domingo, 28 de dezembro de 2014

Encruzilhada 27



O grande automóvel verde do desejo tem a boca grande
    Devora toda a santidade superficial exigida por lei
        pelos escribas sociais de merda nenhuma
Ele acelera e atropela  pequenos méritos familiares
    acumulados a duras penas por minha alma sexoagitada
        E quem passa na estrada pode ainda ver as carcaças
mesmo depois de semanas de apodrecimento e sol a pino
    É o espetáculo da degeneração dos valores aceitáveis
        um programa ruim de televisão onde indígenas são demonizados
enquanto o grande automóvel segue indômito e sedento ainda
    que sem muito barulho rasgando como faca bandida a carne
        do cotidiano bunda mole sem que sua pintura seja arranhada
pelos ossos normativos do grande esqueleto negro que é a vida
    Mas não a vida real, falo da vida forjada, impostora
        esposa fiel da ilusão industrial e da propaganda macabra
A maldade gás e bombardeios onde ninguém assume a culpa
    Foram eles e é sempre eles não eu não nós são eles e apenas eles
        foi o outro é o outro quem deve morrer quem deve pagar é o outro
Não me entenda mal, meu amor, não quero ser como os vagabundos
    da Rua da Praia tocando gaita e um pandeiro de plástico em troca de trocados
        ou do gesto bonito dos teus lábios ao gritar as horas sob a garoa fina de dezembro
O que quero é aquilo que tem o vagabundo, aquela coisa escondida sob
    o manto surrado das necessidades o pássaro azul sufocado pelo mal cheiro
        mas ainda lá, vivo e orgulhoso de poder ser quem é, se quiser
O grande automóvel verde é mesmo grande para todos nós, inclusive para eles
    os outros, os culpados e pecadores índios vagabundos e empresários de sucesso
        nele cabe muita lama e muita lágrima e muito remédio para tudo que é da vida
Nele há também um reboque para nossos egos com um pequeno buraco
    onde podem respirar e espiar a vida passando rápido, seguros e confiantes em sua
        caixa escura e dura.
Por que ninguém saca que o céu é o céu e as árvores e os rios e a poeira
    e a tempestade e a palavra e o ouvido e o pau e a buceta são santos?
        Por que não entendem que quem não aceita o espinho na carne não merece
o paraíso guardado no fundo das coisas pequenas?
    O último gole, a migalha final na hora da fome o gozo satisfeito ou a mijada matinal...
        todos maravilhosos milagres dos que foram capazes de enxergar.
     

- Sr. "X", tenho uma péssima notícia para o senhor...infelizmente seus créditos
não lhe garantem porra nenhuma em nosso estabelecimento.



-Raskin

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Antropofágica



Devorei teu
Sexo
Canibalizei teu
Gozo
Fiz do meu corpo tua
Casa
Que o mundo me entregue aos
Anjos
Em lindas bandejas de
Prata

-Raskin

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

O cão com olhos de fúria



O cão com olhos de fúria
espreita nas esquinas do cérebro
revira o lixo, persegue a fantasia
faz tanto barulho que a cabeça dói
e eu choro quando ninguém está olhando

O cão com olhos de fúria
rosna com escárnio e
escancara os dentes da história
entre frestas de consciência

Esse mesmo cão que é a história
perseguindo a própria cauda
em um sinal claro da demência canina
que não raramente também atinge o homem

O cão com olhos de fúria
não me deixa dormir
e eu o vejo em cada espelho alterado
no fundo dos meus olhos vermelhos
enquanto todos os outros dormem
e sonham seus sonhos de trabalhador

O cão com olhos de fúria
as vezes morde com brutalidade
para depois lamber as feridas

O cão com olhos de fúria
me oferece o colo quando tudo
fica muito escuro e triste demais

Eu amo o cão
como um viciado ama o seu vício
e o doente, depois do susto,
ama a própria enfermidade

