sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Desejo


Ela estava lá, caminhando de um lado para o outro da casa.
E era estranho sentir esse calor ao olhá-la, me sentia pecando, sentia sujeira, porém o desejo se tornou incontrolável com o passar do tempo.
Mas como chegar até ela e dizer o que sentia?
Ainda mais ela, mulher de um dos meus melhores amigos.

Os dias passavam e eu não conseguia mais trabalhar, pensando nela. Tinha sonhos eróticos frequentemente, acordava chorando de vontade de tocar a pele dela.
Mas como? Seria um crime, algo proibido, mas não sabia mais como segurar toda minha vontade.

Durante muitas noites acordei sussurando o nome dela, desejando-a com todo fogo que havia em mim, fantasiava situações e me tocava imaginando serem minhas mãos as mãos dela. Mas por que ela? Logo a mulher de um amigo de infância, alguém que eu amava como a um irmão? Como poderia magoar ele assim?
Seria injusto e baixo da minha parte. Mas então como suportar essa angústia, esse desejo de chegar até ela e falar o que sentia?

Com o tempo decidi deixar sinais mais evidentes do meu interesse, passei a visitá-los com mais frequência, e principalmente quando ele não estava, afinal ela era minha amiga também, não teriam do que desconfiar. Mas era insuportável ficar a sós com ela, me insinuava de maneira sutil e ela parecia não perceber nada, o que me deixava em um estado de frustração ainda maior. Já não sabia mais o que fazer, e sentia muito medo de abrir o jogo e receber a pior das reações. Tentei várias vezes tirá-la da cabeça, e cada vez que fazia isso o desejo voltava ainda mais forte.

Aquela situação estava me enlouquecendo, era uma guerra interna, não conseguia aceitar o que sentia. Minha criação foi muito religiosa e apesar de não mais seguir religião alguma, a idéia de pecado ainda estava muito latente na minha cabeça e não era nada fácil me livrar dela. Poderia acabar com o casamento dela, poderia acabar com o meu casamento, arruinar 4 vidas de uma só vez, por culpa de um desejo que eu não sabia de onde vinha. Algo completamente novo, inesperado e insano para mim.

Já não encontrava mais saída, a não ser me afastar, para longe, onde não mais a veria, onde a presença ingênua e inocente dela não pudesse atiçar meus desejos proibidos.
E foi o que fiz, mudei de cidade, com a mudança perdi a vontade de viver, como se a existência não pudesse ser possível longe daquela sensação divina que sentia ao olhá-la pela janela.
Fui me arruinando aos poucos, transformando meu casamento em um inferno, escrevia dezenas de cartas, mas nunca as enviava. Não sabia mais como lidar com tanta saudade, não conseguia mais aguentar a angústia do desejo e da falta.

Não podia mais fazer isso com meu casamento, era injusto fazer sofrer alguém que me amava como eu estava fazendo. Então voltei para casa naquele dia com a decisão de esquecer tudo e pedir perdão por todo o desconforto e tristeza que criei, mas só o que encontrei foi um bilhete sobre a mesa:

"...Desculpa partir dessa maneira Suzana, mas não consegui suportar todo esse clima, me sinto impotente por te ver triste e não saber o motivo nem como ajudar. Espero que encontre o que buscas. Te amo, e por isso não posso mais continuar te fazendo mal. Me procure quando tiver decidido o que quer, tem meu número, e afinal de contas ainda sou teu marido, desejo que seja feliz, mesmo que não seja à meu lado! Adeus..."



Por: Yuri Pospichil

Frase

Eu só confio nas pessoas loucas, aquelas que são loucas pra viver, loucas para falar, loucas para serem salvas, desejosas de tudo ao mesmo tempo, que nunca bocejam ou dizem uma coisa corriqueira, mas queimam, queimam, queimam, como fabulosas velas amarelas romanas explodindo como aranhas através das estrelas.


Por: Jack Kerouac

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Até

Estou ansioso para voltar pra casa.
Devoro minhas batatas fritas enquanto leio e
Confirmo pela quarta vez o relógio do meu celular.

Acho engraçado a forma como tenta ler o nome do livro na capa,
E como fica sem jeito quando eu de propósito
afasto meus dedos que estavam sobre o título.


Fingimos não nos notarmos,
nem mesmo quando olhamos juntos e com dó
para a criança que chora no portão de embarque.


