quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Já ví gente demais por uma noite



Sanidade é estar bêbado
correndo lomba acima
enquanto chovem garrafas ao redor

É rir sem controle
com o coração disparado
Frustrado por terem errado a pedrada

O negro correu primeiro
depois o polonês
Eu gritei de volta
e os carecas xingaram
antes de correr também

Do IAPI à
Av. Plínio Brasil Milano

Eram esses os dias
que me faziam
santo


Por: Rimini Raskin

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Poema de boca cortada



Ele nunca vai poder reclamar,
falar que não sou um bom amigo.
Pode até não conversar mais comigo
ou me olhar na rua

Ele nunca vai poder duvidar
que ao menos fui sincero
que enquanto ele dormia ela passeava de calcinha na sala
sabendo que eu não dormia

Maldição de mulher,
me ligando enquanto ele estava no trabalho
e eu não querendo estragar nada
eu não

Me mandou um bilhete uma vez
A irmã entregou
A irmã que eu já conhecia bem

Mas eu não

Caralho, não quero saber se os dois não dormem na mesma cama

Eu não

Mas ele sim
me acorda no meio da noite,
quer conversar
falar que já sabe de tudo
Que mandou ela embora

Por que eu não contei nada?

Eu não...

A mulher não é minha
mesmo que tenha vindo bater na minha porta na noite seguinte,
dormido comigo em um sofá velho
ou dividido um quarto com o papa-léguas e a namorada estranha dele

Depois de um tempo eles voltaram
Mas eu não

Eu acabei gostando dela
das mentiras e das vontades de ser o que eu já era
A questão não é quem somos
Era quem eu representava
Eu era o desapego
o anti-amor bêbado
trazendo a aurora com as costas e os joelhos queimados do carpete
enquanto ela vestia minha camisa e gozava pedindo perdão

Não vou mentir
que a situação me divertia,
Mas isso antes da merda da consciência me acertar em cheio na cabeça
e eu deixar de ser fiel ao meus desejos

Creio que ele não deva me odiar,
mas se pergunta
eu também me perguntei várias vezes.
Sei que deveria,
que poderia ter contado no início

mas eu não...

E quando, depois de tudo,
for 3:40 da manhã no futuro,
eu estarei pensando pela última vez,
que aquele presente merecia silêncio
e uma boca cortada na borda do meu copo de vinho...


Por: Rimini Raskin

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Uma coisa é simples, uma tinha cheiro, a outra não


Ela bateu na porta do meu quarto
Não lembro que horas eram,
Deixaram ela entrar.

Roupas de loja de conveniência
Um pouco largas no corpo magro
De peitos pequenos

De cabelo curto e uma carteira de cigarro no bolso
De desejo pré festa
De colchão no chão para não ranger a cama de ferro

Os ônibus na madrugada
não são muitos
Carregam poucos, extraviados ainda cedo
Embebedados por antecedência

Eu não conheço a festa, ela tão pouco
Quem leva é um amigo, quem convida é ele
Quem nos coloca na fila e cumprimenta o travesti na porta

A música é péssima,
A cocaína no banheiro unisex
é uma droga
A velha que tenta me vender pastilhas
é uma droga
Mas a pequena é quem eu escolhi para passar esse aniversário
Me esforço por ela que se esforça por ele

Mais tarde vou ganhar meu presente
No banheiro nojento
Sem papel
De chão escuro e grudento

E as portas não tem tranca
E alguém nos espia
E nos pede para entrar
Mas eu não deixo
é meu presente

O amigo deve estar no darkroom
Com um cara baixo e forte que ele viu na pista
Vejo uma vizinha no sofá com um cara
Me olha com cumplicidade
e tesão de reconhecer alguém

A música realmente é uma droga
O filme pornô no telão
é uma droga
A dançarina gostosa
é uma droga
Minha namorada ligando a noite inteira
é uma droga

