domingo, 11 de outubro de 2015

O Tribunal De Mim Mesmo



Epifania
   mar elétrico
      curto circuito

A cabeça começa a parar
embriaguez de informações
                     copo d'água
                                 
                                      C
                                      O
                                      M
                                      P
                                      R
                                      I
                                      M
                                      I
                                      D
                                      O
                                      S
Artaud
   cavalga um porco
      naquele sonho
         as quatro
            da manhã

Meu coração
          picado
          alimentando
os cães das horas

                                      Das horas
                                      As horas
                                      A noiva afogada

O inferno
referenciando Blake
no canto dos meus olhos

                                      A vela acesa sobre o altar
                                      uma prece:

Que a tranzmodernidade me safe
Dos pecados deste mundo pósmoderno
Purgatório da arte sem arte
Do todo sem parte
Que me safe
Que me safe
Que me livre a cara
do choque e do ataque
na sarjeta cultural
Que seja justa
e que me safe
antes que seja
tarde


-Raskin

sábado, 10 de outubro de 2015

Ferroadas


escrevo outra vez
com lápis e borracha
disciplino a mente
instigo a coordenação
o computador amolece o empenho
sequestra o instinto
afasta até quase um nível
irrecuperável
a palavra do real

escrevo dessa vez
fitando a fuligem nas janelas
desse apartamento na esquina
da Av. Farrapos
lançando acenos às putas
travestis, velhas e mães de família
ouvindo ônibus comboios
cortando a luz da persiana
feito locomotiva e vagões
bebendo cerveja
fantasiando o cigarro que não fumo
os amigos que não estão aqui
a filha que dorme
a mulher que trabalha

escrevo como convêm
gozo excitado
tesão explosivo
a arte pedindo passagem
na fluidez cármica
da poética quase patética
que me esmurra o rosto
rápido feito Ali
flutuando na ponta dos pés plásticos
ágeis e poderosos
que me atiram de cara na lona literária
quase morto com sorriso no canto da boca

perdedor orgulhoso
da própria derrota

-Raskin

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Piedade



Piedade
gritaram os anjos
quando queimei com a chama do isqueiro
a pontinha de suas asas
____________________
O exercício cruel da santidade
privação do sono
abstinência sexual
controle da raiva
catarradas / dor física
____________________
A loucura arranhando a porta
feito cão faminto com a lua crescente
marcada na testa
Rasputin no escuro com o caralho em riste
____________________
Em um trono de nuvens
Deus observa

_Raskin

Porque Toda Noite a Noite É de Caça



Esse verso
dardo pontiagudo
soprado com exacerbada força
através da zarabatana
etérea do pensamento
rasgando o tecido noturno
rompendo o silêncio da tumba
atingindo em cheio a jugular
do grande touro da rotina
que derrama sangue e envenena
o terreno plano das ilusões
e eu me agacho na terra
e eu pinto meu rosto de sangue
e arrasto o touro pra longe, bem longe
brado -- bebo um gole
e me reergo dessa lama suja
da repetição suicida
carregando outra vez
zarabatana e coração
disparando o verbo malícia
em tiro cego
na direção da madrugada


- Raskin

Futura



A sombra plúmbea
do homem ganancioso
cobrirá os vales
e afogará a vida
em fome e pestilência
A água se tornará veneno
na barriguinha oca das crianças
e a morte será irmã próxima
do recém nascido
mal formado e surdo
Comida artificial
câncer alimentício
tiros e botas
sobre mãos suplicantes
Apátridas esmagados
um cemitério marítimo
revolvido pelo vagalhão...
Dos outros, as cercas tratarão de cuidar
Atirem-lhes um pão, canalhas!!
Teocracias assassinas
sistemas hipócritas
uma falsa felicidade
atrelada ao PIB
o futuro há de durar
tanto quanto
um aparelho celular
a floresta cairá
em queda
livre

- Raskin

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Libra

Foto de: Arkadiusz Branicki

Minha mulher liberdade
seio de leite e mel
quando liberta
tygresa furtiva
arisca e sensível
cabelo de vento norte
Minha mulher mineral
ouro rosa e diamante
jazida secreta
sob pele divina
língua de anjo rebelde
caravana de estrelas
Minha mulher futuro
tratado rompido
bandeira queimada
sob o sol da escritura
fêmea sagrada e forte
cotovia confusa
Minha mulher tormenta
irrepreensível
água de pedra redonda
fera materna
mente de estrada reta
banquete de delícias
Minha mulher sonho
maciez cardíaca
éter e amoníaco
quadris de fogueira
beijo de curar feridas
Minha mulher duelo
olhos vendados
dez passos para cada lado
mulher disparo
meu velho corpo
atingido
          caindo
para sempre
do lado errado
Minha mulher redenção
jardim que repousam deuses
me ergue dos mortos
descansa minha cabeça violenta
no teu colo de rainha louca
me dá de comer teu coração

-Raskin




 

quinta-feira, 11 de junho de 2015

Fogo


No velório das minhas lembranças
da minha caixinha de porcarias
um cachimbo de cobre
garrafas de vodca
angústia de cão preto atropelado
uma manchete de jornal
duas manchetes
o diabo na cabeça
fumaça e não
um palmo de terra
vazio
a respiração
novamente
precipitando
sobre a página
em branco

No velório das minhas lembranças
"Exu matou um pássaro ontem, com a pedra que jogou hoje"


- Raskin

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Anjos


Silenciosamente
poesia mansa
Cautelosamente
            penetrante
Teu coração
acelerado pelo
veneno fresco
da minha flecha
             cega
Vêm, amor
Cala teu seio
contra a minha boca
Tua coxa que encaixa
na minha
              coxa
Tua rosa que orvalha
no toque do meu pelo
Desassossego
deliciosamente fluido
no cosmos do teu
               ventre
Vêm, amor
Que meu poema
têm sede &
bebe devagar
Vêm, amor
Me oferece
teu cálice
a tua hóstia
Silenciosamente
sacramenta
a nossa dança
                erótica
Me carrega
com força
na tua petit mort
sem túmulo
nem epitáfio
enquanto seguro teus
                 braços
nessa agonia
sem dor
&
Escuta!
Escuta!

