quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

25 de agosto de 2003, segunda feira


Hoje acordei decidido a escrever uma história, ou melhor, despertei decidido a escrever um pouco sobre minha própria história.
Acredito que a maioria de vocês, não sabem como era ser uma criança rica nos anos 70. Pois é nessa época que começa minha história. Tentarei ser mais direto.
Tive uma infância confusa, nasci em Estocolmo na Suécia, rodeado pelo frio, tanto da neve quanto do mundo familiar. Tinha um dia-a-dia muito complexo, entre aulas inúteis e falsos amigos. E é engraçado como lembro pouco de meus pais, estavam sempre tão ocupados, ele, meu pai, era um grande empresário de uma fábrica de automóveis, e minha mãe, bom, ela vivia ocupada demais com suas viagens, suas roupas e suas jóias.
Haviam se tornado personagens tão diferentes do que um dia chegaram a ser, quase caricaturas daqueles dois jovens apaixonados que um dia desafiaram as famílias em nome de um amor impossível.
Eu passava o dia escutando ordens de empregados de minha mãe e nunca havia saído de casa antes dos 13 anos de idade. Idade em que também conheci meu tutor de música, um maestro belga com longos cabelos brancos e ar teatral, se chamava Louis Sagat.
Nos tornamos grandes amigos em pouco tempo, a ponto de me presentear com seu violino favorito, instrumento esse que acabei por demonstrar uma maior afinidade.
Apartir desse ponto a música passou a ocupar quase metade de minha vida, a outra metade preenchia com as garotas e principalmente com meus novos amigos, entre eles 3 garotos que assim como eu amavam a música acima de tudo. Johan B. era um grande guitarrista, bastante rápido e muito técnico, assim como os irmãos Vülley e Zander A. que assumiram os postos de baixista e baterista. Com eles passei a ter contato com um estilo de música diferente da que eu estudava, uma música rápida, carregada de força e melodia, se chamava Hard Rock.
Um dia ao me perguntarem sobre minha habilidade como vocalista, respondi cantando uma canção do Deep Purple que eles haviam me mostrado em um de nossos primeiros encontros. Quando terminei de cantar os três pareciam hipnotizados por minha voz, e aí nascia a banda Red Star.
De volta à minha casa, tomei uma dura do maestro Sagat, cheguei tarde e congelado, como castigo fui trancado em meu quarto, mas estava tão feliz que nem me importei com a punição, encontrei um jeito de escapar pela janela, escalei até o telhado com meu violino. Toquei como nunca antes havia tocado.
O violino era naquele momento como uma extensão de meu próprio corpo, minhas notas se confundiam com os raios de lua que me iluminavam enquanto a brancura virginal da neve da noite cobria meus cabelos.
Ao meu redor, embaladas por cada acorde emanado pelo violino, as árvores pareciam dançar...nada poderia estar mais perfeito.
Algumas semanas depois passamos a compôr nossas próprias canções, a maioria falando sobre o sobrenatural e o oculto. Entre elas minhas preferidas, Victorius V e This is my curse for you, duas canções que narravam a história de um vampiro. Criaturas que me fascinavam pelo poder e o mistério.
Alguns meses mais e já estávamos fazendo nossos primeiros shows em alguns bares e pequenos clubs como o Music Mix, meu club preferido, aconchegante e com as garçonetes mais lindas de toda a Suécia.
Com o desenrolar dos anos 80 nosso estilo já havia crescido em todo o mundo, a Red Star acompanhou esse crescimento, ao ponto de alcançarmos um status bem grande de reconhecimento no underground de Estocolmo. E em novembro de 1985, num show para pouco mais de 100 pessoas, entre elas um importante empresário musical sueco que veio até nós no final da apresentação. Lembro que fiquei apreensivo na presença daquele homem de sorriso prepotente e terno italiano, mas Peder foi extremamente educado, se apresentou e foi direto ao assunto, "Quero um contrato de dois discos com vocês", disse ele.