Não gosto que encostem em mim
Nem quando aceito comprar água
para o cara passando mal,
pastilhado demais
talvez

Ela passou na porta por mim.
Linda, quase uma criança
Mas aqui dentro ela não é
Não tem peitos

Fico bêbado com cerveja cara
volto pra casa que não é minha
É do amigo
E ela dorme no meio
até eu acordar

É meu aniversário e estou de mau humor
Com as costas arranhadas
Uma namorada chorona que não entenderia
Que não era com ela que eu passaria a noite passada
que não era com outra senão aquela
de ontem

Hoje eu sou dela
E a outra me liga chorando
reclama que fui um cretino na pizzaria mais cedo,
que me odeia...

...Enfim algo em que ambas concordam.


Por: Rimini Raskin

domingo, 26 de fevereiro de 2012

A Condição



pelas avenidas
as pessoas sofrem;
elas sofrem a dormir, elas acordam
a sofrer;
até os edifícios sofrem,
as pontes
as flores sofrem
e não há salvação –
o sofrimento senta-se
o sofrimento paira
o sofrimento espera
o sofrimento é.

não perguntem por que há
bêbados
drogados
suicidas

a música é má
e o amor
e o argumento:

agora este lugar
enquanto escrevo isto

ou enquanto lês isto:
agora é o teu lugar.



Por: Charles Bukowski

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

PEDAÇOS DE UM CADERNO UM POUCO CHEIO

Ela era loira e alta e tinha um riso um pouco vulgar, no sentido gostoso.
Tinha sapatos bonitos e roupas de adolescente.
Tinha malicia e achava engraçado me enganar.

Ela era desbocada, era olhos azuis esverdeados de água do mar,
era cheiro de ano quente e bronzeador e melão em flor.
Ela não era minha no começo, nem no meio foi, tão pouco ao final.
Apaixonada por um homem que não era eu,
Mas depois de um tempo isso pouco importava.

Eu, tão aprendiz, aprendi que não poderia tê-la no sentido de pertence,
não era uma jóia antiga ou prataria de familía, era loira com uma estrela no cabelo e unhas afiadas.
Era meu pouso, meu choro e outras vezes o dela.
Era minha cama na volta da escola com The Libertines tocando na TV.
E depois era casa, minha cama de solteiro e sono de desejos saciados.

Gostava quando me esperava na porta e eu não precisava bater na janela,
Nem pular por cima dos carros para não apanhar do irmão mais velho que morava nos fundos.
Gostava de vê-la caminhar no escuro, com a luz que vinha da cozinha clareando meio corpo;
E meio sorriso voltado me convidando para tomar um banho antes do jantar
de macarrão instantâneo e vinho doce de boteco.

Podíamos beber na calçada e falar todas as sacanagens que quiséssemos sem precisar chamar de amor,
Ir ao cinema e morrer de rir com o tesão dela por Jesus Cristo.
Isso antes de eu me tornar o messias com uma garrafa de vodka com coca-cola e mordidas nas costas.

Lembra quando joguei fora os teus cigarros e tu me deu um soco por eu passar cantadas na coloninha?

Era uma grande amiga, do tipo que poucas vezes se pode ter,
Um pouco louca, um pouco traumática, como só as mulheres podem ser.

Mas agora olhe pra nós!

Ainda consegue me reconhecer?

Preciso muito que me diga...

...Pois faz muito tempo que nem eu mesmo consigo...


