sábado, 29 de dezembro de 2012

Chuva


Chove no pequeno purgatório natal
e as borboletas não aparecem por aqui há dias
as crianças não mais correm descalças no asfalto quente
ou lutam nos gramados para provar quem é mais macho
Chove no pequeno purgatório vital
e eu só posso contar à ela um punhado de aventuras inúteis
das tardes nos fliperamas e sinucas que vendiam cerveja choca para os guris da redenção
É tanta água na ilha dos sonhos esquecidos
que o relento é o melhor abrigo para quem assistiu os puteiros transformarem-se em igrejas
e os velhos morrerem ou morrendo ou arrastando-se rua abaixo
Não é raro encontrar nos ônibus um camisa preta dos meus tempos
bêbado e gritando que só sai daqui em um caixão
Imbecil, já está morto e não sabe, sempre esteve
Agora também eu estou de volta à esse Hades suburbano
E se as ruazinhas de pedra não carregassem tanto charme
talvez já tivesse me deixado escorrer suave até o Gravataí

Por: Raskin


sábado, 22 de dezembro de 2012

Giramundo



Beleza, eu pago a próxima
mas me acompanhe até a praça
de dia dá para atirar migalhas aos garotinhos
e ver como os pombos brincam no parquinho
Beleza, pode trepar nas raízes,
mas cuidado para não tropeçar nos galhos
soube que os padres gostam de vir aqui fumar unzinho
e que alguns viciados rezam nestes bancos nas manhãs de domingo
Beleza, pode ser que eu esteja realmente fodido
se me balançar de cabeça para baixo talvez minhas moedas voltem aos bolsos
tu diz que não tem nada à ver
mas eu sei que os que governam o país é que são loucos
Beleza, talvez tu esteja certo nessa
esse carocinho na minha nuca não é um chip
os velhinhos não cochicham segredos de guerra
mas não pode negar que as meninas da festa riram quando eu cantei em inglês
Beleza, podem ter sido os comprimidos
o absinto realmente não bateu legal
aquele telefone tocando perto do palco foi um presságio
talvez eu deva profetizar, só que ainda não sei o quê
Beleza, eu sei que tu não existe
mas fica mais um pouquinho aqui comigo
aprecio tanto a tua companhia
te trouxe até um cobertor
Por favor, cara
agora só tem ônibus às seis e meia


Por: Raskin




A (NÃO) POESIA



A poesia é uma menina chorosa
que manda cedo demais a gaita para o conserto
Uma flor roxa de ipê
que a chuva carrega pelo canto da rua até a próxima boca de lobo
Uma lembrança desbotada que talvez nunca se apague
diante das velas crepitantes da desesperança humana
A poesia é uma palavra que dança na mão que alcança
o verso contido nas pequenas coisas
É a naturalidade da rima rota e disforme
da vida louca de criança
Acordar é poesia, amar é poesia, discordar, minha querida,
também é poesia!

O sexo, a noite, o dia, o banho de rio, apartamentos de fundos,
despertadores quebrados, o beijo, os livros sagrados,
travesseiros, a fome, o frio, o gozo, as ruas, pontes, viadutos,
árvores de maçã, vermes de goiaba, velhinhos asmáticos,
os estudantes ofegantes em uma aula de educação física,
o (TUDO) e o (NADA), (não) (é) POESIA

Até o ar que não se enxerga, mas que se sente na pele,
que se escuta assustado no quarto da infância enquanto uiva lá fora
nas tardes frias do minuano invernal,
(Não) É POESIA!

Por isso acreditei em Leminski, lá atrás, quando me convenceu da nossa inutilidade,
nessa nossa incapacidade de desistir dos devaneios da ilusão.
Pois poesia, em suma, minha pequena, é tudo aquilo que não carece explicação.


Por: Raskin


quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Passeios de silêncio e fogo



Minha rotina consiste em correr
fugindo a quarenta dias por hora
em um disparo de vida
vinte mil anos trinta centavos e onze montanhas
um milhão de poemas quebrados cem mil corações partidos
e uma estante de livros
em branco em chamas em luto
empoeiradas damas de salão esquecidas pelos pares
cadelas estéreis vagando em busca do filhote que nunca existiu

Depois a rua e só ela
a lua sobre nossas cabeças
o calor das garrafas de vinho
meus amigos tombados
e com eles toda a rebeldia barata
sozinhos
abandonados pelos sonhos nus da adolescência
com suas cabeças de xoxota e bebedeiras tão grandes
que seria preciso um guindaste para cada olho

Monges polígonos em cantos de
Hare Piva Hare Piva Krishna Krishna Allen Allen
Cristos surrealistas chorando ao pé da cruz
Uma cerveja gelada para matar a sede
e outra ainda mais fria
para curar a ressaca moral
de não ser um bom escritor




Por: Raskin

Porto Alegre é uma puta que chora



Corre sangue impuro sob o viaduto da conceição
colchões pedras brasas mijo corrosivo vigas destruídas
Frio fome sujo surgem os demônios que a noite carrega
cães coisas e pessoas lâmpadas e poltronas anos noventa
Sirenes raquíticas negras-sereias olhos vazios de rodoviária
Cantos ruas desertas esquinas vielas bequinhos aço frio de facadas
Polícia ronda porrada oferta e procura de cus e bucetas e caralhos
Voluntários da Pátria em Farrapos rottweilers cafetões traficantes
Estudantes bêbados estudantes fervilhantes postos de gasolina e correria
Trans plásticas enfeites de calçada anjos não operados
Mães solteiras bastardas de camisa aberta e cicatriz enorme na barriga
Suor maconha máquinas de café farmácias de benflogin
Chá de cogumelo para curar o marasmo de andar por aí sabendo que anda sem notar que morreu há anos entre a arquitetura fodida mil novecentos e doze que engole tinta e vomita cartazes
Ah, Porto Alegre, tua música me faz chorar no inverno
E nos ônibus parques e carecas dos motoristas de táxi
teu nome me seguirá nos muros