E assim aconteceu, lançamos nosso primeiro albúm em janeiro de 1987, batizado com o mesmo nome da banda, foi um sucesso de vendas na Suécia e alguns outros países da Europa, o que nos rendeu uma turnê por todo o continente, iniciada em agosto do mesmo ano.
Me entreguei totalmente aos excessos proporcionados pelo status de estrela em ascenção.
Festas regadas a drogas, sexo e todo luxo que se podia pagar. As polêmicas e a fama se acumulavam na mesma proporção que nossa falta de privacidade. Buscando me manter um pouco afastado dos holofotes por um tempo, aproveitei uma folga para visitar a Espanha, admirar a bela arquitetura e lógico apreciar a ótima cozinha espanhola.
Seguindo a dica do empresário da Red Star, fui a um restaurante no centro de Madri para jantar. Mas antes de comer, decidi dar uma passadinha no bar instalado dentro do próprio restaurante, enquanto bebia minha vodka,
um senhor muito elegante sentou ao meu lado, muito educado perguntou o que eu estava bebendo e pediu o mesmo para ele. Se apresentou como Leonardo Soleza, conversamos longamente em inglês sobre assuntos variados, e apesar de nossa diferença de idade, encontramos grandes semelhanças em nossos gostos pessoais. Consultando o relógio, educadamente se desculpou e despediu-se sorrindo, dizendo que voltaríamos a nos encontrar. Apesar de eu achar estranha aquela afirmação de Leonardo, não dei muito caso, pois partiria no dia seguinte de volta para Estocolmo.
A Red Star voltou a entrar em esúdio para a gravação de um segundo LP chamado Love Against The Wind, que ao contrário do albúm de estréia, saiu bem mais suave e melódico. Com ele novamente vieram os shows, uma turnê bem maior, incluindo países da Ásia na agenda, maior e muito mais estressante que a primeira eu diria, para relaxar acabei criando um laço forte demais com a bebida, ao ponto de não conseguir entrar no palco sóbrio pelo menos nas últimas 10 apresentações. Quando a turnê terminou em março de 89, não conseguia organizar os pensamentos, acabei por pedir um tempo para relaxar e voltar aos trilhos.
Me isolei por 1 mês no campo em busca de concentração e inspiração. Descanso esse que só foi interrompido por uma carta me convidando a ir à Espanha para dar uma entrevista à uma rádio, falando dos
rumores de um possível fim da banda.
Aceitei o convite, não pela rádio, mas por não recusar uma oferta de voltar à Espanha.
Na rádio tudo ocorreu tranquilamente, não procurei ser polêmico, desmenti os rumores, expliquei meu motivo de afastamento e prometi um disco novo em breve.
Voltando ao Hotel Claris pedi a um dos funcionários uma dica de um bom club para eu me divertir em Barcelona, o cara me indicou um club moderno cujo nome não me recordo, um lugar frequentado por Cyberpunks e apreciadores da música eletrônica que vinha ganhando espaço no underground mundial. Decidi conhecer o lugar, era um prédio de arquitetura moderna, o interior era um tanto sombrio, não diria aconchegante, mas envolvente, entre os frequentadores pude constatar a presença de alguns artistas conhecidos do cenário europeu.
Pouca luz e centenas de faces, mas uma me pareceu estranhamente familiar, me aproximei do homem que sorria ao me ver. "Nos conhecemos?", perguntei eu, e como resposta ouvi: - "Na verdade sim, deverias lembrar melhor das promessas que a ti são feitas". Como um flash a lembrança me voltou à mente e acabei por rebater encabulado: - "Perdão, acho que a vodka acabou me deixando com memória de peixe, mas agora lembro, nos conhecemos a uns dois anos atrás em um restaurante em Madri, não foi?".
