sábado, 30 de novembro de 2013

Pampa



Mágica de linha hipnótica
Tira amarela
Pintada em intervalos métricos
Magia invisível
Noite densa
De chuva violenta
Sobre campos e estradas pampeanas

Raios como lâmpadas
Explodindo no interior
De imensos algodões doces empoeirados
Caminhões de toras com seus motoristas quimicamente acordados
& aos poucos
Visão laranja ouro
Da aurora divina que espanta tempestades
& revela o vazio

Da minha e da outra e da próxima janela
Verde/verde/verde
E cerros de granito que instigam desejos de elevação
E suaves ondas de capim baixo
Ou trigais amarelos ao vento
Ou uma vaca vermelha
Solitária no campo imenso
O zazem da vaca
A iluminação nos escuros olhos enormes
Onde a alma humana não dá pé

E onde está o homem?
Whitman velho barba louca
Coração em caça
Onde andará teu anjo fraternal?
Onde estão as mãos que um dia rasgaram o ventre da terra
para construir esta estrada?
Sentados em seus galpões ancestrais
De água quente e pelegos e chapéus
Talvez em uno com seus cavalos

Que bela é a imensidão deste pago
Diante dos meus olhos
O reflexo da angústia humana
&
Outra vez as nuvens
&
A noite
&
A volta pra casa
&
O tudo é o nada
&
O NADA
ESTÔMAGO DE DEUS
QUE DE AUSÊNCIA SE ALIMENTA
_______________________________________

O SAMSARA NAS RODAS DO MEU ÔNIBUS


- raskin

domingo, 17 de novembro de 2013

Vem Poeta



Vem poeta
Tygre da palavra
que o mundo é cervo e degola

Das tuas linhas quentes
Água benta / verso fluente
bebido das mãos místicas do universo

Vem,
poeta da fome e da loucura
Veneno das horas
Serpente de plumas
Língua ferina

Destila tua verdade
de carne crua e ossos fortes
Arte a dentro / sangue a fora

Banha no mar teus pecados
Teus cigarros
A lama do teu rosto

Teu cheiro de vinho doce
Tão barato quanto a morte louca
comprada a prazo

Vem poeta
Artista do fim do mundo
Inutilidade necessária

Dos homens o maior

Afinal, quê vida valeria a pena
sem teu poema de farol?

Qual pena, poeta
mereceria a vida sem teu verso de sol?

Vem poeta
Vem poeta

e alimenta com fogo
meu vício de sentir


Por: Raskin

*(imagem: “The circle of the lustful” - William Blake)

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Quinta Noite



Cinco noites para o fim do mundo. Como quando apareceram aquelas luzes no céu e as pessoas sentiram ainda mais medo de Deus. Nós três rimos da ignorância alheia, mas talvez bem no fundo, também tenhamos sentido medo dos holofotes. Nunca se está preparado para o fim. Nunca se está pronto para caminhar no vazio. Nos abraçamos forte como quem abraça pela última vez. E nos olhamos sem enxergar no rosto do outro um futuro seguro. O mundo não acabou naquela semana. O de vocês dois duraria mais três anos. Já o meu, dura tempo demais. Tem um velho que mora no apartamento do final do corredor. Ele não tem ninguém. Me olha como quem se olha no espelho. Como quem reconhece no outro os próprios traços, a própria maldição dos dias que não voltam. Ele poderia ser meu pai. Todos os velhos deste prédio poderiam ser meu pai. Talvez sejam. Talvez eu mesmo seja meu próprio pai. Que se foda esse pai que nunca existiu. Que não existe, mas que insiste em se mostrar em todos os lugares. Não sinto ódio porque o amor nunca existiu e sentimentos só se tornam reais quando precedidos por seus respectivos antônimos. 


Sorte tinha o Raul com pais tão legais, adultos de sonhos frustrados que projetavam no filho o que nunca puderam realizar. Nunca fui vê-los depois do acidente. Não sei se me culpo por isso. Vi a mãe da Sofia na feirinha uma semana depois do velório que eu não fui. Ela parecia ausente. Talvez aliviada por tê-la perdido para o rio ao invés de perdê-la para nós. Minha mãe também deve ter se sentido aliviada, mas nunca confessou. Ninguém nunca confessava. Nem nós. Queria ter pedido o caderno verde do Raul, tinha medo que os pais dele lessem o que não compreenderiam, mas não fiz. Eu fugi. Era agora o único culpado do crime que cometemos juntos, o de nunca ter feito uma escolha naquele lugar onde todos deviam decidir-se entre uma coisa ou outra. Queríamos colocar a liberdade em prática, mas esbarramos na crueldade das línguas que se alegravam em não se manterem nas bocas para disseminar o pecado mortal que os olhos escondidos atrás das cortinas vigiavam nas madrugadas que o tédio impedia o sono de chegar. E é para me encaixar na normalidade que hoje escolho o fim da chama. É para encher de orgulho o coração amargo dos velhos que apodreceram em vida. Para que nenhum outro o faça. Para que nenhum padre fale bobagens sobre meu corpo, como falaram sobre o caixão do Raul e com certeza sobre o de Sofia também. 

