terça-feira, 20 de março de 2012

Fernando



Lembro de tê-lo visto a primeira vez há mais de dez anos, perambulando pela minha rua com um pedaço de pão embrulhado em plástico em baixo do braço. Alto, magro, não trazia no rosto nada senão a desilusão e a paciência de um andarilho. Os carros paravam ao seu lado, carros bons, mais caros do que qualquer um no bairro poderia pagar. Imaginávamos o que poderiam conversar, e logo as teorias se formavam. - Enlouqueceu após a morte da mãe / É um advogado rico que largou tudo depois que a esposa o deixou. - Talvez nada fosse verdade, mas sabe como é, o povo fala, tem sede de explicação. E ano após ano, envelhecia e andava pelas mesmas ruas, elegia sua cama sob as marquises, à sombra, onde a chuva não o alcançava. Fumava seus cigarros, mas nunca o vimos beber, pagava tudo com seu próprio dinheiro e não aceitava nada que lhe fosse oferecido, vivia do lixo, como uma punição imposta a si mesmo, uma maneira de se purificar através da dor por algum pecado mortal cometido em um passado, em uma vida antes dessa, em um tempo que não conhecíamos. Dizem que enlouqueceu e não é raro vê-lo conversar sozinho, aos gritos, insultando criaturas que nenhum de nós possui a permissão de enxergar. Se auto-elegeu dono das ruas, dos carros e até dos aviões que cruzam o céu. Mas é impossível achar engraçado, impossível olhar aquele rosto, agora envelhecido pelo sol, cem, mil anos nos últimos dez. Carregando suas sacolas de cobertores, vestindo roupa sobre roupa, como um armário vivo. Um homem árvore, não tão velho, mas antigo, secreto, Fernando.


Por: Rimini Raskin

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