Por: Raskin





quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

É quase sempre sobre amor



Abençoada seja a mijada bêbada no fim da madrugada
Olhos grudados no piso-parede janela de madeira
Cigarros no chão no vaso descarga quebrada
Olhos vermelhos no espelho com sorriso comedor debochado
Irmãozinhos empilhados ao redor da mesa de sexta-feira santa
Cacos de vidro de vida de lentes de aumento embaçadas
Absurdos ruídos de ratos nas paredes vermelhas da casa paterna
E quase esqueço como isso explode cabeças em brilhos frenéticos
Sem sentido outras vezes não sentindo outras vezes não mentindo
Tantas vezes, tantas vezes meus camaradas, minhas calçadas
Minhas calças sujas de vômito de vinho e de vinda matinal
Chapados outras vezes chupados quase sempre mal amados
Cambaleantes, acordando longe de casa no ônibus errado
Depois de quartos, estranhos e cachimbos de haxixe
Quartos estranhos e cachimbos de haxixe
Quantos estranhos e promessas de amor esquecidas
Quantas trepadas às claras em apartamentos sofridos
Paixões sem tino rumo ou direção
Puro tesão e braços ao redor do pescoço baseados na boca
Pensando - cara, a vida deveria ser sempre assim
Um domingo de ressaca chutando garrafas deitados em uma mesa de sinuca
Rindo à valer das coisas que o álcool apaga
Filhos de uma puta
Sagrados filhos de uma puta
Esse canto é para vocês
Os que sabem do que se trata
Os que ainda lembram de quem são



Por: Raskin






domingo, 25 de novembro de 2012

Zodíaco



Me vejo às voltas  com Urano sob os olhos
e Netuno na quinta casa com Marte e uma garrafa de cachaça.
Todos sorriem maliciosamente para Virgem  na esquina de Leão,
perto das lojas de Aquário com crianças galopando Sagitário.

Ainda observo os jovens deixarem farmácias com suas camisas de Vênus,
prontos para noitadas que os velhos com Câncer sonham reviver
presos em seus leitos de hospital com termômetros de Mercúrio
e doses químicas capazes de derrubar um Touro.

Depois disso dou de ombros e sigo em frente com meu jornal do dia
comprado no cruzamento entre a rua Áries e a avenida Plutão.
- Que dia é hoje? Pergunto ao vendedor entre o vai e vêm de carros
- E isso importa? Me responde um mendigo sentado na calçada

Afinal a bolsa de valores, o guia da TV e os conflitos no Oriente Médio
terminarão enrolando Peixes na banca de Capricórnio
ou rolando pelas ruas de Saturno com seus vendedores de anéis importados pagos em Libra.
Pode ser até que terminem forrando a gaiola de algum passarinho azul
que canta triste para uma parede de concreto, mas quem pode saber?
Pobres anjos aprisionados, cantando e cantando sem poder voar.
Gêmeos do homem na impotência em relação à morte.


- Mas de que diabos esse cara está falando? Podem se perguntar alguns de vocês.
E realmente essa é uma boa pergunta,
porém quem sou eu para responder?


Por: Raskin


terça-feira, 13 de novembro de 2012

Perfume


Deleitoso delírio de rosto no rosto e cama improvisada
Espaço louco entre teu ventre e tuas coxas
Que cheiro é esse que possuem as adolescentes?

Tesa pele acariciada na rigidez dos seios
Lábio escarlate mordido no impulso
Florzinha selvagem na imensidão do deserto

Menina, teu corpo é primavera no inferno do meu toque
Roubei teu momento, saqueei teu templo, corrompi teu leito de amor
E agora canto teu sexo porque é lindo e louro

Me diga quem desejaria rimar quando se pode beijar-te os joelhos?
Esse mundo é a mente e amante é a mente do mundo
Não temos tempo a perder pois o tempo perdeu os ponteiros no caminho

Por isso te quero agora - tuas unhas, tua saliva -
Teu gemido baixinho na altura do ouvido
Te quero indefesa, cheia de vergonha
Suada, incontrolavelmente apaixonada
Ardendo tal qual fogueira na noite de São João Batista

