quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Benjamin C.

Tristeza.
Amargura.
Pesar de uma vida fracassada.
Pesar desta morte que, fatalmente, será também fracassada.
Como não lembrar uma última vez da época em que eu sonhava com a minha morte?... Da época em que eu a queria bela, nobre, condicionada a altos valores?...Como deixar de me lembrar daquele tempo, na Avenida Ingres, minha cabana, depois mais tarde, já homem, quando eu procurava razões para morrer como se procuram razões para viver? Daquele tempo em que eu queria dar um sentido à minha morte tanto quanto um sentido à minha vida? Sim, como deixar de lembrar do tempo em que estava pronto para morrer contanto que fosse lutando, em pé, afirmando alguma coisa imperecível?
Hoje, nada. Nada senão uma morte por nada, à imagem de uma vida por nada.
Nada senão uma morte insensata, à imagem de uma vida privada de sentido.
Nulidade, nada senão nulidade, após uma vida inteira a serviço da nulidade.
E ninguém para me prantear; ninguém para lamentar minha perda; ninguém por quem morrer; ninguém até para saber que morri -- e meu corpo encontrado um dia, por acaso.
Morre-se como se viveu: circunstancialmente, como um cão.

Contudo, resta este texto.
O resto dessa vida sem resto.
A única coisa que deixo, eu, que nada deixo.
Meu primeiro texto.
Meu último texto.
Este texto em que, durante quatro noites sucessivas, tornou-se para mim uma mortalha.
Esse texto em que falei de meu pai e minha mãe, do diário dela, de Paradis e de tio Jean.
Que vou fazer dele?
Que posso fazer dele?
Queimá-lo? Destruí-lo? Enterrá-lo? Levá-lo comigo? Deixá-lo aqui, sobre esta mesa -- e aconteça o que acontecer?
Uma outra coisa talvez...
Uma última ideia...
Uma ideia absurda, eu sei -- porém não mais do que toda essa comédia a que, durante quarenta e dois anos, eu me prestei.
Esta ideia é que bastaria um homem, um só homem, uma só memória de homem...
É que basta um cérebro de homem, mesmo estéril, mesmo mudo, para, face ao mundo, face à horda...
Não é uma remissão. Não é uma esperança. Mas sem dúvida tampouco é o acaso que colocou, anteontem, esse homem no meu caminho...
É tarde.
Está em tempo.
Está na hora de partir -- como está dito, como está escrito: com medo de que o dia volte.
Agora, morrer depressa. Sem grandiloquência nem cerimônia. Sem toalete fúnebre nem palavra final. Morrer como se dá um passo em falso.


Assim se encerra a confissão de Benjamin, tal como veio ter às minhas mãos um dia em Paris, sem outra explicação. Tudo ali estava. Todas as pistas do caso. Todos os fios entrelaçados.Todas as indicações que, dispostas em desordem, iam me permitir refazer o curso de uma existência de que, aparentemente, eu fora uma das últimas testemunhas.
Na verdade não faltava senão a expressão do último ato -- aquele corpo que, misteriosamente, jamais foi encontrado.


Por: Bernard-Henri Lévy 

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