Depois deles, tudo era peso e desconforto. Era quarto fechado, Infelicidade. Um não suportar a própria imagem. Já não chorava mais depois de um tempo. Não sentia sono. Não sentia sequer a tristeza. Estava dormente, gelado, cansado demais das mesmas coisas, mesmas roupas e mesmas vozes. Tornava-me sombra, cria do vazio. Não existiam mais amigos, nem família desmoronando, o trabalho me fazia querer morrer de tédio. Não existia crise existencial e esse era o problema. O que me desanimava e ainda desanima é saber quem sou, quem fui e o que tenho. Talvez tenha sido o idiota mais esperto da turma e de nada valeu. Aproveitei os meios e fui conhecendo os finais mais cedo do que deveria. Não serei levado a sério porque um dia quis assim. Não serei levado a tona, pois a ninguém interessa meu naufrágio. Talvez me falte vontade, me falte paixão pela vida, talvez o que me sobre seja culpa. De uma forma ou de outra, já não vejo graça. Tudo que preciso já fui expresso em telas ou em páginas. A verdade é que talvez o que me falte seja imaginação. As novidades se repetem, as pessoas desvanecem, e mais do que isso, tornei-me desinteressante a meus próprios olhos. 
Pensando bem, talvez o problema nem seja o desânimo, nem a tristeza e nem a saudade. O que eu sinto é o vazio do olhar para o nada, é o pensar a esmo e correr em vão. Gritar por dentro para que não ouçam. Gritar até ficar rouco e calar a alma. O grande problema é que apesar de tudo, nunca existirá um culpado além do tempo. E para sempre o infinito não existe. E para sempre será sempre tarde para quem nasce com a alma maior do que a força para carregá-la. (...)*


- Raskin


* Trecho do romance inacabado "Noturnos - O Final Em Dez Capítulos"

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Arya



Do Verbo meu verso deixado na porta do templo
onde mendigos com frio se cobriram
com o calor das linhas de luz
& no banco de pedra
morada de vagabundos que respiraram a vida 
soprada pelo vento da madrugada

O perfume da mente inundou a solidão
____________________________________________________

Depois
caminharam
até mim de mãos
dadas a Lua e o Sol
e nada mais foi como antes
sob o brilho do nascedouro celeste

O vazio não acaba quando o nunca começa
 _____________________________________

As crianças mudas e os velhos fragilizados
A Lua que sorri com humildade
& cães que morderam calcanhares maternos
na busca de suas ossadas prometidas
O Sol que lambe as franjas da montanha
O que existe e não é visto
 &
Depois disso
quem sobra?

Ilusão
_______________________________________________________
Pai
Mãe
O fruto adoecido
Podre
Caiu ao solo
Brotou na terra
Cresceu na luz
Bebeu da água do desconhecido
& saiu vivo
Porque aceitou
Que o que morre é dor e matéria

A boca cósmica engoliu o EU




Por: raskin



sexta-feira, 27 de setembro de 2013

In Natura


   
Mãe Gaia longas tranças verdes e mares de lágrimas,
o que há de ser de tua pureza?
Linda Juno,
será nossa ruína o ciúme?

Em vossos úteros cálidos
de sangue e de terra e de renovação
Em vossos seios provedores
do leite vivo da evolução
Vossos carinhos

Pacha Mama
estuprada pelo filho querido
carregando no ventre a dor
                                 do prematuro fruto
                                                         de fúria apocalíptica
que em breve inundará o mundo
de sangue sujo & sêmen venenoso

Maria de Nazaré filha de Ana
Devaki mãe zelosa
Mahamaya fim precoce
Amina
     Oxum,
               Ixchel,
Atlacoya,
              Isis,
Jaci

No dourado de seus cálices,
um brinde a iluminação


Por: Raskin







                                 

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Outono




Se eu pudesse uma outra vez, como naquela vez
encostar-te tremendo contra muretas de becos discretos
com tuas coxas enluaradas ruborizadas por meus beijos cretinos
Mordendo a boca para aprisionar a liberdade do gozo
escondendo o rosto toda vez que faróis de carros
feitos lanterna inquisidora de um guarda rodoviário
ou holofotes reveladores de prisioneiros fujões
anunciavam-se nas esquinas do nosso segredo
para expor-nos ao ridículo julgamento do mundo
como se fôssemos criminosos e merecêssemos a pena máxima
da frigidez e da hipocrisia social.
Dois corpos competindo com o calor de uma noite de sexta                                  
de sexo, de sensual brisa apocalíptica soprando para longe
um tempo que só podia existir em mistério e silêncio
Ah, se eu pudesse uma última vez, como naquela vez.
morder-te o pescoço com tua espalda pressionada contra meu peito
Cochichando-te ao ouvido profecias de natureza sacana
em um sábado a noite quando todos estão dançando ou
se masturbando com programas de pornô leve na TV a cabo
Se ao menos eu pudesse...pela última vez


Por: Raskin

Quanto?



Quanto vale o descanso?
E a pressa?
Quanto valem?
Quanto valem as crianças?
E o amor, quanto vale?
Casas, prédios inteiros
gradeados de medo
Quanto vale o programa
com boquete e tudo?
Quanto vale um poema?
E o dinheiro, quanto vale?
Quanto vale viver?
E a liberdade?
Eae,
quanto vale
a
nossa
S
  a
    n
      i
       d
         a
           d
             e
               ?