Essa voz no teu ouvido
São eles que
vieram nos buscar

 - Raskin

terça-feira, 12 de maio de 2015

Benzedura


Sonolência
velha enjoada
segurando a alma
pelos calcanhares
para que não abandone
o corpo antes da hora
mas que horas são
no olho mudo
do mundo
da nossa escuridão?

Chronos mastigando
com pena
a cabeça louca
da velha com ramos
folhas
rezas e
tartarugas da nossa infância
espinhos de ouriço
babosa mel e cachaça
chá de cordão

A mágica
a nos secar
as verrugas

-Raskin


domingo, 26 de abril de 2015

Feirinha



O rosto daquele menino, meu deus
era o meu rosto de menino
as minhas roupas feias de menino
que pegávamos na sacola de doações

O rosto daquele menino
que me fez pensar em ti, tão diferente
e que é ainda mais diferente hoje em dia

Pensar no anjo ardente sob tua saia de pombas
e no cavalo branco no pátio da escola
naquele sonho que de tão vivo
quase me fez ligar pedindo
que me abrisse a porta da tua inocência
uma última vez
antes da morte do nosso perfume

O rosto daquele menino
mastigando a realidade
com os dentes em pranto
mirando quase assustado
um demônio invisível
sentado sobre o terminal

Um rosto pálido
talvez um signo definitivo
marca indelével
da morte de toda
uma geração


- Raskin




terça-feira, 24 de março de 2015

Visões

Art: The Good and Evil Angels - William Blake

Os vi, sei que hão de vir
anunciado devir
inevitáveis
em voos rasantes
sobre os campos de fome
cidades-depósitos
morte-motor

Na fumaça fabril
febril, os vi
feito aurora marítima
com o medo a medir
em palmos mágicos
o velho coração humano

___________________
Dor,
estômago do mundo
dissolve a carne da minha vergonha

-Raskin

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Saco de Ossos


Do processo cíclico
de viver não viver e viver novamente
tanto se retira ou se repõe através do crivo
que alimenta ou mata de fome a minha mente

Dessa maquinaria orgânica
azeitada por nossa energia espiritual
conflitante covalente iônica
um estado constante de morte ritual

Carrego na sombra um saco de ossos
das carcaças antigas que olvidei descartar
Um peso sufocante sobre cada um dos meus passos
Um castigo lento e atroz
                          um lembrete mordaz

A compaixão de um cão
é a redenção da alma imortal

-Raskin
 


quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Poema de Resistência



Se identifica o grito
como um protesto forçoso
uma petição indignada
contra o mundo indigesto
de uma realidade sem flores

Se identifica o grito
no canto do pássaro contra o motor
na neblina contra a fumaça
na terra contra o asfalto
na abelha contra o despertador

Se percebe o grito no escuro do cérebro
e dentro dos pulmões
e no fundo dos olhos
Aquela angústia que te rouba o sono
é o grito

Há um tempo atrás
uma cigarra gritou na  minha janela
-desses privilégios de morar em bairro onde os velhos insistem
                                   em manter as árvores em frente a casa-
Mas foi tão alto que conseguiu me arrancar
do transe do trabalho

O grito da cigarra me despertou
para o tempo em que eu ainda percebia
a chuva e os lagartos
nas tardes de pescaria

O grito da cigarra é o grito contra a sonolência
O grito contra o supérfluo
O grito contra a queda da poesia
que é também a morte da imaginação

A resistência ao fim da vida
- um grito ensurdecedor


Raskin

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

O Morcego


Meia-noite, ao meu quarto me recolho.
Meu Deus ! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho


” Vou mandar levantar outra parede …”
- Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre minha rede

Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!

A consciência humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto.


- Augusto dos Anjos

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Leito



É um mundo
    solitário
    o nosso

Um lugarzinho
    vil e insalubre
        onde homens e
            mulheres não raro
        deitam sozinhos
    no momento
do sono sem
    sonho algum

Kerouac na Flórida com a cara inchada de bebida
deitou
Artaud com a voz do demônio, calado na cama do sanatório
deitou
Hemingway engasgado pelo aço em Ketchum, Idaho
deitou
Ginsberg de câncer, barbudo em NY
deitou
Qorpo Santo deslocado no espaço-tempo muito a frente
deitou 
Whitman tossindo como um cão velho em Nova Jérsei
também deitou

E com eles tantos outros
todos os dias
tantos tantos tantos
deitando à baixo
a própria existência

(05 de janeiro de 2015)
...

Eu também deito
toda noite
Mas minha insignificante teimosia
insiste em continuar acordando
na manhã seguinte

Talvez por ainda não ter dito
o que me mandaram dizer
                ou
Talvez porque a vida seja isso mesmo,
uma missão especial que com o tempo
se esquece qual é ou para o que serve
  
 (07 de janeiro de 2015)


-Raskin