O amor do cão é uma mulher apaixonada

-raskin

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

A catedral da desordem




A nossa batalha foi iniciada por Nero e se inspira nas palavras moribundas: “ Como são lindos os olhos deste idiota”. Só a desordem nos une. Ceticamente, Barbaramente, Sexualmente. A nossa Catedral está impregnada do grande espetáculo do Desastre. Nós nos manifestamos contra a aurora pelo crepúsculo, contra a lambreta pela motocicleta, contra o licor pela maconha, contra o tênis pelo box, contra a rádio-patrulha pela Dama das Camélias, contra Valéry por D. H. Lawrence, contra as cegonhas pelos gambás, contra o futuro pelo presente, contra o poço pela fossa, contra Eliot pelo Marquês de Sade, contra a bomba de gás dos funcionários públicos pelos chicletes dos eunucos e suas concubinas, contra Hegel por Antonin Artaud, contra o violão pela bateria, contra as responsabilidades pelas sensações, contra a trajetória nos negócios pelas faces pálidas e visões noturnas, contra Mondrian por Di Chirico, contra a mecânica pelo Sonho, contra as libélulas pelos caranguejos, contra os ovos cartesianos pelo óleo de Rícino, contra o filho natural pelo bastardo, contra o governo por uma convenção de cozinheiros, contra os arcanjos pelos querubins homossexuais, contra a invasão das borboletas pela invasão dos gafanhotos, contra a mente pelo corpo, contra o Jardim Europa pela Praça da República, contra o céu pela terra, contra Virgílio por Catulo, contra a lógica pela Magia, contra as magnólias pelos girassóis, contra o cordeiro pelo lobo, contra o regulamento pela Compulsão, contra os postes pelos luminosos, contra Cristo por Barrabás, contra os professores pelos pajés, contra o meio-dia pela meia-noite, contra a religião pelo sexo, contra Tchaikowsky por Carl Orff, contra tudo por Lautréamont.



 - Roberto Piva, em Os que viram a carcaça, Março de 1962, SP.

domingo, 16 de novembro de 2014

Verso Solto



tantos
versos
entre as
muralhas
de Netuno
e os olhos
da lua
sobre
a pele
de quem
sobrevoa
os traços
e as cores
do mundo
no cotidiano
de Saturno
e seus dias
curtos
há tantos
versos
nas vogais
de Corsino
as esquinas
os morros
a costa
das ilhas
entre as
verdades
e as janelas
o outro
verso
de outra
língua
e a mesma veste
da minha língua
fundidos
orbitais barbitúricos
em córtices associativos
da grande mente universal
vermelho-pulsante
tendendo sempre
por ceder
uma outra vez
ao doce estranho
que o complete
que faça ser
que seja feito
incompleto
ou imperfeito
mas tece feito teia
corre feito veia
verso feito maré
feito espuma
verso que se é
feito bruma
verso que voa
verso que pousa
da língua que fala
do olho que ousa.

- Por Pedro Rieger, Yuri Raskin Pospichil e Sillas Henrique

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Cotidianos



Anjos de asinhas transparentes
se esborracham contra os vidros
Cacos de vida e taças de vinho
o orgulhoso beberá esgoto tratado
No rádio, amor ginsbergiano legalizado
em mais dois estados e um distrito

América, e a não violência quando legalizará?
Por que é tão difícil relaxar?

Loucos armados de microfones em caminhões de som
arrastam uma direita raivosa com discursos anacrônicos
A floresta cai, a chuva não.
A morte é negra, jovem, periférica
e o sangue seca no asfalto por falta de justiça nas torneiras

A polícia dorme em paz agora que julgará os seus
Cláudia segue sendo arrastada  

O sertão virará Cuba e o sudeste sonha com o mar
O norte sufoca em fumaça e cascos de vaca
O sul veste seu capuz branco e elege um purificador
Fraude e Paranoia instauradas no cotidiano

O governo nunca gostou de índio
Na bandeira um Kaiowá com a corda no pescoço
e a boca cheia de soja

A banalização do extermínio
A naturalização do horror

Será que sou um comunista?