Na casinha depois do matagal
No útero do céu de Tathagata


Por: R. Raskin



domingo, 28 de outubro de 2012

Subjeto



Hermeticamente devorado tantas vezes pela boca mole da vagina da loucura,
    que de muito chorar me nasceram olhos nas bochechas
    e lábios nas costelas feito guelras de peixe.
Constantemente me transformo nessa criatura disforme - ou não? -
    sou minha própria utopia - Tristeza -
e vejo o mundo com suas máquinas de guerra
    e fome e músicas MP3 através da enorme ferida aberta nas minhas costas
A nação da estrela escolhida machucando crianças do outro lado do muro
    de lenços, terra e olhares negros em rostos morenos - já não basta? Que importa? -
    afinal sou só um monstro bebendo refrigerante em frente aos bancos de papel assassino.
Só um monstro Só lembrando os professores da infância que invadem sonhos
    com suas caras de mulher velha e sorriso canceroso
    para ensinar antigas fórmulas de vida aos filhotes do homem.
Tempos áureos em que a curiosidade consistia em apenas querer conhecer
    a árvore do queijo ou saber como funcionavam as máquinas de galinha assada
    - Não me deixarão descansar -
Esse mundo inteiro como um corpo nu sob o sol da criação
    queimando coxas, bundas, seios - Mares de caralhos em chamas -
    Tonéis de bocetas calvas ou abrigadas sob seus hirsutos pêlos de barba arábica
O Mundo Belo Mundo Belo é O Mundo
Com seus índios suicidas, ganância branca azeda, negros morro acima,
    determinação asiática, crianças barrigudas, senadores de Satã,
    polícia de ossos e gás venenoso, bem feitores do inferno - É belo o mundo -
Estou cansado, deixemos isso de lado, esse carro sem freios,
    portas trancadas - Quero outra vez enxergar a beleza -
    Eu lembro que um dia foi lindo
Talvez antes de me quebrarem as janelas e a lágrima
    misturar-se à sangue e cacos de vidro.
    Tudo tão lindo que
Até a morte ficava do lado de fora brincando com os viciados,
    e as beatas gordas agarradas à seus terços e à infindável piedade
do nosso Senhor  Jesus Cristo
pareciam agradáveis.
    Por isso só peço para ser outra vez eu mesmo - Mas só as vezes -
    Ser outra vez com V me ligando para dizer que descolou um chocolate para essa noite
Pirados Malditos Macacos de Laboratório
    A noite é F.O.D.A.
    e mais do que isso
Loucos,
    sacrossantos, sacripantas 
    Dom Quixotes com a língua de fora
Me deixem ser monstro com vocês uma última vez,
    afinal estou doente da cabeça
    e se sinto medo da loucura é porque já estou louco
Por isso me deixem enlouquecer um pouco - A vida há de perdoar? -
    Me deixem rastejar nesse lodo
    que logo canso e volto a segurar nas mãos de quem me espera voltar.


Por: R. Raskin

    

sábado, 20 de outubro de 2012

Deus ou A Fábula da Limpeza



Reviro a casa feito um louco, de cima à baixo.
Olho atrás dos armários e dentro da geladeira...
Nada!
Quebro a cabeça pois sei que o deixei aqui em algum lugar.
Arrasto a escrivaninha e levanto as almofadas...
Nada!
Talvez tenha caído entre as tábuas do assoalho e então arranco-as,
uma a uma, para espiar com minha lanterna minuciosamente.
Ratos e baratas, olhos vermelhos e patinhas frenéticas, de resto...
Nada! Nada! Nada!

Abro a cristaleira e lanço os copos contra a parede.
Arremesso  pratos e talheres através da janela,
estouro lâmpadas com meu cabo de vassoura
"INFERNOS, EU SEI QUE ESTÁ AQUI, EU SEI DISSO!"
Me desespero
Rasgo as fotos
Incendeio roupas sobre o colchão
Espanco até a morte a pustulenta televisão
"MALDITO SEJA, MALDITO SEJA!"

Espalho as garrafas de bebida pela casa entre goles maiores que minha própria garganta
Afogo as flores em álcool
Me arrasto, serpenteando, até o banheiro
Nu como um filhote de cão sarnento
Meu rosto no espelho é profundo e nele as nebulosas concentram todas as estrelas
Mesmo as que não mais existem
"SOU CINZA!"
Choro tanto e tremo tanto,
que vai ficando difícil continuar em pé...
Sento no chão e dou cabeçadas contra os azulejos
A fumaça das roupas e da cama e do que mais estiver queimando
entra sorrateira sob a porta
Logo, logo estarei sufocado...
"VOU SUFOCAR!"
Abro a gaveta por reflexo, por um último reflexo
E então lá está ele!
Entre o pente aposentado e uma enferrujada lâmina de barbear

"SEU SACANA MISERÁVEL, ESTEVE AÍ O TEMPO TODO?"

Saio despido senão por sorrisos e uma tosse que quase me faz vomitar
Enfrentando fumaça, móveis em brasa e cacos de vidro antes de chutar a porta de entrada e gritar atirado no gramado:

"OLHEM PRA MIM, NÃO TENHO MAIS CASA, NEM ROUPAS, NEM NADA DE NADA...ESTOU LIVRE, E O NIRVANA É MESMO DOURADO COMO UMA CRIANÇA!"

Completamente coberto pela fuligem de toda uma vida
E é a primeira vez que me sinto limpo de verdade.


Por: R. Raskin

domingo, 7 de outubro de 2012

A BAGUNÇA TODA... QUEM SABE





Subi seis lances de escada
até meu pequeno quarto mobiliado
abri a janela
e comecei a jogar fora
as tais coisas mais importantes na vida

Primeiro, a Verdade, ganindo como um dedo-duro:
“Não! Direi coisas terríveis de você!”
“Ah, é? Não tenho nada a esconder... FORA!”
Depois, Deus, assombrado, corado e choroso de espanto:
“Não é culpa minha! Não sou a causa de tudo isso!” “FORA!”
Depois o Amor, aliciando subornos: “Você não conhecerá a impotência!
As garotas da capa da Vogue, todas suas!”
Apertei sua bunda gorda e gritei:
“Seu destino é um desvalido!”
Peguei a Fé, a Esperança e a Caridade
as três juntas abraçadas:
“Você não vai sobreviver sem nós!”
“Estou pirando com vocês! Tchau!”

