Por: Ismael Caneppele
quinta-feira, 21 de abril de 2011
A METAMORFOSE DAS CRISÁLIDAS NÃO SE DÁ NESSA ÉPOCA DO ANO – TRATE DE SER FELIZ POR CONTA PRÓPRIA
Hoje é sexta-feira e falta ânimo para começar as coisas que já começaram. Três dedos de vinho flutuam dentro do copo. Ecos de um passado não tão distante impresso nas fotografias. Tudo o que penduro nas paredes é apenas um registro para sentir saudade. Mas não sinto. Os cafés tem sido absorvendo Thoreau e me surpreende a forma como certos pensamentos se popularizam a ponto de virarem pockets vendidos pela lpm na rodoviária de Passo Fundo. Se a busca for a ancestralidade, é quase certo que você terá algum público. Os malditos estão aí para atestar a ausência de dentes. Os pingos não cansam de escorregar entre as folhas do abacateiro e o som da natureza desperta em mim o tempo em que habitávamos as florestas. Eu devia ter visto Tio Boonme. De vez em quando o ruído forte de um ônibus espacial chega até os fundos desse apartamento colado no meio de uma grande capital, mas depois volta o silêncio. A maior das Américas. A melhor das Américas. Haveria grilos entre as folhagens do quintal se o urbanismo não tivesse aniquilado quase todos os reinos de pequeninos ecossistemas cabalísticos. Caberiam mundos no lado escuro da sombra das plantas. Xamanismo Urbano ou Fever Ray. É quase tudo a mesma coisa. Há uma festa microscópica e só nós não. Haverá ainda muitos dias em que todos deixarão a cidade, menos você. Só faça questão de ter algumas garrafas. Prepare-se para a abstinência decorrente de quando todos se vão. E para ser uma pessoa produtiva que entrega longos textos em prazos tão curtos. Aperte mãos de desconhecidos e deite na cama de quem não sabe o seu nome. Só não esqueça de tentar trazer de volta um resto daquilo que você foi antes de ser quem você é. Há todo um carnaval pela frente e nenhum de nós tem corpo para. Se ainda quiséssemos sair sozinhos. Se ainda nos iludíssemos com a beleza dos encontros que se dão ao acaso. Trabalhe sempre um pouco mais. Depois volte para casa ouvindo Band of Horses e jurando que vai gravar as coisas mais bonitas porque é noite de sexta feira e porque chove e porque sobraram ainda tantas garrafas de vinho e inspiração. Garrafas de vinho o bastante para fazer você escrever e gravar tudo o que você planeja há tanto tempo. Mas você chega em casa e o caderno de versos perde o sentido a cada repetição de frase: porque você quer falar isso? Corre-se o risco de jogar tudo fora: o que você quis dizer com isso? Descartar arquivos carregados de gravações. Se liberar espaço é o segredo da criação e a eternidade do artista é tentar capturar o presente, então pode ser que a generosidade do mesmo seja nunca lamber o próprio rabo.
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