-Raskin








quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Zen-Ki

*Dna In All Living Things, Artwork Metal Print by Bill Sanderson


A Revelação
do ouro matinal
que desponta no topo
do crânio duro
de homem ignorante
O sol generoso
que escorre das mãos
e toca o rosto da menina
de olhos grandes
O rádio vibrando
a música preferida
as 4 da madrugada
enquanto a tempestade
arrasta esqueletos metálicos
direto para o estômago das
bocas de lobo
A explosão desesperada
esmagando a caixa toráxica
com a força de um elefante triste
que te derruba na cama
feito um nocaute de Deus
O sonho
e de novo os olhos dela
guardando o universo
que também é o universo
guardado na boca
do menino Krishna
O sonho
e as piscinas quentes
onde nu, nadei na minha
adolescência
O sonho
e toda carne e vinho
que devorei ao lado
dos que ao lado não mais estão
O sonho e todo o lixo
acumulado na alma
que precisei limpar
O sonho e todos os comprimidos
cães sacolas de lixo
e paranoia telefônica
O sono
& de novo o sonho
como a única
realidade aceitável
por trás do manto
cinza da desolação
As preces mudas
aos ouvidos surdos
de uma divindade
de qualquer céu ou não
Independente das chuvas
secas ou plenitudes eventuais
que pudessem atravessar a alma
Espelhos mágicos fogo e fumaça 
feito aves do paraíso
colorindo a visão ancestral
de homemcavalo DNA indomado
rodopiante no fundo de laboratórios estéreis

 - Papai, me conta uma história.
Ela disse.

E isso é tudo que tenho feito
desde então


-Raskin

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Sonar






No escuro quarto
câmara de eco
que ressoa
no
crânio
toda uma
vida
naquela noite em que
nenhum homem saiu
e nenhum gato e nenhum deus
gemeram
nos telhados
de subúrbios insones
finalmente
a boca que cuspia
fogo
calou a boca que
gritava sonhos


-Raskin

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Rima não selecionável

*Woman sitting under a light at a bus stop. Credits: Rupert Vandervell.


Não importa o amor, o humor ou o sentido
Não importa o caminho, o calor ou o destino 
Tão pouco importa se vêm acompanhado ou volta sozinho.

Beleza,
          em suma
é poesia colada
           no vidro.

- raskin

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Só mais uma sexta feira



O ser humano naturalmente destrói o que admira
    extingue, empurra para o abismo, dizima, mata
    nem sempre come, outras vezes só queima por queimar
O feio também é morto, porque ofende, fede, assusta
    e o homem não aceita concorrência quando o assunto
    é destruir ou até mesmo canibalizar.
Só o insignificante se salva, escapa do chumbo e da faca
    o invisível, o não inspirador, o meio termo, o medíocre
    esse tem a perpetuação garantida
Eu costumava sentar em uma praça na hora do almoço
    comia macarrão frio direto de um pote plástico
    enquanto senhoras levavam cachorrinhos para cagar
Nessa época eu lia Sartre e sentia náuseas em dias de vento
    imaginava o mundo vazio de seres humanos, como mágica
    e eu o único sobrevivente, sem trabalho, sem hora, sem nada
Me via invadindo aquelas casas bonitas que cercavam a praça
    comendo a comida dos armários, dormindo em camas king size
    e batendo carros potentes que nunca aprendi a dirigir
Mas é tudo uma grande bobagem, como não haveria de ser?
    os homens não desaparecerão assim, de uma hora para outra
    eles não podem ser extintos, exauridos, dizimados, devorados
Apenas eu, que sequer existo, posso dar cabo do sonho sinistro
    que se abate sobre o coração, que teimoso, insiste em bater
    entre frequências de rádio e miséria e gás napalm e bombardeios.
Crianças mortas e tecnologia assassina e poesia quebrada e
    leiteveneno e carnedoença e barrigas negrovazias
    por toda parte o homem caminha como um senhor de porra nenhuma
Meu Deus! e o Diabo na terra do sol, na cabeça do homem que não aprendeu
    que não foi ensinado, que ainda não acordou para o fato
    que é preciso respirar em algum momento dessa desgraça que chama de vida
Hoje vi meu rosto no espelho do quarto de meu pai
    o espelho era meu próprio pai refletido no meu rosto
    cada ruga e cada fio branco de barba era eu
Espelho e pai e calvície e caveira triste anunciando o apocalipse
    do corpo e da mente sem cama nem flores,
    só chamas e nenhuma montanha que se possa escalar
Só vozes humanas e grandes cães que entre grades insistem em tentar me atacar
    o dedinho dela aponta a lua - Olha pai, a lua...a lua! -
    e a lua sorri de volta com um foguete cravado no olho direito
Mas não basta estuprar o próprio mundo, penso
    nossa viagem segue rumo contrário
    e um dia não haverá mais como retornar ao coração
Esse planeta vermelho e pueril, cada vez menos pulsante
    seco e esquecido, gritando por ajuda em um cantinho
    frio e escuro do peitogaláxia ... mais nada ...
    Só o dedinho dela apontado pra lua


- Raskin
    

sábado, 26 de julho de 2014

Poema antierótico



I

Não haverá amor
não haverá tesão
Ela está nua
de quatro
em frente ao espelho
Ele também está
mas não
Como já havia dito
não é sobre o sexo
úmido
Não haverá coito
não haverá penetração
O poema é tântrico
gozo cortado
anti erótico
não haverá ereção
lubrificantes?
esperma?
gritos abafados?
Não.