Percebo tua ansiedade em ir para casa,
e por constatar o mesmo em mim,
acaba se sentindo mais a vontade.


Odeio o silêncio engasgado,
Peço as horas, e você sorrindo me responde :
- "Vinte e trinta e cinco"


Pronto, dei o primeiro passo.
Mas você se envergonhou, e mais uma vez engasga as palavras.

"Desculpa te incomodar de novo, tem horas?"
Você sorri mais do que antes e me responde com sotaque carioca :
- "Dez pras nove...Ta indo pra onde?"

- "Porto Alegre". Eu respondo.
-"Vou para o Rio"...
E sorri com boca linda e carisma invejável.


A conversa se alonga, rimos, falamos das diferenças de nossas cidades
e convidamos um ao outro para conhecê-las.


Falamos ao mesmo tempo, teu rosto se contrai envergonhado,
mas quem pede desculpas sou eu,
te deixo falar primeiro e apenas admiro tua elegância.


Os óculos e o ar executivo não escondem o jeito de menina.
Percebemos nos olhos um do outro o horror ao caos de São Paulo.
Reclamamos e rimos ainda mais.

A hora chega e nos abraçamos como velhos conhecidos.
Ainda te olho dar três passos e virar sorrindo:

- "Vá com Deus Yuri ... e até!"

- "Até."


Por: Yuri Pospichil

O Quarto II


Sozinho

Olhando os abajures invertidos entre meus pés.

Sozinho

E nem a brancura do quarto abranda meu ser.

Sozinho

Com uma televisão balbuciando bobagens em vinte canais.

Sozinho

Sem menos, sem mais...

Sozinho.


Por: Rimini Raskin

Estética Estática

Nas ruas, onibus verdes invertem esquinas cinzentas.
O pixo polui de negro a parede que parece nunca ter sido nua.

Da janela observo, mas os objetos me repelem,
Não sou bem vindo, não me deixo ser aceito.

Magnífica e opressora São Paulo.
O monstro de concreto e aço,
A fábrica de sonhos e pesadelos.

Cidade sem face,
De raízes confusas.

De peruanos que vendem arte para japoneses
Que vendem para italianos que vendem para
Brasileiros que vendem.

Desconfiança e pressa nos olhos de cada um.
Homens fundidos ao concreto da calçada passam desapercebidos
Aos homens fundidos ao relógio que por uma mágica cruel funciona com o dobro de velocidade.

É como se Kerouac escrevesse a cidade,
Desenhando uma Tristessa doidona dentro de cada táxi.

A cidade que não dorme, que engole
Que paralisa e encanta olhos estranhos.

Cidade que do céu já sem sol, sem sal e sem céu,
Me chega em som a saudade do sul.


Por: Rimini Raskin

Eu ♥♥♥ amo Porto Alegre!

Tão diferente e indiferente à prepotência desse lugar.
Assim é minha Porto Alegre.

Uma linda dama de charme discreto e deslumbrante,

Que acolhe filhos adotivos como se fossem seus.
Que me faz sonhar no futuro com seu glamour atemporal.

Ah Porto Alegre, sinto falta de teu sorriso e de tuas jóias.
Sinto falta de tuas veias escuras e arborizadas.
Tão diferentes desse organismo assustador onde pulsa sangue neón.

Sinto falta de tua voz gentil e teus hábitos inconfundíveis.
Essa noite senti um nó ao olhar pela janela e não encontrar no céu as tuas estrelas,
E nunca antes como nessa noite desejei tanto a ti.

Minha amante, minha amada


Porto Alegre


Por: Yuri Pospichil

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Risada ao revés (2004)

Eu sou um triste palhaço
Artista da vida

Um triste palhaço é o que sou.

Maquiagem borrada

Uma alma esquecida e sem dor.


Eu sou um triste palhaço

Corpo sem vida

Criança de riso fácil é o que sou.

Identidade apagada

O triste palhaço do amor.

Eu vim para alegrar suas crianças

Eu vim para sentir o calor.

Eu vim relembrar a alegria
Que o maldito amor me roubou.


Escuro, triste, louco melancólico.

Fingido, maldito, palhaço otário.


Ninguém mais me aceita

Ninguém mais me quer.
E não há nada mais deprimente
no mundo
Que um triste palhaço qualquer.



