segunda-feira, 4 de abril de 2011

Não existem abelhas na noite das agulhas

Me incomoda um pouco enxergar neste rosto velho um pouco de mim.
A fraqueza nas pernas magras e os tremores que ocasionalmente atingem as mãos com seus dedos curvados, me atordoam e fazem ter vontade de fugir.
Talvez devesse me sentir culpado por comover-me mais com uma vida que chega do que com essa que aos poucos se vai.
Afinal há uma parte da minha história deitada nesta cama, meu sangue, meu sobrenome.
Talvez devesse me sentir culpado por não sentir-me tocado por esses laços naturais.
As vezes penso nesses vinte e poucos anos que nos conhecemos, lembro de tantas histórias, a maioria da minha infância. Lembro de como gostava da chácara e me orgulhava de contar para meus amigos sobre a tua profissão. Mas penso também que nunca fomos próximos o suficiente. Nos respeitamos e temos carinho um pelo outro, é verdade. Mas não tenho convicção de afirmar um sentimento maior, e talvez devesse me sentir culpado por isso também.
Nunca pensei te ver assim, tão dependente.
Nunca imaginei ouvir esse sotaque tcheco-germânico soar tão fraco e melancólico.
Penso que deveria me sentir culpado mais uma vez por ser tão parecido com meu pai e não conseguir a sintonia necessária para amá-lo da forma como deveria.
Sinto que deixei de aprender muito e que também deixaste de ensinar um bocado.
Sinto falta dos carros velhos, das boinas cinzas e dos sapatos sujos de barro que deixavam minha mãe louca por sujar o tapete da sala.
Sinto falta das brincadeiras ao telefone, dos favos de mel e das abelhas.
Talvez devesse me sentir culpado por tudo isso...mas não me sinto!


Por: Yuri Pospichil

2 comentários:

  1. Mesmo que algum dia devamos nos sentirmos culpados por qualquer coisa, acredito que não vá adiantar se culpar. Não sei se é feio ou errado não sentir culpa, mas deixei de sentir quando percebi que somos mais responsáveis por nossas vidas do que as dos outros.
    Sei lá... talvez seja mais fácil assim...

    ResponderExcluir
  2. Ver-se tão igual ao outro, tão parte do outro e achar que a dor do outro devia doer em nós, e não dói. E não achar nada de errado nessa falta de dor. Sentir muito, mas saber que simplesmente, não dói.
    Já atuei nesta peça, conheço o script.
    Lindo texto.

    ResponderExcluir