II

Mas então
de que diabos
falaria um poeta
se não das delícias da carne?


- Raskin





quarta-feira, 23 de julho de 2014

Deus não estava



Não,
quando nasci Deus não estava enfermo
nem mesmo enfermo grave
como quis Vallejo
Quando nasci, Deus não estava
e se estivesse, gostaria que não

Afinal há trabalho no mundo
muito mais importante
do que acompanhar o nascimento
de uma criança

A morte, essa sim merece uma vela
E aquele que sabe a hora de morrer
terá sempre a minha mais sincera atenção.

Nascer é um dever

Em 1987 ou agora
Em Gravataí ou em Gaza
a miséria e a guerra ainda me parecem
melhores motivos para uma intervenção divina

Meu nascimento não

Não fui o anjinho enviado
que entrou no mundo rodeado de sol
e carinha de joelho. Não.

Vim de olhos tristes e cabelos negros
dividindo o leito com outros bebês
igualmente menos importantes

Chorei
Minha mãe também chorou

E é curioso falar disso agora
depois de homem feito
Dizer que nascer foi doloroso
-E sempre é-
porque de todas as vezes que nasci
ao longo desta curta vida,
a primeira tenha sido talvez a mais tranquila

O resto se aprende com o tempo
cada lição, cada delícia
toda a entrega que com o tempo
o próprio tempo te exige
Sempre se aprende
de uma forma ou de outra
se aprende

Viver é sacrifício

-Raskin

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Vi teu rosto no muro e era sangue


O homem
e as lebres do cotidiano
o crime do não sonhar
o sonho
a única realidade possível
inafiançável
um coração cadeado
a mente entre grades
nos tanques-hipopótamos
o trabalho assassino
Que tristeza, meu deus
que tristeza
O leão morreu de fome
na sala de jantar

- Raskin 

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Mediterrânea

Fotagrafia de Paulo Martinez


Queimei a nave
& naveguei a nave em chamas
Porque a vida é uma
e dar-se ao luxo de não se queimar
é desperdício de tempo.

- Um bom marujo não se faz no atracadouro -
Me disse o deus que trago no peito.

E Então guardei no bolso
uma estrela cadente
E a lua,
como uma faca curva,
apertada entre os dentes

O pássaro é um homem que aceitou o voo
e jamais voltou a cabeça para olhar atrás


-Raskin

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Disfunção Profissional



Vejo
todos os dias
homens sérios
apressados
caóticos
cardíacos
todos os dias

os vejo
mas não os enxergo...

-Raskin

terça-feira, 10 de junho de 2014

Cantos de ar e água salgada V

Galatea of the Spheres, (1952), Salvador Dali

Vi teu corpo gaivota cruzar espelhos de mercúrio 
                           nos entardeceres da nova terra.
Vi teus pés fincarem  fortes no estômago monstruoso da areia fina 
                           feito lanças de sonho em um paraíso moribundo &
                           modorrento onde cordeiro algum pastaria ao lado
                           de Leões.
Vi também tua cabeça de cavalo em rédeas de ventania
                           a lançar olhares de navegador em todas as direções
E o céu carregado de uma energia sexual concentrada
                           qual o ventre de uma deusa
-Que força maravilhosa é esta? - 
                            Me perguntei.
"Mãe água & antigos mil nomes fui e ainda serei" - 
                           Ribombou o trovão enquanto espalhava 
                           seu fogo através do infinito em bandejas de prata.