Por: Raskin

POA-TE


As lojas de peças para veículos
Enegrecidas pela fuligem
Compondo paisagens intragáveis
Alternam-se de tanto em tanto
Para dar espaço a locadoras de vídeo
Ou algum cinema pornô recém incendiado
Bugigangas e quinquilharias
Aposentados panfleteiros
Bancas de verdura fresca
Pressa e pressa
Presas fáceis para batedores de carteira
E aleijados esmoladores
Crianças índias comendo batatas fritas do Mcdonald
Executivos de cavanhaque ensaiando ataques cardíacos
Cegos vendedores de bilhetes de loteria
Passeatas de professores tilintando sinetas ensurdecedoras
Pichações maoístas sobre a cabeça de mendigos ignorados
Arquitetura esquecida derrubando suas marquises diante dos pés de quem passa
Pasteis gordurosos de cinquenta centavos acompanhados de um copo de suco
Passeio no cais para assistir o sol mergulhar no Guaíba
Enquanto casais de mãos dadas observam tudo de maneira apaixonada
Venta sempre mais forte perto do rio
E escurece cedo no inverno
E os shoppings lotam
E os hospitais ficam sem vagas
Mas quando cai a noite
Com meu poema em ereção
Penetrando corações despedaçados
Doces prostitutas colocam os filhos na cama com um beijo na testa
antes de encarar outra vez o gelo da madrugada.


Por: Raskin

Sagrado Feminino





Ah mulheres desta primeira vida
                          Que sexos jovens e pureza angelical
                          Teus filhos sonharão com aquelas tardes
                          substituindo nossos rostos pelo sol
                          Erguerão altares imaginários como fizemos
                          Sonharão e acordarão sonhando
                          com os corpos nus da primeira criação
                          Descobrirão a vida com o silvo da serpente
                          nos ouvidos virgens do prazer
                          Por isso não me espanto que o mundo
                          seja tão doce e doloroso nessa fase
                          Com tanto perfume lançado ao vento
                          é compreensível que algum veneno
                          também se desprenda das pétalas da juventude
                          Ah nostalgia que me atinge e fere com força o coração
                          Faz-me cair repetidamente na armadilha do tempo
                          E dormir o sono da inércia 
com falsa doçura no canto da boca


Por: Raskin

Chuva Fina Blues


No caminho lento de pedras irregulares molhado pela chuva,
o chão e a ponta dos meus sapatos
refletem constelações de expectativas
Talvez do bar, o balcão marrom, as mesas indigestas
armadilhas engorduradas do pré-noite
Ou então as mulheres em grupo
lançando sorrisos independentes, de braços dados
acendendo cigarros enquanto batem os pés de inquietação

Sigo rápido, vilipendiando quilômetros
Revirando sacos de lixo
com o
      coração canino
                     que os deuses
                                   me presentearam
Engolindo vento frio feito um gigante adoecido

- Quando era criança jogava tacos nestas mesmas ruas -

Mas agora não é tempo de recordar
A linha entre o passado e a iluminação morna é tão tênue
que já nem sei se sou o dono da sombra pesada que se arrasta no meu encalço

- No futuro as crianças nascerão para montarem tigres -

É esse o tipo de pensamento santo que me ocorre quando caminho rápido
E todas essas casas se repetindo e competindo
& grades & grades & grades
São nossos corações bandidos
na ponta da lança
Mas que bobagem
Meus amigos não entenderiam o que escrevo
Então por que escrever? Por quem?
Para não morrer, eu respondo
Para não precisar caminhar por aí com uma máscara de gás

- Menos de uma quadra e já enxergo o neon azulesverdeado -

Milhões de passos
Micro partículas
Uma vida em prol do esquecimento


Por: Raskin

Metrópole ou nem tanto



Cai a noite
Vestida de laranja ouro
Escurecida até o limite dos sonhos
Dos cânticos e cantos bêbados
Do brinco de pérola pendido do céu
Sobre as cabeças vivas
Com pensamentos vívidos
de seus crimes lúgubres

Cai a noite
E sobre a cidade
Metrópole ou nem tanto
Garrafas se quebram
Criaturas se agitam
E a profundidade dos mares
Tão distantes do alto dos prédios
Não significam nada para quem pula
Do sétimo andar

Quanto se pode esconder no vinco entre os seios de uma mulher?


Por: Raskin

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Anjo de neon vermelho


A garota do bar era você, com uma enorme máscara mortuária pendurada por elásticos ao redor da cabeça enquanto servia cerveja choca para clientes pervertidos que tentavam beliscar-lhe a bunda na primeira oportunidade. Velhos engravatados cheirando a loção pós-barba e Marlboro vermelho recém saídos de seus escritórios de ganância e assédio sexual.

A garota era você, e que prazer observar-te dançar entre as mesas com teu olhar de puta triste endividada até o pescoço, teus quadris perfeitos, nem tão grandes nem pequenos demais, ziguezagueando enfadonha enquanto consultas o relógio de parede, implorando aos deuses que a noite acabe mais rápido que de costume. Resmungando baixinho alguma coisa para o segurança parrudo que apenas olha para o vazio e balança a enorme cabeça de touro em sinal de afirmação.

A garota era você, de seios volumosos sob uma blusa verde reveladora de porções generosas de pele e pequenos mamilos rosas que se iluminam no instante em que te abaixas para perguntar ao cliente com cara de traficante colombiano se a próxima dose de uísque será também com duas pedras de gelo.

