jovem

Do que um dia será...

Existia um cara,
ele parecia maluco
e tinha facas espalhadas pela casa
ao alcance das mãos
e até sob o travesseiro

Preparado para o que um dia sonhou acontecer...

E tinha outro cara,
Parecia doente
canelas finas e cabeça raspada
E ele não trabalhava
e já era bem mais velho que nós

Esperava por coisas que acreditava serem...

Iguais a eles existiam,
tanta gente existia
e tudo era mais jovem
menos as casas
que já eram velhas
e as pedras
que bebiam sangue dos dedos do pé

E todos esperavam por coisas que ainda seriam...

Até que o primeiro abriu mão das facas,
elas já não supriam a carência
e casou
Hoje mora em uma casa nova
na mesma rua velha de ontem

Talvez espere por algo que eu mesmo não sei...

Já o outro esperou até ir embora
e eu não sei depois
talvez trabalhe em algo,
Talvez todos trabalhem em algo que eu mesmo não sei
E é como se
mesmo os que ficaram
tenham ido embora há muito mais tempo do que eu consiga lembrar




Mas tudo isso foi antes...
Hoje seria loucura.



Por: Rimini Raskin


quinta-feira, 1 de março de 2012

Sleep: 60 min.




Tocam a campainha, já não sei que horas são. Mas é noite, eu sei porque olhei por uma fresta da cortina. Sei que é um pouco tarde, o mercadinho da esquina já fechou, posso enxergar daqui do quarto andar. Continua tocando, maldição. Deve ser algum vizinho, um testemunha de Jeová, talvez. Seja lá quem for, é insistente e acordou o cachorro do apartamento em frente. Talvez seja importante. Pode ser o sindico querendo me entregar a correspondência ou um policial para dar uma noticia de morte. Uma intimação, uma ordem de despejo, quem sabe. Não para de tocar e agora bate na porta. Deve ser sério, algo urgente, talvez alguém vindo informar que ganhei uma herança de um tio distante que não conheci. Talvez seja a mulher do apartamento ao lado querendo ajuda para consertar o chuveiro, ou uma velhinha precisando de uma xícara de açúcar. A campainha não para, e além de bater na porta, agora chama meu nome. - Tem uma voz agradável, lembra o timbre do Scott Walker – penso. Quem sabe possa ser um cobrador, aqueles malditos não perdoam dívidas de jogo, era questão de tempo até me acharem. Mas chamam por meu nome completo, meu nome de verdade, não podem ser os cobradores nem os agiotas. Talvez seja um amigo de infância que decidiu fazer uma visita e perguntar como me sinto. – Bobagem, não tenho mais amigos, ninguém do passado sabe que moro aqui. – refuto de imediato a ideia. Deu uma pausa. Acho que se foi. Mas não, merda. A campainha agora toca sem intervalos, o cidadão aperta e segura a chave fazendo o aparelho berrar a todo volume. Bate na porta com violência incitando a fúria do vira-latas que a essa hora já acordou o prédio inteiro. Me chama mais duas vezes e depois silêncio.

Ainda consigo escutar os passos pesados e irritados se distanciando no corredor.

– Que loucura, seria Jesus vestido de mendigo para testar minha fé? – 


Por: Rimini Raskin