Soleza me respondeu afirmativamente com um sorriso, nossa conversa acabou por se desenrolar com a mesma facilidade com que amigos de escola falam sobre o dia. A música estava incomodando um pouco, o volume alto dificultava a conversa. Percebendo isso Leonardo me convidou para irmos à sua casa, me disse que possuía um estúdio de gravações fonográficas que eu me interessaria em conhecer.
Saímos do club e fomos até seu carro, um BMW prateado que nos levou com rapidez até uma mansão nos arredores da cidade. A casa era maravilhosa, uma mistura de clássico e moderno, um jardim enorme na frente e por dentro era completamente adornada por obras de arte.
Tomamos alguns drinks enquanto conversávamos, pedi para ver o estúdio que ele havia me comentado no club e fiquei surpreso com a seriedade que o rosto de Soleza tomou, mas com voz muito calma foi me falando enquanto se aproximava: - "Não o trouxe aqui para ver estúdio algum". Me levantei e tentando não parecer grosseiro falei:- "Desculpa cara, acho que você acabou confundindo as coisas, não sou...", Soleza me interrompeu às gargalhadas, e tratou de explicar melhor: - "Também não o trouxe aqui pra isso minha criança, só gostaria de fazer algumas perguntas."
Apesar de estar achando a situação no mínimo bizarra, concordei em responder algumas questões. Leonardo começou me perguntando por que muitas de minhas músicas falavam sobre vampiros, respondi que achava as criaturas da noite interessantíssimas, carregadas de poder e de charme.
"Você já conheceu algum?" - me perguntou ele. Com um tom de brincadeira comentei: "Não, mas seria um bom presente de aniversário, amanhã completo 23
anos."...Soleza parecia não achar muita graça do comentário, e então continuou:
- "Gostaria de ganhar a imortalidade como presente então?"
Aquelas palavras por algum motivo me chegaram geladas até à espinha, mas não tive nem mesmo tempo de piscar os olhos, senti o pescoço ardendo como se fosse marcado à ferro incandescente. Lembro ainda de estar caído ao chão,
muito fraco, com forças suficientes apenas para manter a consciência e ouvir as palavras: "E então? Aceitas meu presente?"
Quase que hipnóticamente as palavras "Eu aceito" escorreram da minha boca como mel. Ainda pude ver Leonardo cortar o próprio pulso e oferecer seu sangue à mim. Bebi como se fosse néctar. No mesmo instante senti uma força incrível, quase insana se apoderar do meu corpo e então apaguei.
Acordei na noite seguinte em um quarto branco com pinturas sacras no teto, olhei para os lados e não encontrei alguém ou algo que me parecesse familiar. Meu corpo todo doía, me coloquei em pé com dificuldade, muito tonto abri a porta e me deparei com um corredor cheio de portas, a primeira revelou uma pequena adega de vinhos, a segunda levava a uma sala de estar em que todos os objetos pareciam familiares e desconhecidos ao mesmo tempo, foi quando ouvi uma voz imponente vinda de minhas costas, me virei por reflexo e me deparei com um homem de ar assustador, tentei correr mas acabei não indo muito longe, caí ao lado de um candelabro enorme.
O homem me chamava pelo nome e pedia calma, olhei para o seu rosto
novamente e as coisas começavam a se encaixar aos poucos na minha cabeça. Leonardo me ajudou a levantar, me levou até o canto esquerdo da ampla sala onde estava o sofá. Me serviu uma taça de vinho e perguntou com ar de riso o porque de eu estar tão assustado.
Respondi que havia sonhado com vampiros; ele soltou a taça e me perguntou sobre o sonho, mesmo muito constrangido falei: -"Sonhei que você era um vampiro, e que tinha me atacado."
Soleza se colocou de pé e principiou a falar: - "E se não fosse um sonho? E se fossem lembranças?"...
Me senti desconfortável com a pergunta, -"Está brincando comigo ou algo assim?", perguntei eu com uma certa impaciência na voz, inabalável, Leonardo disparou outra pergunta, - "Gosta desse vinho que estamos bebendo? Não notou nada de diferente no sabor?"...