Por: Rimini Raskin

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Effervescent Elephant



Um Elefante Efervescente
Com olhos pequenos e uma tromba enorme
Uma vez sussurrou para uma orelha pequenina
A orelha de um assustado
Que para o próximo mês de Junho ele morreria, oh yeah!
Pois o tigre iria vagar.
O pequenino disse: "Ai minha nossa, eu tenho que ficar em casa!
E toda vez que ouvir um rosnado
Eu saberei que o tigre está na espreita
E eu estarei bem seguro, sabe
O elefante me disse isso."
Todos estavam nervosos, oh yeah!
E a mensagem foi espalhada
Para as zebras, os mangões, e os hipopótamos sujos
Que brincavam na lama e mastigavam
Suas comidas hipo-plâncton apimentadas
E tendiam a ignorar o mundo
Preferindo examinar um rebanho
De bisões de água estúpidos, oh yeah!
E toda a floresta ficou com medo,
E correram o dia e a noite toda
Mas tudo em vão, porque, vê só,
O tigre chegou e disse: "Quem, eu?!
Vocês sabem, eu não machucaria nenhum de vocês.
Eu prefiro bastante coisa para mastigar
E vocês todos são muito magricelas.", oh yeah!
 
Ele comeu o elefante.
 
 
Por: Syd Barrett

O que exatamente esperam de mim?




O que exatamente esperam de mim?

Linhas bonitas, palavras de incentivo ou tolices sentimentais?

O que exatamente esperam de mim?

Um caminho, um campo florido e narrativas de bravura?

Por que ainda esperam de mim?

(...)

Quero entender o que exatamente esperam de mim?

Que não os faça sentir mal pela palavra lançada ou os sentimentos atravessados?

Que os faça flutuar em profundidades coloridas e fábulas de crescimento?

Afinal, o que diabos exatamente esperam de mim?

(...)

Porque eu, de mim, não esperaria nada...


Por: Rimini Raskin


terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Sobre Meteoros e os Ventos da Existência




(...) A televisão falou algo sobre uma chuva de meteoros que acontecerá hoje à noite, a maior dos últimos não sei quantos anos. Ela não mentiu. Talvez tenha mentido sobre ser a maior. Ou não, afinal não lembro de nenhuma outra antes dessa. Se vocês dois ainda estivessem aqui assistiríamos a tudo, acampados no morro, disso bem tenho certeza. Fiquei na janela, apoiado no parapeito oxidado, estático, observando como as pedras do espaço se dissipam ao entrar no mundo que erroneamente chamamos de nosso. Tem-se de ser realmente muito grande para sobreviver a essa atmosfera venenosa. Tem-se de ser realmente muito forte para penetrá-la e deixar uma marca bem grande no chão. Poucos conseguem, a maioria vira poeira. E depois que o vento do tempo sopra, nem isso. (...)


Por: Rimini Raskin

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Trecho de Noturnos - O Final em Dez Capítulos (III)