Por: 
Rimini Raskin

Jovens Demais

Tudo aquilo que eu teria feito
Hoje faz falta em você.
Já tem tanto tempo mas ainda me lembro
De tudo que fiz pra te ter.

Sei que não fui tudo
Mas ao menos tentei.

Hoje estamos tão separados
E nada eu posso fazer.
Por que maquiar o nosso passado?
Você tem medo de quê?

E o meu destino
Aos quatro ventos joguei.

Agora nada mais vai me impedir de dizer.
Tudo que eu sempre quis, agora eu vou fazer.
E se eu nunca disse aquelas palavras
É porque não precisava dizer.
O que mais posso te explicar?

Éramos jovens demais!

Não adianta fingir que esqueceu
Isso não tem como esconder.
Sorriso nervoso, um frio no estômago.
Não é tão fácil conter.

E essa noite
Com você eu sonhei.

Agora nada mais vai me impedir de dizer.
Tudo que eu sempre quis, agora eu vou fazer.
E se eu nunca disse aquelas palavras
É porque não precisava dizer.
O que mais posso te explicar?

Agora é tarde demais!


Por: Yuri Pospichil

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Tinta e um pouco de amor


Pintava o rosto para afirmar sua real identidade.
Cobria a dor com sorrisos de deboche
E suas brincadeiras com verdades.

Dissimulava gestos corriqueiros.
Olhava a todos com verdadeira luxúria indelével.
E assim vestia-se de rebeldia para esconder o rebelde.

Se fazia cínico para falar de Deus.
Firme demais para ser ateu.
E fraco para não perder a bondade.

Despertava a dúvida por ser óbvio.
Corria para que parado ficasse.
E raza queria sua cova para poder voltar quando da morte cansasse.

Escrevia as mentiras mais belas.
E colocava sua alma a tal ponto
Que morreria por cada uma delas.

Se fazia ser quem era apenas com tinta e um pouco de amor.
Odiava espelhos por serem exatos.
E mais ainda o próprio corpo por sucumbir à dor.

E assim se manteve santo.
Sem posses e sem fardos.
Mas orgulhoso de cada um de seus pecados.