A garota cósmico-sexual era você. Mas qual foi teu nome no instante doloroso do primeiro nascimento? E quais sonhos uma mãe pôde sonhar ao ver a filha sorrir no balanço da praça em um domingo estafante de calor insuportável e missas e churrascos? Qual nome tinha teu primeiro namorado? Quantas vezes choraste por amor ou o que pensava saber sobre ele? Qual teria sido teu brinquedo preferido na infância? Que nomes tinham tuas bonecas? Algum livro predileto? Uma camiseta velha com estampa de desenho animado na hora de dormir, talvez? Aceitarias meus cigarros e minhas carícias de homem carente afogado em mares de dúvidas e insegurança? Me amarias? Farias de mim teu cãozinho atropelado? Passarias esta noite comigo apenas me ouvindo falar com a cabeça entre tuas coxas perfumadas de menina de bom coração?

A garota era você. Eu era mais um esquisito beberrão tímido na mesa do fundo com um bloquinho de anotações, lápis-borracha e apontador. O estranho que desviava o olhar toda vez que me miravas azul por entre os furos de tua máscara ordinária.

A garota era você, só você. Caminhando até mim, curiosa, fazendo meu coração gritar desesperado no vazio do universo que me habita. Teu perfume cada segundo mais perto. Minha respiração cada vez mais afoita. Tua voz no meu ouvido, doce, sensual, velha conhecida de fantasias adolescentes no banheiro simples da casa dos avós.

Ah, e que lábios lascivos, e que palavras etéreas, hipnóticas, poderosa Medusa dos cabelos vivos petrificadora do coração dos homens. Jasmim eterno, margarida inocente entre ramos venenosos do não-me-toque. Como gostaria de beber a vida da tua boca de virgem renascentista e a sabedoria do teu sexo de anjo desolador.

Outra dose? Me perguntas.

Mas o que quero é outro mundo, meu amor!


Por: Raskin

 


Sacrifício



Com mangas de camisa saindo da camisa
                                          até as mãos frias do outono
Quinze anos de vida sedenta dividida com violência
                                          por pássaros negros do campo irregular
Memórias turbulentas de cabelos compridos e cimento fresco
                                          com amigos deitados em rampas de concreto
Noite gelada partindo em três nosso espírito ligeiro e espectral
                                          sem que ninguém soubesse haver o verbo

Assim nasciam as primeiras palavras paridas pela dor do nascimento
de prematuros condenados a maldição do querer saber

                                             &
                       Só os deuses sabem o quanto
                       dói não conhecer outra saída
                       Ou a ferida do tédio sombrio
                       Ou a incerteza do amor futuro
                       Ou ainda a angústia dos mortos que teimam em não deitar

Nesse tempo o poema foi a desconfiança interna em face da vida de menino
                                           Esquecido na beira de uma estrada poeirenta
enquanto caminhões de sonhos e automóveis fantasmas
                                           elevavam ao céu o gosto de todas as coisas
O poema foi uma biblioteca chuvosa de primeiros versos
                                           Neruda vulcânico e salitre araucano
Tardes inteiras de mergulho no fabulário russo de barbas e mofo carcerário
                                           França romântica e rebeldia fatal

Deslumbre ocultista misturado a preguiça adolescente de acreditar no que quer que seja
Mas ainda assombrado pelo inferno impiedoso inculcado no berço
Perseguido no escuro por demônios saídos da boca do homem
Rezando sem vontade para o teto do quarto
Enquanto o deus do céu ficava cada dia mais parecido com meu pai
Que noites aquelas
Que dias intermináveis

Se ao menos soubesse o que ainda estava por vir


Por: Raskin

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Sem Partidos?