Depois a Beleza... Ah, a Beleza –
Tão logo a levei até a janela
disse: “Você eu amei mais na vida
... mas é uma assassina; a Beleza mata!”
Sem querer realmente atirá-la
desci correndo as escadas
chegando a tempo de apanhá-la
“Você me salvou!” sussurrou
Coloquei-a no chão e disse: “Anda.”

Subi de volta as escadas
procurei o dinheiro
não havia dinheiro pra jogar fora.
Só restava a Morte no quarto
escondida atrás da pia da cozinha:
“Não sou real!” gritou
“Não passo de um rumor espalhado pela vida...”
Atirei-a fora com a pia e tudo, sorrindo
e então notei que o Humor
era tudo que havia restado –
Tudo que pude fazer com o Humor foi dizer:
“A janela fora com a janela!”


Por: Gregory Corso

sábado, 6 de outubro de 2012

Primeiras Iluminações



Caminhei sob o brilho das luzes celestes
chutando pedras e
tampas de garrafa
Sobre trilhos de pensamento os
trens da imaginação
carregados de vida
deixavam escapar entre as frestas
lascas de sonhos e letreiros opacos
no profundo da noite fria
e dos ventos
que uivavam nas esquinas
com seus gritos de índias ancestrais

Caminhei por caminhar como quem não quer -
quem não quer, mas que no fundo quer sim
                                                      encontrar
uma razão, um sentido ou porra nenhuma
desde que seja encontrada enquanto se caminha sem querer

Um passo depois outro passo e
assim passava o tempo em círculos perfeitos
desenhados pelas mãos trêmulas da incerteza

Não sabia, juro que não sabia
Nunca tive ideia
Queria tanto
Penso que ainda quero
Mas não sabia, juro que não sabia
Ninguém nunca sabe
Saber é pesado
Pesado demais
O melhor era não saber
E eu não sabia, juro que não sabia

Mas,

Não saber me trouxe Frio
Não saber me trouxe Fome
Não saber me trouxe a Poesia

E só então eu estive livre para saber
que o poema era pão
E o comi com deleite
Juro, juro que soube - naquele momento -
que o poema era abrigo
e meu travesseiro de folhas
era o poema
Eu soube, juro que soube
No instante em que enchi a barriga de palavras
e o coração de cor

Por isso não morro, não mais
Eu vivo, vivo poema
vivo no poema vivo
visto do alto da montanha mais alta

&

Na cidade lá em baixo
com suas formiguinhas cigarreando
agora vivo cantando
vivo cantando
por cada girassol -agonizante-
na prateleira do supermercado


Por: R. Raskin





domingo, 30 de setembro de 2012

Anjos ou Uma viagem para Ginsberg


Em um rancho quente no fundo do Mato Grosso, o vigésimo anjo alfabético engole poeira e vazio enquanto se afoga agonizante em um rio de preconceitos e estática repressão. Esse talento acorrentado à terra fofa depois da tempestade não sou eu mas poderia. Milhares de anjos chicoteados -suspensos- em ganchos de açougue humano por línguas estéreis e destrutivamente mal amadas por toda parte da minha cabeça. Anjos nus empurrados para o abismo por mãos invisíveis. Anjos mirando com dignidade e medo um céu ao contrário de onde a segunda vinda não significa nada. Anjos como o poeta barbudo sonhando voar em espírito montado em um caralho celeste sobre plantações de girassol


Por: R. Raskin

Santos



Santos de coração sujo e pés enlameados
           Ocas imagens ansiosas por engolir
    todo o ouro das manhãs sagradas
Ocidentais amargores cerebrais
            devorando carne gelada
    nas madrugadas primordiais do pensamento
Embriagados de vinho e juventude ancestral
             por ruas e muros astronômicos
    tagarelando convulsos
por medo da magia negra do tempo

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Ali, que sabíamos da vida
senão varrer calçadas imundas com as solas
de nossos sapatos?
Que poderíamos saber, com frio e risos de cumplicidade
por uma maldita realidade em comum?

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Tolos santos de coração etílico e pés de barro
            Olhos semi-cerrados contra a ventania fantasmagórica
     que feria quem nela pudesse enxergar  os espectros negros de Satã
Clamando por Salvação durante o dia depois de ter encarado no escuro
            a face de fogo de Moloch em sua ânsia por devorar almas infantis
      com a capacidade de inspirar
Santos acuados pelo terror de que a doença cegasse os olhos da mãe
            Que o pai morresse como naquele pesadelo em que as contas
       não paravam de chegar pelo correio exigindo pagamento
Santos com a família na merda, cerveja e cigarros
            Dependentes da caridade humana, comida e sapatos
       Prostrados, de cabelos longos e olhos cheios de curiosidade

E então, seguir adiante
            Montados em motores de sonhos e quilômetros rodados
       Datas, estradas e tudo mais que nos deixasse o mais longe possível
dos caminhos pisados à exaustão

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Mas o tempo é um criminoso nato. Um bruxo inatingível que rouba e mata corações ao conceder-lhes pequenos confortos - regalos ilusórios - que nos distraem enquanto a mão gelada de Beatriz segue seu rumo devastador de separação. Pobres querubins empoeirados de beira de estrada, extraviados cedo demais no caminho para o paraíso. Onde quer que estejam, quem quer que sejam, tenham o rosto que tiverem
- Que os caminhos lhes voltem a ser dourados uma última vez-


Por: R. Raskin

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Não! ou O Tango das Palavras



Não me chame pelo nome
                                       Não tenho nome
Não me olhe direto nos olhos
                                       Não tenho olhos
Não diga que me ama
                                       Não tenho força
                                                                Não tenho passo
                                                                                        Não tenho verso
                                                                                                                 Pronto
Só tenho o vício
                        Imerso
                                 Até o pescoço
Não tenho calma
                         Não tenho alma
                                                Nem cama que me descanse o
                                                                                             Karma
Só tenho o mundo
                           Absurdo
                                       Vazio até o âmago do
                                                                       Existir
Por existir
              Não tenho sono
                                     Não tenho como
                                                             Não sinto
                                                                           Nada
Não!