(...) Outro sonho. Não entendo como consigo sonhar em tão pouco tempo de sono. Não entendo muitas coisas, somente as aceito. Na verdade, não sei se são sonhos de fato. Talvez eu nunca durma. Talvez eu nunca tenha dormido nos últimos quatorze anos. Sofia me abraçava como se me perdoasse do crime de viver. Raul não estava. Talvez nunca me perdoe. Talvez nunca tenha me culpado. Não existem culpados, mas Sofia não teve tempo de aprender isso. O lugar era escuro, havia água sob meus pés e sobre nossas cabeças. Sofia não tinha pés, estavam submersos pela água escura e revolta. Entre nós era só vazio. Pedi perdão convulsivamente, chorei idem. Aquela boca de mulher que tanto amei, apenas sussurrava que tudo ficaria bem. Em breve. Muito em breve. Não conseguia soltá-la,  agarrava-me com tanta força que meus músculos doíam. Mas é inútil agarrar-se aos mortos quando não nos pertencem mais. Nunca mais. Sofia se foi, comigo restaram apenas os medos e a vergonha de ser um covarde sem forças para enfrentar a vida ainda vivo. Deus não joga dados mas prega peças, era o que Raul dizia antes de deixar de acreditar no que quer que fosse. Aquele que não teme se iguala. E por isso não acredito em santos. E por isso odeio os profetas de rua que disseminam o medo de Deus. A liberdade é um direito conquistado à duras penas. Vence, o que supera os julgamentos, o que se livra do veneno da palavra que escraviza. Vence, o que se faz abstrato, tangente, impossível, inexorável, ileso perante as espadas. Bem aventurados sejam os loucos, pois à eles pertencem os céus do pensamento livre. Maldito seja todo o resto. Queimei meus documentos, as cartas, as contas ...Queimei... Teria queimado a casa toda se não precisasse dela para continuar escrevendo. E assim, aos poucos me livro da terra que em dias de chuva me deixa na lama. Não verei a revolução, não estarei com o povo na rua no momento em que os prédios ruírem. Não verei jamais o que ainda não existe, mas estarei torcendo pelos que nunca desistiram. Pois deles será a glória e o respeito e as estátuas. Deles serão os nomes de ruas, parques e museus. Terão o privilégio de continuarem existindo até a próxima queda. Minhas roupas fedem. Meus pés estão dormentes pelo frio. Quis fumar um cigarro, mas o maço estava vazio. Todas essas garrafas secas e móveis empoeirados à minha volta deixam-me nervoso. Tornei-me parte da decoração decadente deste apartamento. Escondi os espelhos com toalhas de banho por não suportar mais a sensação de estar sendo observado por minha própria desgraça. Pergunto-me qual teria sido a próxima história a ser contada se não houvessem assassinado o Bacana. Qual seria a próxima risada, a próxima mentira divertida ao pé da árvore. Quando matam um bom, os maus não ganham poder. Apenas descolorem o coração de alguns, gerando um espaço que nunca será preenchido. Já quando um mal é morto, outros logo aparecerão para tomar o seu lugar. Orgulho-me de partir sem deixar vazio ou vaga a ser preenchida. De certa forma, sinto-me feliz por não deixar dor ou saudade. Morro, em suma, como um cão de rua que no máximo desperta a pena da senhora que o alimentava. Eis a tragédia da vida dos homens. E não é questão de ser fatalista ou pessimista perante as situações. O fato é que as coisas não aconteceram para mim de forma bonita. Isso acontece com alguns, outros se tornam executivos, maridos fiéis, bons vendedores, amantes, entusiastas, etc... Acredito que no mundo sempre irá existir lugar para todos e para ninguém (...)


Por: Rimini Raskin

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

A Besta



O que realmente te faz ficar?
O que te impede de sair?
O conforto? A família?
Ou o desconforto é que se torna banal ao ponto de virar rotina?


Quem tu realmente é?
O que almeja provar?
Quer ser feliz? Quer ser planura?
Ou simplesmente já nem lembra o que, por quê, e em quem se pode encontrar a cura?


De repente nos ditaram regras, nos apresentaram cartas.
Nos fizeram aceitar e acreditar que é necessário escolher um lado.
Só não lembraram que somos pessoas,
E que não escolher, também é uma escolha.


Nos mandaram ganhar dinheiro.
Nos fizeram viver de acúmulos.
De carreiras, de status, sobrenomes...
De fronteiras, de trabalhos e consumo.


Não é real!
Não é se não aceitarmos que seja.
Afinal, esse conforto é garantia de leveza, ou não?
O menino rico se joga do prédio...
Mas o que não sabíamos, é que ele já havia morrido muito antes de chegar no chão.


Não é real!
Mas continua sendo porque nos fazem acreditar que seja.
Nos jornais e nas telas iluminadas da hora do jantar.
Nos captam e decaptam...
Andamos e andamos sem saber por que andar.


Morar virou privilégio de poucos...
Construímos muros e erguemos nossas cercas até quase o céu.
Trancafiamos nossas portas de aço e ativamos a bateria anti-aérea. 
Tudo isso porque nos falaram que lá fora mora um monstro...
Um inimigo com dois braços e um par de pernas,
Uma besta horrenda com cabeça, dois olhos, nariz e boca vermelha.
E agora aqui estamos nós, presos.
Por medo de um demônio tão familiar, que nos mata de susto quando olhamos no espelho. 


Por: Rimini Raskin