Olhei a taça, dei outro gole e respondi: -"É delicioso, mas realmente não parece com nenhum vinho que já tenha provado."...
-"Não é vinho!", respondeu Soleza;
-"Algum licor então?", continuei...
-"Sangre!", me respondeu por fim o espanhol.
Comecei a rir mas logo fui interrompido por Leonardo:
- "Acha que isso é alguma brincadeira?", gritou ele.
De alguma forma, na mesma hora percebi que meu sonho era real, perdi a voz, não conseguia crer no que acontecia .
Segurando minha mão, Leonardo me pediu calma mais uma vez, -"Escute minha criança, meu filho, agora você já sabe a verdade, terá que aprender muita coisa, você tem um poder grande nas mãos, terá que aprender como e quando usá-lo, é um mundo difícil para nós, terá que aprender a se manter seguro, e para isso existem regras que você precisa saber."...Algumas semanas se passaram até que fui apresentado ao príncipe da cidade, o líder escolhido pelas crianças da noite. Com sua benção me oficializei um vampiro, ganhei um clã a quem jurei lealdade e aceitei um código que jamais poderia quebrar.
Convidei Soleza para me acompanhar até Estocolmo, queria que ele me fizesse um grande favor.
Chegamos à Suécia às 2 da madrugada, um carro já nos esperava para levarnos à minha casa onde Johan, Vülley e Zander estavam à minha espera.
Ao entrarmos na residência pude ouvir Vülley se aproximando e gritando comigo: - "Porra Vic, onde você estava?", nos abraçamos
e então apresentei Leonardo.
Na sala de estar, com todos reunidos expliquei melhor quem era Soleza, quem era eu agora e o que propunha para os três. Sabia que eles não recusariam a
oferta, e assim aconteceu, a Red Star estava unida para sempre com Leonardo Soleza como nosso mestre.
O contrato de dois discos com a gravadora havia acabado e por culpa das polêmicas envolvendo a banda, os diretores acharam melhor não renovar. Decidimos seguir no underground de forma independente, não era difícil esconder nosso segredo, imortais nos acompanhavam nos shows e mortais nos viam como atores representando muito bem o papel de vampiros.
Fizemos shows maravilhosos no Chile, onde conheci um Assamita anti-tribo chamado Julio Rodriguez que aceitou trabalhar como meu segurança em troca de moradia e refeições fáceis. Do Chile partimos para a Bolívia, depois Colômbia, uma passagem na anárquica Los Angeles, alguns shows no México e depois Brasil, lugar escolhido inclusive para uma parada nos shows. Nos localizamos ao sul, gostamos tanto do clima e da refeição que decidimos
morar em Porto Alegre.
Queremos lançar um novo disco esse ano, apenas para a América do Sul
e Central, um registro com o melhor dos shows pelo continente.
Mas chega de escrever, estou com fome e a noite está tão gelada hoje que precisarei de um pouco de sorte para encontrar alguém nas ruas.
Enfim, ninguém nunca lerá essa história, mas mesmo assim foi divertido imaginar que estou compartilhando um pouco do meu segredo com o mundo mortal.


Victor Svensson.



*Trecho do diário pessoal de Victor Svensson, encontrado na mansão em Porto Alegre onde o vocalista da banda Red Star junto com seus companheiros moraram antes de desaparecerem de forma misteriosa em janeiro de 2004.

*Traduzido do original em sueco.

Por: Yuri Pospichil

2 comentários:

  1. rs...nunca ouvi falar...mas se sumiram deve ter um bom motivo...
    sumir deixa a gente preservado...kakakaka...tem coisas que nos tornam lendas...mesmo que não seja essa nossa intenção inicial...
    muitas vezes o fazer nada nos torna lendas...
    fazer tudo nos torna lendas...
    mas todas as lendas tem algo em comum... acho eu...
    a paixão... e a falta absoluta dela

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