                              Sinto nada. Não! Sinto. Nada. 




Por: R. Raskin

domingo, 9 de setembro de 2012

Rock N' Roll



como um beijo no pescoço
uma mordida de leve no lado interno da coxa
as unhas na carne navalhas do gozo
tum dum putz ... o amor

como um gemido surdo calado
a cãibra  de leve leva o traçado
além do sussurro melado transpira os lençóis
tum dum putz ... o amor

vermelho quente molhado
língua pelo invasão
encarnando minh'alma em teu corpo
tum dum putz ... o amor

a entrega plena de boca
tato e tesão
mergulho corpo adentro até  o talo
no embalo vai e vem e vai outra vez
por noite a dentro mundo a fora
curtindo um sonho que um dia já foi
e agora não vai
tum dum putz ... o amor


Por: Rimini Raskin

sábado, 11 de agosto de 2012


Já vi algumas bocas engolirem o sol,
mas não sem queimarem a língua.
Assim como braços arrancarem árvores enormes,
mas não sem rasgarem a pele.
É fácil ser o melhor, o maior ou o mais forte.
Basta estar disposto a pagar o preço.

Por: R. Raskin

Rachaduras



Nesses dias
em que a vida se esconde nos espaços vazios,
entre um móvel e outro móvel
a poeira abriga civilizações invisíveis.
E o roupeiro fechado
que antes me levava às estrelas
agora não é nada
senão um móvel entre outros móveis
                                         outra vez
Os fantasmas vagam &
derrubam garrafas &
comem a comida dos armários.
Me finjo de morto, mas não sou aceito,
- Carne e ossos demais - dizem uns,
- Ainda não é a hora - outros me gritam
antes de recolocarem-me na cama
como já fizeram
uma vez
Sendo assim, o que me resta?
Eu, que morto demais para a vida &
vivo demais para os mortos
não posso ser aceito em parte alguma.
O que resta então,
senão arrastar-me enquanto o tempo
renova a realidade
muito mais rápido
do que o
próprio 
raciocínio
consegue
a
s
s
i
m
i
l
a
r
?
Sei apenas que os carros seguirão batendo &
os ônibus dobrarão a esquina de casa
levando almas, aos montes, em seu trabalho
de ligar nada à lugar nenhum.
Sei também, que em breve será outono de novo &
algumas árvores sufocarão suas raízes
sob suas próprias folhas.
Assim como um suicida trapalhão que tenta encurtar o tempo
com as mãos ao redor do pescoço.
                             Ambos falharão
&
seguirão vivos ao menos até a próxima estação
do ano, de rádio ou do trem.
Isso tudo depende de quanto a dor
realmente comanda
&
do quanto ela é capaz
de levá-los além.
Li num livro 
que o mundo não existe e
vivemos uma ilusão que os hindus chamam de Maya.
Dizia que Krishna nos ama por nossa bondade e
que Cristo leva uma nova martelada por cada pecado
que seus queridos filhos cometem.
Diante disso, o que posso eu dizer?
Pois se tudo realmente for verdade,
poderei me considerar  uma criatura de sorte.
Ou como se explicaria
olhos tão lindos
que me quebraria o coração
decepcionar?


Por: R. Raskin

terça-feira, 24 de julho de 2012

Bigode


Cabeça pequena
Beirando os 50
Fazendo esse trabalho que eu fiz com 18
Olho seu cabelo branco
A careca acentuada
O bigode
O caminhar apressado
Olho esse homem pequeno
Tentando manter a dignidade
Nesse emprego de merda
E de alguma forma
Eu sei que ele, assim como eu,
Também odeia esses cretinos
Olho esse bigode e tenho vontade de chorar
Mas os ônibus seguem passando
E entre eles talvez esteja o meu


Por: R. Raskin

O Zé e Eu



Estamos completamente chapados
Bebendo cerveja do lado de fora da festa
Está quente, mas nem tanto
A noite é boa para essas coisas
"Tu é todo torto, charolastra..." Ele me disse
"Por isso pega pouca mulher"
Replico que a diferença entre nós dois
Era que enquanto ele pegava três gatinhas
Que não lembrariam da cara dele no final da noite
Eu arranjaria uma que estaria me ligando daqui um mês.

Mas agora que estamos mais velhos
Eu percebo como fui um imbecil
Fiquei com as malucas depressivas
Que me ligam no meio da madrugada
Para falar de suicídio
Enquanto o Zé segue conseguindo
Um corpo novinho em folha todo fim de semana

Talvez seja por isso que me orgulho tanto da nossa amizade


Por. R. Raskin

A mosca mais gorda de Porto Alegre



É a velha mais feia que eu já vi
No restaurante mais sujo que eu já comi
Seus olhos caídos
Boiam em bolsas flácidas de pele
Logo acima das bochechas vermelhas

Ela mastiga e os dentes
Parecem querer fugir da boca enrugada
Tem o olhar perdido nas janelas imundas
Quando um pedaço de batata
Escapa dos lábios
E ela o apara com as mãos
Antes de devolvê-lo à dentadura dançante