"E tu, homem semente, vá e erga altares da mente em honra
dessa mãe esquecida e faminta que avistaste na praia"
                           Obedeci, amedrontado e perplexo como um menino
                           diante dos seios potentes da primeira mulher

____________________________________________________


A poesia como holocausto









                         

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Cantos de ar e água salgada IV



De ressaca, o mar vomita
na areia da madrugada,
cama dos que amam no verão &
que foi um dia também a nossa cama
memórias-cadáveres indesejadas.
Por isso te digo, querida
é preciso encará-las apodrecer até os ossos
sem levá-las para casa nos bolsos como eu fiz
respirar o fedor sem poder dormir
deitar na cama de pregos de um faquir
Pois não sei mais o que é paz, meu amor,
não agora que os gatos da desesperança
atraídos pelo cheiro da loucura
escolheram meu telhado para brigar

-Raskin

Cantos de ar e água salgada III


Sol sob os olhos
memória de peixe espada
no aquário do teu ventre
Minha casa que nunca esqueci
e que um dia voltarei
para contar uma história
de cardumes fantasmas &
redes rasgadas pela solidão do mar
O mesmo mar que não aceita prisões a longo prazo
nem marujo fajuto que nunca aprendeu um nó
que não fosse na corda das frustrações

-Raskin

Cantos de ar e água salgada II



Sal sob a pele
mesmo depois de mil banhos
e doloridos quinhentos quilômetros de asfalto
O chão do quarto repleto de escamas
não acalma minh'alma como o oceano
um dia acalmou

Mágoas e mágoas
à léguas de serem resolvidas
Tristes baleias flutuando na orla
antes de encalharem chorosas
no meu peito arpoador

Água salobra à inundar os pulmões
outra vez...nunca mais


-Raskin

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Cantos de ar e água salgada


Não me contento em ser
não mais que uma peça
desta infernal engrenagem

Não depois de ter escutado
dos lábios de deus
que o melhor passarinho
                                     é sempre
                                                    aquele
                                                              que
                                                                    voa
                                                                          pra
                                                                                longe
                                                                                        da
                                                                                             margem... 


-Raskin
                                   

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Vista


Imagem do filme Um Cão Andaluz - 1929


1
Tão pequeno sou
que mergulhei em teu olho
e fiz ondas em tua íris cor-de-infinito
Atravessei pupila
alcancei córnea
invertido
logo convertido
em corpo estranho
Não como um incomodo cisco
mais como uma lâmina cegante
predecessora de escuridão
Lição atordoante do que se esquece
constantemente
diante de tanta falsa grandeza
Por isso eu, tão pequeno
mergulhei para ensinar
que não são teus olhos
a enxergar os fatos
e sim o cosmos
a enxergar teus olhos


2
Agora me diga, menina
se forma é vazio e vazio é forma
essa noite, na tua cama de molas
quem dorme?


- Raskin


quarta-feira, 23 de abril de 2014

Orgasmoprece



Não é sobre sexo
Não é sobre Deus
Não é só sobre sexo
Nem só sobre Deus
É uma sucessão de Ahs! & Ohs!
De saliva e línguas entrelaçadas
De fluídos fluidos e facilitadores de prazeres cármicos
Não!
Não é só sobre sexo
É sobre pelos e peles
E sobre o outro sobre a cama
É principalmente sobre a tua boca
aberta em orgasmoprece
- "Meu Deus, Meu Deus!"
É sobre minha Deusa
Mãe da minha filha
Mulher da minha vida

- Raskin

sábado, 12 de abril de 2014

Ego



- Cortou-me as asas e chorei veneno mil anos!
Disse a serpente, triste como uma viúva obediente.

- Depois arrancou-me as presas e conheci a fome
que castiga o corpo e a mente!
Continuou a cobra de maneira eloquente.

- Minha toca, meu refúgio, destruída.
E com isso, exposta a medo e paranoia covardemente!
Prosseguiu assim o lamento da confusa criatura
que de tão desesperada já não mais se movia
sob o peso da minha bota de loucura.

Até que por fim, sucumbi a seu lamento.
Pobre serpente!

E permiti ao animal choroso que saísse
sem entender ao certo qual fora seu crime.
E ela se foi,
julgando-se inocente e imprescindível
ao homem que passara a vida com medo de também voar
e acabar morto por um inimigo, na maioria das vezes,
invisível.