Por: Rimini Raskin

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

25 de agosto de 2003, segunda feira


Hoje acordei decidido a escrever uma história, ou melhor, despertei decidido a escrever um pouco sobre minha própria história.
Acredito que a maioria de vocês, não sabem como era ser uma criança rica nos anos 70. Pois é nessa época que começa minha história. Tentarei ser mais direto.
Tive uma infância confusa, nasci em Estocolmo na Suécia, rodeado pelo frio, tanto da neve quanto do mundo familiar. Tinha um dia-a-dia muito complexo, entre aulas inúteis e falsos amigos. E é engraçado como lembro pouco de meus pais, estavam sempre tão ocupados, ele, meu pai, era um grande empresário de uma fábrica de automóveis, e minha mãe, bom, ela vivia ocupada demais com suas viagens, suas roupas e suas jóias.
Haviam se tornado personagens tão diferentes do que um dia chegaram a ser, quase caricaturas daqueles dois jovens apaixonados que um dia desafiaram as famílias em nome de um amor impossível.
Eu passava o dia escutando ordens de empregados de minha mãe e nunca havia saído de casa antes dos 13 anos de idade. Idade em que também conheci meu tutor de música, um maestro belga com longos cabelos brancos e ar teatral, se chamava Louis Sagat.
Nos tornamos grandes amigos em pouco tempo, a ponto de me presentear com seu violino favorito, instrumento esse que acabei por demonstrar uma maior afinidade.
Apartir desse ponto a música passou a ocupar quase metade de minha vida, a outra metade preenchia com as garotas e principalmente com meus novos amigos, entre eles 3 garotos que assim como eu amavam a música acima de tudo. Johan B. era um grande guitarrista, bastante rápido e muito técnico, assim como os irmãos Vülley e Zander A. que assumiram os postos de baixista e baterista. Com eles passei a ter contato com um estilo de música diferente da que eu estudava, uma música rápida, carregada de força e melodia, se chamava Hard Rock.
Um dia ao me perguntarem sobre minha habilidade como vocalista, respondi cantando uma canção do Deep Purple que eles haviam me mostrado em um de nossos primeiros encontros. Quando terminei de cantar os três pareciam hipnotizados por minha voz, e aí nascia a banda Red Star.
De volta à minha casa, tomei uma dura do maestro Sagat, cheguei tarde e congelado, como castigo fui trancado em meu quarto, mas estava tão feliz que nem me importei com a punição, encontrei um jeito de escapar pela janela, escalei até o telhado com meu violino. Toquei como nunca antes havia tocado.
O violino era naquele momento como uma extensão de meu próprio corpo, minhas notas se confundiam com os raios de lua que me iluminavam enquanto a brancura virginal da neve da noite cobria meus cabelos.
Ao meu redor, embaladas por cada acorde emanado pelo violino, as árvores pareciam dançar...nada poderia estar mais perfeito.
Algumas semanas depois passamos a compôr nossas próprias canções, a maioria falando sobre o sobrenatural e o oculto. Entre elas minhas preferidas, Victorius V e This is my curse for you, duas canções que narravam a história de um vampiro. Criaturas que me fascinavam pelo poder e o mistério.
Alguns meses mais e já estávamos fazendo nossos primeiros shows em alguns bares e pequenos clubs como o Music Mix, meu club preferido, aconchegante e com as garçonetes mais lindas de toda a Suécia.
Com o desenrolar dos anos 80 nosso estilo já havia crescido em todo o mundo, a Red Star acompanhou esse crescimento, ao ponto de alcançarmos um status bem grande de reconhecimento no underground de Estocolmo. E em novembro de 1985, num show para pouco mais de 100 pessoas, entre elas um importante empresário musical sueco que veio até nós no final da apresentação. Lembro que fiquei apreensivo na presença daquele homem de sorriso prepotente e terno italiano, mas Peder foi extremamente educado, se apresentou e foi direto ao assunto, "Quero um contrato de dois discos com vocês", disse ele.
E assim aconteceu, lançamos nosso primeiro albúm em janeiro de 1987, batizado com o mesmo nome da banda, foi um sucesso de vendas na Suécia e alguns outros países da Europa, o que nos rendeu uma turnê por todo o continente, iniciada em agosto do mesmo ano.
Me entreguei totalmente aos excessos proporcionados pelo status de estrela em ascenção.
Festas regadas a drogas, sexo e todo luxo que se podia pagar. As polêmicas e a fama se acumulavam na mesma proporção que nossa falta de privacidade. Buscando me manter um pouco afastado dos holofotes por um tempo, aproveitei uma folga para visitar a Espanha, admirar a bela arquitetura e lógico apreciar a ótima cozinha espanhola.
Seguindo a dica do empresário da Red Star, fui a um restaurante no centro de Madri para jantar. Mas antes de comer, decidi dar uma passadinha no bar instalado dentro do próprio restaurante, enquanto bebia minha vodka,