Como as coisas mudam, quando eu tinha meus 16/17 anos e praticamente morava na biblioteca pública estudando filosofia e política para poder defender meus ideais com argumentos plausíveis e concretos durante minha militância, era taxado de "rebeldisinho". de metido a revolucionário, de chato. Hoje vejo uma galera tomando as ruas sem o menor discernimento de política ou de como se faz política, empurrando o país de volta aos braços da direita conservadora que infiltra seus gritos de "derrube o governo" e "sem partido" afim de influenciar e inflamar os desavisados a andarem por aí com uma bandeira brasileira enrolada no corpo e cantando um hino nacional ostentoso que só serve para camuflar a realidade e a história nada ostentosa do país. Sem partido? É isso mesmo? E quem assumiria para devolver a ordem? Presumo que os militares novamente, e aí amigos, a história vocês já conhecem ou ao menos uma parte exposta dela. Até entendo que nunca tenhamos sido ensinados de forma direta e clara sobre o que foi a ditadura militar, mas na era da informação é inadmissível que as pessoas não estudem antes de saírem por aí despejando bobagens e se deixando levar por informações mentirosas. Não sou contra os protestos, de forma alguma, acho legal que o "gigante" tenha tomado do dia para noite consciência política, mas me assusta. Revolta sem foco e sem planejamento tem o poder de se tornar um tiro no pé, que me desculpem os mais entusiasmados é o que parece estar acontecendo. O Gigante pode estar revoltado, mas acordado de fato eu ainda tenho minhas dúvidas. Alguns "anões" nunca dormiram, eles simplesmente não foram levados a sério como deveriam. Por isso expulsar partidos de esquerda das manifestações é antes de mais nada um erro. Eles sempre criticaram o aumento das passagens e lutaram pela qualidade do transporte, se essa for realmente a pauta. Lembro do PSTU, que eu não simpatizo, mas preciso admitir que sempre estiveram na militância por esse tema, ou do PSOL (partido que eu no início participei, mesmo antes de ter se tornado um partido de fato, mas que não me mantive por talvez não estar alinhado a minha visão de esquerda mais radical na época). Não estou criticando a multidão que tomou as ruas, apenas aconselho a se informarem melhor para que não se deixem transformar em massa de manobra para interesses que em nada tem que ver com democracia e justiça. É preciso se organizar, é preciso estudar, é necessário ter FOCO e reivindicações concretas ( quando digo concretas, me refiro a crítica e planos de solução para as mesmas, e muito importante, direcionadas aos órgãos políticos de fato responsáveis. Presidente não tem poder de mandar prender, vetar PEC ou baixar passagem de ônibus, organizem-se e levem suas propostas aos competentes por cada área.) Exijam e façam uso de seus direitos como cidadãos de uma democracia (ainda que de aparência, como é a brasileira), mas façam isso de forma estudada, coerente e clara. Já mostramos que estamos descontentes, mas esse é só o primeiro passo, agora é a hora de apresentarmos cartas e ideias. A corrupção é um inimigo arraigado na política brasileira que deve ser removido, mas isso não vai acontecer da noite para o dia, não existirá um decreto ou uma mágica que fará ele acabar. O fim da corrupção é um processo paulatino e parte também da conduta do cidadão comum, SIM, de nós mesmos que usamos o jeitinho brasileiro para levar vantagem em cima dos outros. Estamos mais participativos e ligados na política do país, eu sonhei com isso e agora acontece, mas por favor não deixem de se informar e checar fontes antes de disseminar informações, isso só aumenta a força dos inimigos da liberdade e da verdade. Não tenham memória curta, caminhamos e evoluímos muito nos últimos anos, muito também ainda falta ser feito e justamente por isso devemos usar essa energia que têm se mostrado nas ruas para participar no processo de conscientização para um país mais justo. Vá para a rua, mas saiba contra quem lutar. Cobrem dos políticos, mas não esqueçam dos patrões que te exploram de forma direta, seja com condições insalubres, baixos salários ou taxas altíssimas de lucro em nome da fortuna a qualquer preço que só contribuem para aumentar o abismo salarial e a desigualdade social existentes no país.



Por: Yuri Pospichil

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Quando Tom Waits cantar Godá



 Meretrizes de trompetes milagreiros e sexofones úmidos
invadirão as ruas do teu bairro com as mensagens roucas
dos antigos lobos do mar e cães portuários do cruzeiro do sul

E choverá um amor sujo e barulhento sobre os telhados esquecidos
De velhos vagabundos que relembram paixões da adolescência
ou se afogam um pouco mais entre os seios volumosos de uma cama qualquer

Quando Tom Waits cantar Godá

A bebida elevará tua angústia a um nível de arte
Marginal & linda & de penetração surpresa em ouvidos desavisados
Que depois de desvirginados jamais voltarão ao lugar

Quando Tom Waits cantar Godá

Dormiremos de porre com um sorriso largo no rosto abatido
Sobre as coxas macias da longa noite do amor universal

Quando Tom Waits cantar Godá


Quando Tom Waits cantar...


Por: Raskin


*Fotografia do filme Howl de 2010

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Vontade Própria



Das coisas que não fiz
Dos muitos que não fui
Das noites que esqueci
Nem ligo mais
Se não for, foi por que eu quis


Por: Raskin

sábado, 20 de abril de 2013

Terceira Noite



Naquela manhã cada um de nós estava em casa, na cama. Era muito cedo, mas ao contrário de todas as outras manhãs, nessa não foi difícil acordar. Era dia de eclipse, dia de corrermos para o morro e passarmos horas observando o fenômeno solar através de nossas chapas de raio-x. Os três sentados, ombro no ombro, devíamos ter nove, dez anos no máximo, mas disso não lembro com certeza. Recordo que todos ficavam apreensivos com o acontecimento. Um misto de curiosidade e medo do que pode acontecer. Morar em cidade pequena é um pouco como viver na idade média, só que com luz elétrica. Na época achei mágico, muito misterioso. Hoje penso que aquilo possa ter sido um prelúdio do fim, um simbolismo cósmico. A vida sendo ocultada pela noite. Os pássaros desorientados com a escuridão repentina. Nossas avós aguardando pela volta de Jesus Cristo que dessa vez desceria do céu acompanhado por seu exército de escravos angelicalmente andróginos; Mas para nós, era como se o mundo parasse por algumas horas. Como se morrêssemos por alguns instantes esperando a nave que nos levaria para um planeta melhor. Raul começou a escrever naquela manhã, talvez tenha começado antes, mas gosto de pensar que foi no dia em que o sol se deixou morrer antes da hora. Ensinando que não interessa a intensidade do brilho ou o grau de importância, algumas vezes, até os deuses fraquejam....*



- Raskin




* Trecho do capítulo Terceira Noite, extraído do romance Noturnos - O final Em Dez Capítulos
 

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Coração



Meu coração é Coréia
Coração Vietnã
Coração Argélia
Angola vermelho-sangue

Um coração Cuba
Bombeando Venezuela petróleo
Coração Praga
Paris estudantil

Esse coração Líbia
Coração Egito piramidal
Indígena coração ZapaMéxico
China lendária navios tipo exportação

Coração latinoamérica
Órgão despedaçado
Amor partido
Moribundo soldado
Cansado de se decepcionar