-Raskin

segunda-feira, 17 de março de 2014

Coração de Teia



Revelação
na porta do banheiro
de uma loja de materiais
                   de construção

A teia
captura um pequeno brilho 
líquido, advindo de um céu
                         de proletária poesia
                       

- Ai, ai quem dera! ... eu penso
meu coração também pudesse
como a teia da aranha
guardar gotas de chuva
além de moribundos 
insetos celestes

- Raskin

sexta-feira, 7 de março de 2014

Casa de sonhos



São 4h da manhã &
acordei de um sonho em que
"Z" voltava de Londres
com neblina nos bolsos
e uma barba farta de santo ucraniano

Nos encontrávamos em um
Transcal azul-barulhento
cruzando a Av. Flores da Cunha
em uma Cachoeirinha da infância
que não passamos juntos
Daquele tempo de ruas de pedra &
casas de madeira que
ganhavam vida durante a noite

Falávamos do vazio
e do silêncio do que não ouvíamos
e da música e
da música e principalmente dela

Ele me convidava para um festa
com aquele entusiasmo de anos atrás
- vai ser foda - ele dizia, - descolei até um chocolate com o "V"-

& lá fomos nós
como nos velhos tempos
de vodca e apresentadores de TV
preocupados com a reputação

Me sentia tão feliz

O lugar era um emaranhado de níveis
e corredores repletos de portas
interligados por escadas traiçoeiras,
uma cena Escheriana  perfeita

Impossível descrever em detalhes,
mas estávamos lá, juntos em um desfile
de tristes ex namoradas esqueléticas
de vestidos negros e cigarros
nos desejando sorte e reclamando da vida

- Que loucura, velho! - ele gritava
enquanto suava em bicas naquele lugar infernal
- É nossa despedida, nossa última loucura -
Mas eu não entendia de que diabos ele falava
e dei de ombros bebendo minha cerveja
- A partir de agora vamos ser sérios e sofrer quietos
para não incomodar os vizinhos ou nossas mulheres! -

Senti uma tristeza enorme,
mas mesmo assim dei risada ainda sem entender
exatamente o que se passava.

- Em noites quentes como essa, as piscinas do tempo são oceanos -
ele continuou...


E nos perdemos entre as portas
de nossas próprias consciências


- Raskin

BOMBA



Me diga, senhor
quanto valho
em teu baralho
de sangue & sonho?

Que rumo tomo, senhor
antes de tornar-me também um embuste?

Rei Gás
montado em teu cavalo de morte,
por que teu peito desnudo
não pôde abrigar um pouco de amor?

Rei Olho
celebrado nos corredores da grande casa
Arcano 13
Quem te deu a chave mestra
                                         do mundo?

Rei Vermelho Sangue
fome de monstro-carniça
já sugou  teu bilhão de almas
para o submundo?

&

Tantos outros Reis
e secretários
apressados
tão pouco tempo
vago
pouca água
pouca mata
pouco pão
tanto circo
macabro

A faísca terminará
por queimar tua casa

!!BOMBA!!

Guerra
é pornografia
para a punheta do opressor

Sexo
é lava
que fertiliza o solo

Amor é Amor

Força criadora

A rua 
tua boca 
teu grito
teu silêncio quando
calas para ouvir
teus seios
tua informação
teu manifesto de sonho
teu carinho
tua família de mundo
teu amor é amor

Por isso, vos digo
Eu,
Rei Tutti Frutti
o que não existiu
porque nunca deveria ter existido
Eu,
pelo bem da verdade
amo o mundo
com a boca ao ouvido
como quem sussurra
Liberdade...


- Raskin





sábado, 1 de março de 2014

Plurivácuo ou O sermão da onda



não sou mar
definitivamente
não sou peixe

não sou céu
e não por acaso
não sou pássaro

não

não sou nada

e por querer ser tudo
e não ser nada
é que sou homem

- Raskin

*Pintura de René Magritte que cosmicamente coincidiu com meu singelo poema.




terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Fim de Século

Imagem: Choque de Carla Barth


O semáforo pisca seu olho elétrico para uma cidade fantasma
na esquina da Carlos Gomes com a Plínio Brasil Milano
Meu crânio em câmera lenta
capta sexo e álcool entre as árvores que penetram muros fendidos
nas enormes orgias do pensamento
Prédios se elevam em galanteios fálicos e mil olhos de sangue e solidão
Picho, piche, sêmen negro que afoga a garganta da terra
e a vida não respira sufocada por essa porra toda
Eu vi um rio sob o viaduto antes da queda uma vez
e mais adiante, Shiga e barulho de água
Eu vi, com os olhos atrás da minha cabeça,
legiões de espíritos e orixás
abrirem caminho para as três crianças do deleite apocalíptico
A criança do Amor, vestida de ouro e pedras preciosas
A criança da Liberdade, leve e rebelde
com as roupas em farrapos despudorados
E a criança da Poesia, etérea, iluminada pela lua
em vestes espectrais de relva e incenso estelar

Mas onde andavam meus amigos que partiram
em busca de garrafas de fogo e diversão?
E os outros, aqueles que nunca vieram?