um senhor muito elegante sentou ao meu lado, muito educado perguntou o que eu estava bebendo e pediu o mesmo para ele. Se apresentou como Leonardo Soleza, conversamos longamente em inglês sobre assuntos variados, e apesar de nossa diferença de idade, encontramos grandes semelhanças em nossos gostos pessoais. Consultando o relógio, educadamente se desculpou e despediu-se sorrindo, dizendo que voltaríamos a nos encontrar. Apesar de eu achar estranha aquela afirmação de Leonardo, não dei muito caso, pois partiria no dia seguinte de volta para Estocolmo.
A Red Star voltou a entrar em esúdio para a gravação de um segundo LP chamado Love Against The Wind, que ao contrário do albúm de estréia, saiu bem mais suave e melódico. Com ele novamente vieram os shows, uma turnê bem maior, incluindo países da Ásia na agenda, maior e muito mais estressante que a primeira eu diria, para relaxar acabei criando um laço forte demais com a bebida, ao ponto de não conseguir entrar no palco sóbrio pelo menos nas últimas 10 apresentações. Quando a turnê terminou em março de 89, não conseguia organizar os pensamentos, acabei por pedir um tempo para relaxar e voltar aos trilhos.
Me isolei por 1 mês no campo em busca de concentração e inspiração. Descanso esse que só foi interrompido por uma carta me convidando a ir à Espanha para dar uma entrevista à uma rádio, falando dos
rumores de um possível fim da banda.
Aceitei o convite, não pela rádio, mas por não recusar uma oferta de voltar à Espanha.
Na rádio tudo ocorreu tranquilamente, não procurei ser polêmico, desmenti os rumores, expliquei meu motivo de afastamento e prometi um disco novo em breve.
Voltando ao Hotel Claris pedi a um dos funcionários uma dica de um bom club para eu me divertir em Barcelona, o cara me indicou um club moderno cujo nome não me recordo, um lugar frequentado por Cyberpunks e apreciadores da música eletrônica que vinha ganhando espaço no underground mundial. Decidi conhecer o lugar, era um prédio de arquitetura moderna, o interior era um tanto sombrio, não diria aconchegante, mas envolvente, entre os frequentadores pude constatar a presença de alguns artistas conhecidos do cenário europeu.
Pouca luz e centenas de faces, mas uma me pareceu estranhamente familiar, me aproximei do homem que sorria ao me ver. "Nos conhecemos?", perguntei eu, e como resposta ouvi: - "Na verdade sim, deverias lembrar melhor das promessas que a ti são feitas". Como um flash a lembrança me voltou à mente e acabei por rebater encabulado: - "Perdão, acho que a vodka acabou me deixando com memória de peixe, mas agora lembro, nos conhecemos a uns dois anos atrás em um restaurante em Madri, não foi?".
Soleza me respondeu afirmativamente com um sorriso, nossa conversa acabou por se desenrolar com a mesma facilidade com que amigos de escola falam sobre o dia. A música estava incomodando um pouco, o volume alto dificultava a conversa. Percebendo isso Leonardo me convidou para irmos à sua casa, me disse que possuía um estúdio de gravações fonográficas que eu me interessaria em conhecer.
Saímos do club e fomos até seu carro, um BMW prateado que nos levou com rapidez até uma mansão nos arredores da cidade. A casa era maravilhosa, uma mistura de clássico e moderno, um jardim enorme na frente e por dentro era completamente adornada por obras de arte.
Tomamos alguns drinks enquanto conversávamos, pedi para ver o estúdio que ele havia me comentado no club e fiquei surpreso com a seriedade que o rosto de Soleza tomou, mas com voz muito calma foi me falando enquanto se aproximava: - "Não o trouxe aqui para ver estúdio algum". Me levantei e tentando não parecer grosseiro falei:- "Desculpa cara, acho que você acabou confundindo as coisas, não sou...", Soleza me interrompeu às gargalhadas, e tratou de explicar melhor: - "Também não o trouxe aqui pra isso minha criança, só gostaria de fazer algumas perguntas."
Apesar de estar achando a situação no mínimo bizarra, concordei em responder algumas questões. Leonardo começou me perguntando por que muitas de minhas músicas falavam sobre vampiros, respondi que achava as criaturas da noite interessantíssimas, carregadas de poder e de charme.
"Você já conheceu algum?" - me perguntou ele. Com um tom de brincadeira comentei: "Não, mas seria um bom presente de aniversário, amanhã completo 23
anos."...Soleza parecia não achar muita graça do comentário, e então continuou:
- "Gostaria de ganhar a imortalidade como presente então?"
Aquelas palavras por algum motivo me chegaram geladas até à espinha, mas não tive nem mesmo tempo de piscar os olhos, senti o pescoço ardendo como se fosse marcado à ferro incandescente. Lembro ainda de estar caído ao chão,
muito fraco, com forças suficientes apenas para manter a consciência e ouvir as palavras: "E então? Aceitas meu presente?"