Um coração incurável
Que sonha
Apesar dos homens


Por: Raskin

terça-feira, 16 de abril de 2013

sábado, 13 de abril de 2013

Haicais





I

Nada além de unhas
cravadas com força
em nossas carnes cruas


II

Velas vermelhas
emanam do nosso desejo
suas últimas centelhas


III

Minha semente
sobre teus seios, despejadas
em êxtase latente



Por: Raskin





segunda-feira, 8 de abril de 2013

Do Sonho Do Vigésimo Anjo Alfabético


1

Mataram os meninos
enquanto deitados na cama de mato
bebiam a vida das tetas de uma vaca
tão grande quanto a própria existência

Mataram os meninos
justo quando acordaram para mijar álcool
nos banheiros escuros do cosmos
observados pela Ursa Maior

Mataram os meninos
que na ânsia de viver
engoliram pedaços enormes de carne e mistérios
maiores que a própria garganta

Mataram os meninos
&
Não houve perdão

Mataram os meninos
&
Nunca souberam por que
Nem nunca irão saber

Mataram os meninos
e todas as mães choravam desesperadas
porque sofrer é o que as mães
melhor do que ninguém
sabem fazer

2

E por 80 horas choveu forte no olho do mundo
enquanto todos os anjos
do alto de suas orações
choravam piedade
na longa noite
que se abateu sobre o coração dos homens

Em vão...






Por: Raskin


domingo, 7 de abril de 2013

10abafo



Eu sei que tudo não passa de um sonho, que não existem saudades, que não existem palavras, mas dá uma angústia saber que nem a angústia existe na verdade. Tão difícil dormir e não sonhar. Tão difícil de acordar.


Por: Raskin

terça-feira, 2 de abril de 2013

Surrealismo Mata



Poema simples
o que está escrito, aqui está
assim é mais seguro
evita o risco
de alguém se machucar


Por: Raskin

quinta-feira, 28 de março de 2013

Porque o mar é longe e a lama é doce



Não consegui chorar por carcaças de automóveis empilhadas
Não consegui chorar por dúzias de garrafas vazias
Não consegui chorar por mães com filhos mortos na barriga de nove meses
Não consegui chorar por incompetentes tias suicidas
Não consegui chorar por policiais facistas de escudo e jovens desmaiados
Não consegui chorar por cristãos perseguidores e anjos apocalípticos
Não consegui chorar por girassóis arrancados pelo talo
Não consegui chorar por não ter tanta certeza
Não consegui chorar por velhos amigos apodrecidos
Não consegui chorar por antigos versos incapazes
Não consegui chorar por olhos cegos de tesão
Não consegui chorar por renagados irmãos nutrindo raiva no presídio
Não consegui chorar por linhas tortas de cuzão-zen-punheteiro
Não consegui chorar por todo maquinário bélico nuclear
Não consegui chorar por índios indesejados despejados pelo locador
Não consegui chorar por loucos profetas internados
Não consegui chorar por tantos pratos e nenhum pão
Não consegui chorar por ter pecado contra o amor
Não consegui chorar por malabaristas sujos de sinaleira
Não consegui chorar por jornais mentirosos e manipuladores
Não consegui chorar por televisores tagarelas de medo e silêncio e danação
Não consegui chorar por toda tragédia política do terceiro mundo
Não consegui chorar por todos vocês
Não consegui chorar por mim como um todo
Não consegui chorar por ninguém
Não consegui chorar por não ter visto mais cedo a face do deus sem face de deus
Sem face apenas não consegui

E se o sol ou a lua ou a morte não precisarem de mim
poderei deitar gelado e desperto
até a tristeza passar
até!


Y. Por: Rinkas

quarta-feira, 27 de março de 2013

As Coisas



Não está nas coisas
Elas não existem, as coisas
É entre elas, que não existem,
que está o Paraíso
Nesse estado de não vir a ser
de não estar
de existir na mente que não existe
e não nas coisas que existem na mente que não está

Abra os olhos
Respire pelo nariz
É tudo um sonho



Por: Raskin

sexta-feira, 8 de março de 2013

Supernova



Escorre entre as pedras
               a duras penas
                rente à grade
                           pupilodilatadas
Esvai-se em sopro
               em soco
               experimentais
                            cosmoexéquias

Brilha forte
       
          transparece ao longe
            aproxima o verso
              do meu ouvido
                 do meu ou
                    vido do
                      meu
                       ou

do nosso coração doído
tua visão cansada
não tem mais por que chorar



Por: Raskin
                     
                     
                     
              

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Chove!



Chove...

Mas isso que importa!,
se estou aqui abrigado nesta porta
a ouvir a chuva que cai do céu
uma melodia de silêncio
que ninguém mais ouve
senão eu?

Chove...

Mas é do destino
de quem ama
ouvir um violino
até na lama.



Porque é que este sonho absurdo
a que chamam realidade
não me obedece como os outros
que trago na cabeça?

Eis a grande raiva!
Misturem-na com rosas
e chamem-lhe vida.



Vai-te, Poesia!

Deixa-me ver a vida
exacta e intolerável
neste planeta feito de carne humana a chorar
onde um anjo me arrasta todas as noites para casa pelos cabelos
com bandeiras de lume nos olhos,
para fabricar sonhos
carregados de dinamite de lágrimas.

Vai-te, Poesia!