É terça-feira e me sento ao sol
remoendo estas memórias nucleares de eterna fantasia
Trechos do fabulário adolescente de um poeta rechaçado em bits
por respeitados intelectuais do ânus com suas hemorroidas em chamas

E ainda assim insisto

Com a memória cravada nas coxas macias
de algum fantasma do natal passado

Ainda assim insisto

Cuspindo meu deboche sereno de burguês familiar
nos olhos flácidos de guardiões da pureza poética
orgulhosos de suas teorias

Cães que os próprios cães rechaçariam
Veneno que a própria serpente expurgaria

Desprezodezpresodesprezo
Mil vezes...
E outras mil desprezaria



- Raskin

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Nirvana



Maria sorri,

plena por descobrir como abrir a tampa de um pote.

O universo inteiro vibra em eterno vazio...


- Raskin

Satori



Toda manhã,

a velha varre

com vassoura de galhos

as flores mortas da madrugada.


Eu observo...



- Raskin 

Samsara



Constantemente

meu ego, de tão pesado,

rompe a teia da aranha

que me salvaria da danação...


- Raskin

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Carta as escolas de Buda



Vós que não estais na carne,
que sabeis em que ponto de sua trajetória carnal,
de seu vai e vem insensato,
a alma encontra o verbo absoluto,
a palavra nova,
a terra interior.

Vós que sabeis como alguém dá voltas no pensamento
e como o espírito pode salvar-se de si mesmo.
Vós que sois interiores de vós mesmos,
que já não tendes um espírito ao nível da carne:
aqui há mãos que não se limitam a tomar,
cérebros que vêem além de um bosque de tetos,
de um florescer de fachadas,

de um povo de rodas,
de uma atividade de fogo e de mármores.
Ainda que avance esse povo de ferro,
ainda que avancem as palavras escritas com a velocidade da luz,
ainda que avancem os sexos um até o outro com a violência de um ‘canhonaço’,
o quê haverá mudado nas rotas da alma, o quê nos espasmos do coração,
na insatisfação do espírito?

Por isso, lança às águas todos esses brancos
que chegam com suas cabeças pequenas
e seus espíritos já manejados.
É necessário agora que esses cachorros nos ouçam:
Não falamos do velho mal humano.
Nosso espírito sofre de outras necessidades que as inerentes à vida.
Sofremos de uma podridão, a podridão da Razão.

A lógica da Europa esmaga sem cessar o espírito e volta a fechá-lo.
Porém agora, o estrangulamento chegou ao cúmulo,
já faz demasiado tempo padecemos sob seu jugo.
O espírito é maior que o espírito,
as metamorfoses da vida são múltiplas.
Como vós, rechaçamos o progresso:
vinde, deitemos abaixo nossas moradas.

Que continuem ainda nossos escribas escrevendo,
nossos jornalistas cacarejando,
nossos críticos resmungando,
nossos agiotas roubando com seus moldes de rapina,
nossos políticos arengando
e nossos assassinos legais incubando seus crimes em paz.
Nós sabemos – sabemos muito bem – o que é a vida.
Nossos escritores, nossos pensadores, nossos doutores,
Nossos charlatães coincidem nisso: em frustrar a vida.

Que todos estes escribas cuspam sobre nós,
que nos cuspam por costume ou por mania,
que nos cuspam porque são castrados de espírito,
porque não podem perceber os matizes,
os barros cristalinos, as terras giratórias onde o espírito elevado dos homens se transforma sem cessar.
Nós captamos o pensamento melhor.
Vinde.
Salvai-nos destas larvas.
Inventai para nós novas moradas.




Por: Antonin Artaud



*Tradução de Irineu Corrêa Maisonnave

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Brasa



Toda essa gente
Falando Falando Falando
Toda essa festa
Todas as peças
Todos os olhos
Fechando Fechando
Todo esse mundo
Findando Findando
Toda essa merda
Essa mente
Na ponta dos dedos
Dormentes
Queimando Queimando Queimando...


Por: Raskin