Quase que hipnóticamente as palavras "Eu aceito" escorreram da minha boca como mel. Ainda pude ver Leonardo cortar o próprio pulso e oferecer seu sangue à mim. Bebi como se fosse néctar. No mesmo instante senti uma força incrível, quase insana se apoderar do meu corpo e então apaguei.
Acordei na noite seguinte em um quarto branco com pinturas sacras no teto, olhei para os lados e não encontrei alguém ou algo que me parecesse familiar. Meu corpo todo doía, me coloquei em pé com dificuldade, muito tonto abri a porta e me deparei com um corredor cheio de portas, a primeira revelou uma pequena adega de vinhos, a segunda levava a uma sala de estar em que todos os objetos pareciam familiares e desconhecidos ao mesmo tempo, foi quando ouvi uma voz imponente vinda de minhas costas, me virei por reflexo e me deparei com um homem de ar assustador, tentei correr mas acabei não indo muito longe, caí ao lado de um candelabro enorme.
O homem me chamava pelo nome e pedia calma, olhei para o seu rosto
novamente e as coisas começavam a se encaixar aos poucos na minha cabeça. Leonardo me ajudou a levantar, me levou até o canto esquerdo da ampla sala onde estava o sofá. Me serviu uma taça de vinho e perguntou com ar de riso o porque de eu estar tão assustado.
Respondi que havia sonhado com vampiros; ele soltou a taça e me perguntou sobre o sonho, mesmo muito constrangido falei: -"Sonhei que você era um vampiro, e que tinha me atacado."
Soleza se colocou de pé e principiou a falar: - "E se não fosse um sonho? E se fossem lembranças?"...
Me senti desconfortável com a pergunta, -"Está brincando comigo ou algo assim?", perguntei eu com uma certa impaciência na voz, inabalável, Leonardo disparou outra pergunta, - "Gosta desse vinho que estamos bebendo? Não notou nada de diferente no sabor?"...
Olhei a taça, dei outro gole e respondi: -"É delicioso, mas realmente não parece com nenhum vinho que já tenha provado."...
-"Não é vinho!", respondeu Soleza;
-"Algum licor então?", continuei...
-"Sangre!", me respondeu por fim o espanhol.
Comecei a rir mas logo fui interrompido por Leonardo:
- "Acha que isso é alguma brincadeira?", gritou ele.
De alguma forma, na mesma hora percebi que meu sonho era real, perdi a voz, não conseguia crer no que acontecia .
Segurando minha mão, Leonardo me pediu calma mais uma vez, -"Escute minha criança, meu filho, agora você já sabe a verdade, terá que aprender muita coisa, você tem um poder grande nas mãos, terá que aprender como e quando usá-lo, é um mundo difícil para nós, terá que aprender a se manter seguro, e para isso existem regras que você precisa saber."...Algumas semanas se passaram até que fui apresentado ao príncipe da cidade, o líder escolhido pelas crianças da noite. Com sua benção me oficializei um vampiro, ganhei um clã a quem jurei lealdade e aceitei um código que jamais poderia quebrar.
Convidei Soleza para me acompanhar até Estocolmo, queria que ele me fizesse um grande favor.
Chegamos à Suécia às 2 da madrugada, um carro já nos esperava para levarnos à minha casa onde Johan, Vülley e Zander estavam à minha espera.
Ao entrarmos na residência pude ouvir Vülley se aproximando e gritando comigo: - "Porra Vic, onde você estava?", nos abraçamos
e então apresentei Leonardo.
Na sala de estar, com todos reunidos expliquei melhor quem era Soleza, quem era eu agora e o que propunha para os três. Sabia que eles não recusariam a
oferta, e assim aconteceu, a Red Star estava unida para sempre com Leonardo Soleza como nosso mestre.
O contrato de dois discos com a gravadora havia acabado e por culpa das polêmicas envolvendo a banda, os diretores acharam melhor não renovar. Decidimos seguir no underground de forma independente, não era difícil esconder nosso segredo, imortais nos acompanhavam nos shows e mortais nos viam como atores representando muito bem o papel de vampiros.
Fizemos shows maravilhosos no Chile, onde conheci um Assamita anti-tribo chamado Julio Rodriguez que aceitou trabalhar como meu segurança em troca de moradia e refeições fáceis. Do Chile partimos para a Bolívia, depois Colômbia, uma passagem na anárquica Los Angeles, alguns shows no México e depois Brasil, lugar escolhido inclusive para uma parada nos shows. Nos localizamos ao sul, gostamos tanto do clima e da refeição que decidimos
morar em Porto Alegre.
Queremos lançar um novo disco esse ano, apenas para a América do Sul
e Central, um registro com o melhor dos shows pelo continente.
Mas chega de escrever, estou com fome e a noite está tão gelada hoje que precisarei de um pouco de sorte para encontrar alguém nas ruas.
Enfim, ninguém nunca lerá essa história, mas mesmo assim foi divertido imaginar que estou compartilhando um pouco do meu segredo com o mundo mortal.


Victor Svensson.



*Trecho do diário pessoal de Victor Svensson, encontrado na mansão em Porto Alegre onde o vocalista da banda Red Star junto com seus companheiros moraram antes de desaparecerem de forma misteriosa em janeiro de 2004.

*Traduzido do original em sueco.

Por: Yuri Pospichil