Não quero cantar.
Quero gritar!



Devia morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos
os amigos mais íntimos com um cartão de convite
para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica
a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje
às 9 horas. Traje de passeio".
E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos
escuros, olhos de lua de cerimônia, viríamos todos assistir
a despedida.
Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio.
"Adeus! Adeus!"
E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,
numa lassidão de arrancar raízes...
(primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos... )
a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se
em fumo... tão leve... tão sutil... tão pòlen...
como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de outono 
ainda tocada por um vento de lábios azuis...







Por: José Gomes Ferreira

Solidão Saturada



  • "Então me diga algo que faça sentido, tipo: em lugares públicos use fone de ouvido, ou ao conversar comigo finja ser meu amigo, também não tema o perigo! Se não for capaz de fazer isso, não dirija a palavra ou nem ouse pensar na minha pessoa! Desperdicei meu tempo ao seu lado só potencializando todo esse processo de mediocridade que me encontro! Então, solidão vá embora por favor e me deixe descansar em paz!"


    Por: Zé Luis Reinheimer Mazepa

    quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

    Dualidade



    No atormentado coração adolescente do protótipo de poeta libertino
    nas esquinas mornas de pequeninas cidades subtropicais
    na rebeldia nórdica de alvura desafiadora
    na pureza africana cuspindo-nos na cara milênios mágicos
    nas mentes greco-romanas maquinadoras de séculos
    nos impérios tribais pré-colombianos erguendo sangue virgem aos céus
    nas mãos fortes e seminais dos primeiros homens das cavernas
    na bactéria aquática quântica peixe réptil mamífero alado
    nas estéreis histéricas bombas nucleares
    nas circundantes metálicas sondas espaciais
    na paixão assassina de psicopatas gélidos
    nos noturnos vícios desregrados e imorais do pensamento livre
    nas tentações demoníacas à minar os alicerces dos bons costumes
    no vaso verde de vermelhas flores sobre a mesa
    no bondoso olhar cansado dos mais velhos que já viram muito só não viram tudo
    no aperto de mãos que sela um compromisso de cavalheiros
    na face angelical de bebês recém saídos do útero
    na compaixão
    no amor fraterno
    no limpo e iluminado abraço materno
    nos bons hábitos de higiene
    nas palavras doces do pastor
    no sermão dominical do bom padre
    na outra face oferecida ao tapa
    na cordialidade esfuziante do pretenso homem de bom coração
    na retidão luminosa dos que caminham durante o dia
    na languidez beatificada dos filhos de Abel

    No abraço criador de Abraxas


    Por: Raskin

    terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

    Desapego



    Meu poema é uma prece angustiada
    ditada na clareza do quarto conjugal
    diante da jovem esposa solar

    Um mantra inconsciente sussurrado em pensamento
    preenchendo o vazio intermitente de um coração neandertal

    Lembranças apagadas do mobiliário colorido da casa dos avós
    gosto louco do teso desejo virginal guardado nas calças

    Meu poema é um lamento divino
    um brilho vespertino da ideia esparsa
    Um monstro preguiçoso e carnicento
    ao apagar das luzes depois da última valsa

    No terreiro de umbanda um cachorro de três patas
    Cristo fitando nos olhos o demônio desértico do deslumbre
    ardência demente de liberdade difusa
    poema de vida sentida que diante da morte se insurge

    Verso de ouvidos grudados à terra molhada
    rios que gritam um sexo límpido de ardor ancestral
    meus jeans entre o limo e a lama da roça lavrada
    com alma exposta dentes tortos e a testa alta de hereditariedade cansada

    Oh criaturas que me sopram os louvores do necessário sofrimento
    carreguem meu poema em suas loucas asas de mariposa ordinária
    até o infinito relampeio do pensar
    onde todas as coisas se fazem eternas

    e desnecessárias


    Por: Raskin 










    domingo, 17 de fevereiro de 2013

    POÉTICA




    1
    então é isso
    quando achamos que vivemos estranhas experiências
    a vida como um filme passando
    ou faíscas saltando de um núcleo
    não propriamente a experiência amorosa
    porém aquilo que a precede
    e que é ar
    concretude carregada de tudo:
    a cidade refluindo para sua hora noturna e todos indo para casa ou então marcando
    encontros improváveis e absurdos, burburinho da multidão circulando pelo centro e
    pelos bairros enquanto as lojas fechadas ainda estão iluminadas, os loucos discursando
    pelas esquinas, a umidade da chuva que ainda não passou, até mesmo a lembrança da
    noite anterior no quarto revolvendo-nos em carícias e mais nosso encontro na morna
    escuridão de um bar - hora confessional, expondo as sucessivas camadas do que tem a
    ver - onde a proximidade dos corpos confunde tudo, palavra e beijo, gesto e carícia
    TUDO GRAVADO NO AR
    e não o fazemos por vontade própria
    porém por atavismo
    2
    a sensação de estar aí mesmo
    harmonia não necessariamente cósmica
    plenitude muito pouco mística
    porém simples proximidade
    da aberrante experiência de viver
    algo como o calor
    sentido ao estar junto de uma forja
    (talvez eu devesse viajar, ou melhor, ser levado pela viagem, carregar tudo junto,
    deixar-se conduzir consigo mesmo)
    ao penetrar no opalino aquário
    (isso tem a ver com estarmos juntos)
    e sentir o mundo na temperatura do corpo
    enquanto lá fora (longe, muito longe) tudo é outra coisa
    então
    o poema é despreocupação