As paredes engorduradas
Os vendedores de artesanato
Os Rastafaris
Os vagabundos
Os malandros batedores de carteira
Os talheres tortos
Todos eles dividem o mesmo espaço
Comem a mesma comida
E cagam no mesmo banheiro da velha boca murcha

A desgraça une os homens
Lhes tira o nojo
Os faz perceber que somos o mesmo monte de merda
Merda branca
Merda negra
Merda amarela
Merda mulata

Só a mosca merece destaque no meio disso tudo
Pois contei cinco pratos em que ela pousou antes de sair sem pagar a conta


Por: R. Raskin

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Batidas ou Poema para Bessie Smith



Me inundaram os ouvidos

E transbordaram 
pela boca
& pelos olhos
da direita para a esquerda
até as pontas de uns dedos 
trêmulos de mistério

Um blues vivo por toda parte
do meu corpo
feito um louco
chacoalhando ansioso
as batidas suadas 
da tua chegada

Teu rostinho tão pequeno
Teu choro tão fraquinho
Tudo bem menor que imaginei

- Ela é muito linda! [sussurrou Bessie Smith na minha cabeça]

- É perfeita! ... respondi


Por: Y.P.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Para Maria Luisa



Meu melhor poema
é um par de olhos brilhantes
e uma boca pequena

- Esse é meu melhor poema -
Em primavera,
perfume de açucena
exalado de incenso fino.

É Maria,
mãe de tudo que é mais belo e dourado.
Rima simples que o vento sussurra nos ouvidos 
quando a luz do sol, preguiçosa,
avança sobre o mundo.


- Esse é meu melhor poema -
Não o que escrevi, 
mas o que repousa agora no meu colo
nesse corpo de menina.




Por: R. Raskin





segunda-feira, 9 de julho de 2012

Sobre uma realidade não ordinária



Feito patas,
Minhas mãos cavaram este buraco
Onde inato e sem palavras;
Feliz por não ser homem,
Deitei minhas costas nuas
No úmido da terra

Contente por não ser leão,
Cão ou minhoca.
Satisfeito por ser parte
E não ser nada
Além de adubo fresco
Em noite profunda

Adormeci e
Mais do que isso,
Sonhei que nascia planta-homem-fera
Com raízes e ramos de folhinhas verde-escuro
Me saindo das pernas, cauda e costelas
Feliz por não ser mais homem, planta e nem fera
Porque era todos e fui todos em um só

Assumindo essa forma
Soprei um pouco de vida dos pulmões
E ela dançou para mim.
Mais feliz ainda por não precisar provar quem era

Simplesmente contente

Somente por saber dançar.


Por: Raskin



sexta-feira, 6 de julho de 2012

Mente Solta II



"Me recuso a confiar na experiência de quem nunca provou os antônimos."

- R. Raskin

Trechos



"Fuja das frases prontas e das fórmulas batidas, elas até podem te garantir algum prestígio, mas nunca a imortalidade. No fim das contas, quem importa é quem fica mesmo depois de não mais estar. O mundo é bem maior fora daqui, Raul. Bem maior."

(Conselho de Bacana para Raul em Noturnos - O Final em Dez Capítulos)

- R. Raskin

Mente Solta



"Me convenci que nascer todos os dias é a melhor maneira de escapar da morte;
Ao menos até o dia em que a vida decida me abortar."


- R. Raskin

quarta-feira, 4 de julho de 2012

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Passagens 2



Cinco e vinte da manhã, restavam apenas ele e eu na mesa, mal suportando o peso das cartas com a cara cheia de cerveja e remédio. Os outros dormiam exaustos do calor do fogão à lenha e das risadas iniciadas ainda pela tarde.
- Te ligou na última festa? - me perguntou com um sorriso safado no rosto. O cara era um desses tipos admiráveis, capaz de aproveitar o máximo das situações, vivia suas loucuras com muito mais responsabilidade do que qualquer outro que eu já havia conhecido, era realmente um dos bons.
- Depende. Ta falando do que? respondi.
Ele chegou mais perto e começou a falar baixinho enquanto se certificava que os outros continuavam dormindo.
- Quase comi ela ali no canto mesmo, ficou se fazendo mas acabou tocando uma pra mim.
- Que filho da puta, ela também agarrou meu pau quando eu passei no corredor.
- Eu sei, ela me falou. Disse que quer dar pra nós dois, vamos?
- Por mim ta beleza.
- Caralho, só de falar já fico de pau duro. Que puta, cara. Que puta.
- Segura a onda aí, comedor. Não querendo me comer também eu to dentro.

E rimos pra valer vendo aqueles raiozinhos azuis por toda parte e as quinas derretendo.
Mas era claro que não iríamos trepar com ela, no fundo existia uma certa decência de nossa parte em relação à mulheres comprometidas, mesmo com as mais safadas.


Por: Rimini Raskin

Respeito



Sou muito jovem para o respeito
Estudei muito pouco para o respeito
Respeitei quase nada para o respeito
Não estou pronto para a dignidade dos homens

Por: Rimini Raskin

Onde vive o poema



Existe um poema no fundo de toda garrafa
Em cada quilômetro de estrada
E em todo par de pernas
Sejam elas belas ou não

-Existe um poema-

Basta agarrá-lo


Por: Rimini Raskin

quarta-feira, 27 de junho de 2012

10 centavos



Meus pais devem ter trepado em casa porque faltou 10 centavos para pagar o motel no dia em que eu fui gerado e isso me afetou geneticamente. Papo sério. Não importa o que eu faça sempre me falta 10 centavos para o café. E não fica só no café, se um sanduíche custar, sei lá, 2 reais, eu vou ter somente a merda de 1,90 no bolso. É frustrante, cara. Se eu não tivesse dinheiro nenhum, vá lá, seria uma bosta, mas eu entenderia.
E quando eu ando pela rua e encontro 10 centavos? Cara, eu sou tão fodido que quando encontro, a maldita moeda está cravada no asfalto.
Conspiração, e das grandes!
Até os vendedores, mesmo aqueles de parada de ônibus que vendem balinhas ficam se encolhendo para me vender alguma coisa.

