domingo, 11 de outubro de 2009

E se?


E se de repente a onda trouxesse mais do que os restos de algum navio pesqueiro?
Se com ela, de repente, viesse também as lembranças dos velhos marujos naufragados?
Como agirias se os fantasmas se elevassem de suas sepulturas marinhas?
Teria medo de fitá-los nos olhos?

E se te oferecessem segredos?
Se te presenteassem tesouros?
Como responderia ao convite do capitão quando ele lhe propusesse uma viajem até um paraíso de Sereias e Tritões?

Choraria se um deles tivesse o rosto de teu pai?
Cederia à oferta de uma vida onde a fome, o frio, ou o tempo não existissem?
Um mundo onde ninguém lhe cobraria um punhado de bobagens hipócritas todo dia?
Uma realidade onde ninguém é mais ou menos, pois todos apenas são e estão?

Sentiria nojo em ter que selar o acordo apertando as mãos húmidas e decompostas do capitão?
Em sentir seu cheiro de peixe podre e rum barato?
Se importaria em abrir mão de seus pequenos luxos para seguir os fantasmas até as profundezas do tempo?
Ou será que recusaria todos os prazeres e martírios do mar por tua individualidade cotidiana?

"Quando sentas na areia e olhas para o abismo onde a antiga terra plana desagua, o que esperas enxergar?"


... Assim pergunta um marujo com rosto triste, já praticamente transformado em ossos.

E você pensa, mas não sabe responder, então sorri com vergonha.
Feito isso, o pobre fantasma aproxima-se e lhe encosta a mão ao peito.

"O abismo que procuras está aqui, quando navegares tome cuidado para não ser sugado pela cachoeira e devorado por demônios. Ou pior, ser pego pelos campos magnéticos que um dia roubaram meu norte, enlouquecendo assim a minha bússola."

Ao terminar a frase o espectro se afasta para desaparecer nas profundezas do oceano escurecido pela noite.

Restam agora apenas três deles.
E com exceção do capitão que segue sorrindo como que para clarear a noite com seus dentes de ouro, os dois marujos, por algum motivo, levam os olhos injetados rasos d'água.

Mais do que isso, eles agora choram e gritam palavras em um idioma incompreensível.
Uma língua marinha de melodia baleiesca.
Correm de volta para o mar e te olham com fúria.

Mas espere!!!

Eles são você!

O capitão às gargalhadas também é você!

E quando as ondas passam a quebrar vermelhas com o nascer do sol, você sente o rosto queimar como se lhe tivessem atirado ácido. Seu corpo todo queima, e o cheiro pútrido de carne estragada lhe entope as narinas.
Num anseio de tentar manter a pele ainda presa aos ossos, você olha para os lados, mas as palavras não saem, pois sua língua já não habita mais a boca.

"Você está morto, camarada, o navio está pronto para partir, seque as lágrimas e porte-se como homem!"...

Seus olhos húmidos em vão procuram alívio, pois isso foi tudo que se pôde ler nos lábios purulentos do velho lobo do mar.



Por: 
Rimini Raskin

2 comentários:

  1. Morremos todos os dias, a todos os segundos - a cada milésimo deles - e nem nos damos conta.

    Gritamos por bobagens.
    Brigamos por causas que nem me mesmo nossas verdadeiramente são.
    Vivemos correndo atrás de uma ilusão que tristemente ajudamos a transformar em realidade, todos os dias, quando permitimos que continue.

    Eu consinto.
    Tu consentes.
    Todos, de alguma forma, contribuímos.

    E mesmo assim morremos sem perceber.

    O que acontecerá, de fato, quando percebermos que vamos morrer de uma formas a não ter o próximo milésimo de segundo de continuidade?

    Não será de nossas casas, carros e dinheiro, que nos lembraremos. Mas sim, de tudo o que sentimos. Todas as emoções.

    E daí, trocaríamos tudo, só para sentir por um milésimo a mais. Não tenho dúvidas.

    Com o que andas ocupando o teu tempo? O que esta ocupação tem lhe feito sentir?

    Espero que seja bom o suficiente para ser lembrado...

    Parabéns Yu.
    =)

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  2. O "se" , ao meu ver, é algo que sempre impede as possibilidades em vez de criá-las !!!

    Gostei do conto... diversificando muito bem!!!

    =D

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