    -  Cláudio Willer



    sábado, 9 de fevereiro de 2013

    Asleep



    Sempre achei que fosse sobre estar sozinho - ou pensar estar - procurar algo nas multidões do meu vazio sentimental, algo além do desejo de cura espiritual e um propósito maior que a dor. Achei que a luz azulada banhando o asfalto novo devorado pelas rodas desse ônibus pudesse me fazer dormir sobre as páginas subterrâneas do escritor sem vírgulas enquanto pequenos anjos adolescentes seguramente voam ao lado da minha janela para sussurrar segredos e mistérios que meu coração não consegue mais abrigar.
    Deformado, intragável e ao mesmo tempo pouco me fudendo para o espelho, minha alma anseia por uma santidade barbuda de roupas simples e olhar profundo, mas ninguém canta para embalar meu sonho, ninguém nunca me segura nos braços e eu, tolo, sigo em frente achando tudo tão normal, durão fingido com o peito peludo encarando quem passa como aquele que poderia salvá-lo mas está muito ocupado no momento. Quantas vezes assisti o espetáculo calado? Quantas vezes levantei sem denunciar o tombo? "Ok, não foi nada" era sempre o que repetia até me convencer da nova mentira contada. Todas aquelas noites de porre me sentindo um merda na volta pra casa, porque é isso que o álcool faz, e quem não perceber é porque é um merda ainda maior.
    Dominar o vazio exige esse desapego sacro de poeta russo que me é tão doloroso atingir, talvez o tenha sentido algumas vezes, nos olhos de um bebê que de tão puro me fez chorar 15 minutos ininterruptos  e quase choro agora outra vez por lembrar daquele brilho divino capaz de cegar minha visão de mundo material e me colocar em contato pela primeira vez com o nirvana; Mas depois disso parece tudo ainda mais confuso por reconhecer que a perfeição é confusa e aceitar a confusão é perfeito e confortante, mas aceitar o vazio é complicado, lutar por aceitá-lo como uma ideia, como todas as outras, abstrata, exige de mim muito mais do que só uma boa capacidade de interpretação.
    Então como proceder? Seguir adiante nesse mundo desolado que eu acredito ficar melhor à cada manhã - e realmente acredito nisso - me adaptando e me enquadrando e me escondendo sobre a túnica pesada da conformidade ou abrir mão de toda uma mentalidade ocidental criada em prol da recompensa material e afirmação social por base de acúmulos e desperdícios?
    Nenhuma maldita montanha para escalar, apenas tempestades do lado de fora e um desejo incontrolável de voar...sempre...mais...alto


    Por: Raskin




    quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

    Sacolas ao vento e a coisa toda



    - Tum...Tum...Toc...Psss...Tum...Toc...TumTum -

    É, meu amigo - o universo treme como uma taquara.
    Na cabeça das senhoras, nas mãos dos empresários fonográficos.
    As baleias, as anêmonas do mar, nossas mães.
    Pescadores em algum lugar do Atlântico sonhando com as namoradas

    - Tum...Toc...Brrrr...Tis -

    É inútil querer saber.
    E quem mentiu para o primeiro homem?
    E antes dele? Quem mentiu para Deus?

    - Rá...Rá...Rá -

    Quem mentiu? Deus?
    O grande vazio, a vacuidade libertadora.
    Gurias de 17 anos com seus vestidos-milk shakes-lábios frios de fantasia.
    Um calor infernal, esquife de fogo na realidade modorrenta da cidade pequena.
    Um paredão de nuvens alvoescurecidas, montanhas macilentas erguendo-se imponentes no céu azul celeste para anunciar o apocalipse necessário de vento e dilúvio onde anjos liquefeitos escorrerão lânguidos sobre telhados e cabeças de cachorro sem que ninguém lembre de agradecer a destruição que alivia o sono de alguns em troca da insônia de outros. Afinal, mais uma vez a Natureza podará seus galhos enquanto envia a conta sobre os reinos imaginários da humanidade.

    - E será sempre difícil para os homens agradecerem o que lhes escapa à compreensão -

    Por isso já peço agora em minhas preces para quando eu me for que um desejo me seja concedido e que eu possa voltar peixe, de mar ou de rio - isso para mim tanto faz - Só quero é nadar nadar NADA MAIS


    Por: Raskin









    quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

    Uma máquina de produzir Budas



    Se eu tivesse uma Kombi branca
    dirigiria até à montanha
    e construiria uma casa
    com minhas próprias mãos
    Se eu tivesse uma Kombi branca
    levaria minha filha até lá
    e passaríamos a tarde comendo pão
    e mel tirado das colmeias
    Se eu tivesse essa bendita Kombi branca
    talvez voltasse a sorrir mais
    e dormir melhor
    e me sentir menos inútil no mundo
    Se eu tivesse apenas uma linda Kombi branca
    deixaria minha barba crescer
    e rasparia a cabeça
    e passaria os dias cortando lenha e cuidando dos animais
    para que quando a noite chegasse
    pudesse estender minha rede entre as árvores
    e admirar as estrelas bebendo vinho artesanal

    "Se ao menos eu tivesse essa Kombi..." - me pego pensando -
    meu coração não seria tão apertado
    e teria, durante muito tempo, sobre o que escrever


    Por: Raskin