- Quanto custa a bolacha, amigo?
E o cara faz o número 1 com o dedo, o miserável nem se digna a me responder em palavras.
- Me faz por 90? Só tenho 90.
Digo com cara de parceirão.
- Não, é 1 e não 90.
Filho da puta, que grande filho da puta.

E o pior é que nem tenho argumento para convencer o cara.
Em casa eu assalto o Buda, minha mulher fica louca com isso, mas eu já vi ela pegando moedas do gordinho para comprar pão. Em suma, na minha casa o Buda tem tanta grana quanto eu, por isso eu compenso em incenso, sem brincadeira, ele deve ser o barrigudo mais perfumado do mundo.
É foda não ter 10 centavos, quando eu era criança sempre me enrolavam no troco e eu voltava pra casa com umas balinhas na mão, hoje nem isso, 10 centavos sequer compram balas, mas aparentemente terão sempre o poder de empatar o meu café.


Por: Yuri Pospichil

terça-feira, 26 de junho de 2012

Faça!





Abra uma 
         
Luz 
                                 
No seu

Tórax


Por: R. Raskin

domingo, 24 de junho de 2012

A Máquina



Tenho essa velha Lettera 82 verde me olhando, sussurrando nos meus ouvidos que se trata da herança de um homem ainda vivo. Maldita máquina intocável, fiel à mãos que não lhe davam atenção há anos. Mas assim também são algumas pessoas. É difícil entender que chega uma hora em que nos tornamos inúteis para quem um dia juramos amor. Eles apodrecem, eu apodreço, mas a Lettera 82 verde espera sem tinta que os velhos dedos esgotados lhe façam um carinho. Usá-la agora seria um estupro.

Por: Rimini Raskin

Passagens...



- Tu não sabe fumar! Ela me dizia, e ria com aquela cara de quem cresceu na rua vendendo bugigangas .

- Não sei e odeio fumar! Respondi indiferente.

- E por que tu fuma?

- Tem gente que não sabe e outras que odeiam viver e mesmo assim seguem insistindo no erro.

- Que mundo de merda, né?

- Somos todos uns filhos da puta.

- Pelo menos nós dois temos consciência disso.

- E temos uma cama para trepar depois da festa... Pensando bem, até que não estamos tão mal assim.


Por: Rimini Raskin

quarta-feira, 20 de junho de 2012

O Homem



Olhe o homem
Atravessar a rua
Olhe o homem
Comer seu sanduíche de queijo
Olhe o homem
Olhando você o olhar

Olhe o homem
Gritando palavrões no parque
Olhe o homem
Correndo como um louco atrás do dinheiro
Olhe o homem
Pressentindo a doença chegar

Olhe o homem
Com suas contas em dia
Olhe o homem
Carregando sua filha
Olhe o homem
Morrendo de frio a cada esquina

Olhem o homem, meus senhores
Está em todas as partes
Olhe o homem, minha irmã
Dentro de todas as coisas
Olhe o homem, meu deus-do-céu-da-terra-de-lugar-nenhum
que chega tarde demais em si mesmo
que evoca vezes demais seus fantasmas
sofre demais seus problemas e
pensa que pensa que pensa que...

Ele não é especial - O Homem -

Ninguém além de nós todos.

Pedaços de carne.


Por: Rimini Raskin 





O vento é um diabo que nos carrega



Meu peito é cinza-chumbo
e encobre o sol
Toda manhã é meu peito
e tudo que é cinza também é meu

Peito, ponte e até os elefantes
A África e os polos
os índios e os tolos
São chumbo
Sol e manhã

Amanhã

Será sempre amanhã
quando o hoje for cinza
e o peito for feito cascata
em queda livre contra o sol

É meu
Esse todo que não vale nada
Esse mundo tudo que não fala nada
É tudo
E é cinza
Porque é meu

Por: Rimini Raskin

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Ode ao meu pau duro



Homenagem à minha torre de Pisa
minha pissa
companheira de noites gostosas
solidões desastrosas
Meu saxofone
entregue aos lábios
da menina antes da festa

Sufocado
perseguido
por falsos moralismos
escondido

E por quê não?

Por quê não deveria eu
caminhar na rua
com a vara dura?

Por quê não?

A senhora que se choca
é a mesma que deseja na boca
o leite morno dos tempos de moça
É a mesma que roça a xoxota
com o chuveirinho
e lambe os beiços às escuras
quando o entregador de pizza
lhe toca suave a campainha

E então?

Por quê não?

Ah, meu companheiro
desbravador de cavernas
peço que jamais me deixes na mão
Deixes isso para quando eu já estiver muito velho
de cobra mole
indo aos puteiros
mentir a mim mesmo

Nunca irei entender
o por que de toda essa vergonha
Obrigados a andar por aí
como se na cueca levássemos uma pistola
sendo que a munição é puro amor

Nas calcinhas
aprisionadas
todas as rosas
cheirosas
que deveriam aos ventos
florescer sem dor

Caralho
Boceta
Tão normais
completamente naturais
ao ser

E então?

Por quê não?

