Lembro bem do dia em que toda essa explicação acerca da vulgaridade sadia que pessoas felizes exprimem se desenrolou na minha mente. Era uma tarde, lembro bem desse fato pois estava em um ônibus que fazia a rota centro-bairro em Porto Alegre e sentia sono, sinais típicos de uma volta para casa após um dia de trabalho entediante e nada produtivo. Mas esses são detalhes, o fato que gostaria de narrar foi o que acabou dando origem a toda essa teoria (não que ela se baseie sobre um único acontecimento) e que acabou por elucidar algumas dúvidas e explicar certos comportamentos que me acometem desde que me dedico ao ofício de escrever. Pela janela minha visão se perdia entre carros que passavam lentamente quando enfim se livravam do engarrafamento, até que pousei minha atenção no canteiro central da Av. Assis Brasil onde uma moça muito jovem aproveitava a lentidão do trânsito para vender suas bergamotas aos motoristas cansados e estressados com tanta demora. E em meio a sorrisos, gritos, giros, pulos e danças despretensiosas, a jovem vendedora aproveitava para se divertir entre tanto caos urbano. Logo a cena mandou meu sono para bem longe e despertou o duende que liga os motores da imaginação. Seria possível tanta felicidade mesmo com toda essa bagunça de buzinas e fumaças negras que abandonam os escapamentos?
Logo depois pego-me olhando as expressões de outros passageiros que assim como eu acompanham a vendedora de bergamotas gritar sorrindo enquanto se diverte bailando nos espaços entre uma janela e outra dos automóveis.
- Quanta vulgaridade!
Comenta uma senhora para a amiga sentada ao lado.
Sinto ganas de rir, mas me contenho.
Afinal é isso! Isso é o que muitos não entendem e que eu mesmo não entendi por muito tempo, que toda felicidade é vulgar, irracional e finita como a chama de uma vela. Então por que perder tempo procurando explicações sobre as raízes do que nos deixa feliz? Por que continuamos com essa mania ridícula de querer explicar tudo o que nos acontece? Sempre guiados pelo medo da frustração, da decepção e da perda. E enquanto usamos nosso tempo para julgarmos a atitude alheia, a jovem que sorri e dança em pleno dia nos dá uma lição de como os bons sentimentos devem ser tratados. Não é o ato de dançar insinuantemente no meio da rua que desperta o julgamento amargo dos presentes, é a felicidade em estado puro que angustia e instiga a inveja naqueles que não se permitem apaixonar-se pela própria vida nem que seja por um instante. É bom ressaltar também que é sabido que até a paixão mais linda carrega em si uma carga grande de dores e aflições, nos eleva e rebaixa a níveis extremos, fazendo de nosso peito um canteiro de obras para um misto de magia, dúvidas e incertezas, por isso não confunda versos apaixonados com versos felizes. Obter profundidade e felicidade na mesma sentença é uma missão que enxergo em poucos pra não dizer em ninguém, e divido da opinião do velho Hemingway quando escreveu que encontrar felicidade nas pessoas inteligentes é uma das coisas mais raras que existem. Ver a felicidade escapar é o preço a ser pago por aqueles que param para pensar sobre os motivos ao invés de viverem com intensidade os momentos em que esse sentimento se faz presente.
Já em contra-partida a tudo isso temos a tragédia poética da tristeza, a profundidade filosófica da solidão dos homens, principais motivos pelos quais um escritor se sente tentado a escrever. É inegável o fato de que toda forma de arte baseada na loucura ou na sobriedade ou até mesmo nas angústias comuns ao ser humano recebe automaticamente mais atenção e credibilidade. Não só pelo fato de abordarem sensações e situações comuns a psyche transtornada, mas por realmente tratarem de temas com profundidade e grande relevância para aquele que procura explicações para suas dores. Eu escrevo melhor sobre a tristeza, escrevo mais honestamente quando estou triste e isso não é admitir incompetência senão aceitar o fato de que eu prefiro aproveitar meus momentos de felicidade para viver com mais intensidade. Talvez toda a inspiração e beleza que exista nas minhas linhas mais escuras, tristes e angustiadas, sejam frutos das experiências felizes a que me entreguei com verdadeira leveza e despretensão.
Mas não me entendam mal, não estou aqui defendendo o triste, apenas dissertando acerca de uma teoria que se aplica constantemente a minha vida e que se reflete no meu ato de escrever.
Acredito em linhas honestas, o que não quer dizer que devam ser reais. Ousar escrever sobre os sonhos é ousar escrever o destino. E mesmo que não consiga prevê-lo, é função do artista construir um futuro onde a imaginação ocupe um lugar de destaque.
Por: Rimini Raskin
Yuri, formar escritores com o teu empenho com as palavras, síntese e sintáxe do mundo interior, dá a real noção dos nossos conflitos internos e porque não dizer externos aos olhos dos estranhos.
ResponderExcluirPoeta maior, psicografou os meandros das almas sofridas e aflitas.
Parabéns!!!
Um, entre outros motivos que acredito que a tristeza ganha mais atenção do que a felicidade é o de que na felicidade nos sentimos deuses grandiosos donos do próprio destino, enquanto na tristeza nos sentimos meras migalhas de algo que um dia pensamos ser. Somos incompletos e por esse motivo buscamos no externo o que não se percebe mais dentro de si. A Alegria é o oposto, pois não olhamos sequer para o lado, apenas enxergamos a nós e nossas verdades aparentemente concretizadas. O equilíbrio disso tudo, para mim, está na sobriedade, pois tanto a alegria quanto a tristeza, dependendo de suas profundidades, são insanas por natureza, o que nos deixa suscetíveis às mais diversas periculosidades.
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