À eles e à elas
Aqueles e aquelas
que me enchem tanto o saco
mais do que os pentelhos
À todos esses
os envergonhados
deixo essa homenagem
na forma de pau sempre ereto
no escuro e fundo de seus retos
para todas as vezes que pensarem:
- "Que horror!"


Por: Rimini Raskin

terça-feira, 29 de maio de 2012

Opium



Estou deitado na cama
e um raio de
sol-luz-quentura
brada
branda e
de branco
me cega o olho esquerdo

Desfaço-me antes de
reagrupar novamente
líquido ou
denso
tal qual
mercúrio em
bandeja de prata

I want More
and More
Wants me
Please, Miss Pussy
Let me In
To More
and More
Wants me
Miss Pussy
Please
Let me...

Estendo a mão
e a luz
agora é sombra
repousada em
cegueira que
passageira parte
da mesma estação

&
nesse espaço
(vazio)

Penso que...talvez não...
Mas, digamos que seja real
esse ato de pensar
que de negro deveria banhar-se o mar
a cada pensamento que
possivelmente não seja...

E fico na espreita...
Na espera do ouro de toda manhã
O abrigo nos olhos do Buda
profundos e reluzentes como
um presente
de candura elevada
às mais puras esferas da consciência
ou total falta dela

Ah, esse paraíso...
Que não existe
no preciso momento em que
minha boca
se torna capaz de pronunciar

Talvez ele chame
Poesia
Estrada
Loucura
Talvez soe
como os barulhos da noite
quando eu deitava
no campo
para me olhar nas estrelas
Ou ainda,
é possível que
não chame
nem soe
Nem exista além dessa cama

É contra toda minha lógica
de relatividades, eu sei...
Mas, ao voltar minha cabeça para o lado
imaginem quem encontro?

A luz do Sol
encarnada
com toda brancura
do conhecimento
ancestral
maior

Interior

Buda está aqui -
Digo em um suspiro...

(ou penso dizer)

&

Ele é perfeito & brilha mesmo quando dorme
dentro dos pequenos olhos escuros que
me fitam ao lado da cama
Eu não posso mexer mas,
meu coração dispara diante das pequenas
lanternas de chama pura e de bondade
dos sorrisos que não são dados

Me sinto leve
ao ponto de segurar-me na cama para
que não rompa com o teto
dessa vida
longe...
longe..

&.

Embora eu saiba que
no próximo passeio
os cães da vizinhança seguirão 
enfurecendo-se ao me ver passar
tão miserável
com meu lobo mostrando-lhes
os dentes...
Agora,
ao menos tenho a
certeza de que
esse pequeno deus
terá sempre o poder de me
presentear com o
perdão


Por: Rimini Raskin

Familiares Aldeias do Ser



Os distúrbios da maquinaria do dia roendo meu nariz causando convulsão em meus ouvidos.
Germes agrupando-se em meus poros & pêlos & pernas que jamais serão amputadas.
A Cidade é cosmopolita – os carros do caos atropelam a vizinhança toda.
Cerne do firmamento – nosso habitat ainda natural – instintos animais não extintos.
Meus intestinos não se adaptam a confusão de frituras, congelados & carnes empapadas ensopadas de sangue venoso.
Eu cuido deste túmulo que eu durmo e ronco até ficar rouco –
locomovido por loucos motivos que me desloca para locais inóspitos que de certa forma me agradam.
Intocado na toca na oca da tribo atribulada triturada por essa sociedade civil desgraçada!
eu não sou como você pensa, como eles pensam, como vocês pensam, como todos nós todos pensamos!
Tenho todos os requisitos para viver em comum paz superior com aqueles que almejam a serenidade –
pois passei todos os meus dias semanas meses anos horas dedicados a consulta e a idolatria dos ensinamentos de Allen Bob Dylan Thomas,
e digo. sim. e confirmo tudo que aprendi fielmente.
As faculdades mentais não me anulam – as faculdades mentais me informalizam ao mundo secreto dos belos e ignorados.
Oh Lua me diviniza! como fizeste perfeitamente aos meus bravíssimos ídolos!
Ponho meu anel de rubro rubi folheadourado escrevo & decanto & declamo para os meus amores únicos & solitários.
Sonho que estou flutuando pelos cômodos da minha casa, voando pelas nuvens arranhadas do Céu do Mar.
A tarde me despertando para agarrar a cabeleira & as barbas negras de Cristo.
E eu sossego neste Infinito nesta infinitude ou melhor numa plena miríade de bocas & bucetas.
Assim visto seu espartilho, minha Mãe!, uso seus óculos quadrados, meu Pai! – sem sapatos & meias – debalde me perco em familiares aldeias do Ser.





Por: Felipe Rey


sábado, 26 de maio de 2012

Minha Boêmia (Fantasia)





Lá ia eu, de mãos nos bolsos descosidos; 
Meu paletó também tornava-se ideal; 
Sob o céu, Musa! Eu fui teu súdito leal; 
Puxa vida! A sonhar amores destemidos! 

O meu único par de calças tinha furos. 
- Pequeno Polegar do sonho ao meu redor 
Rimas espalho. Albergo-me à Ursa Maior. 
- Os meus astros nos céus rangem frêmitos puros. 

Sentado, eu os ouvia, à beira do caminho, 
Nas noites de setembro, onde senti tal vinho 
O orvalho a rorejar-me as fronte em comoção; 

Onde, rimando em meio à imensidões fantásticas, 
Eu tomava, qual lira, as botinas elásticas 
E tangia um dos pés junto ao meu coração!






Por: Arthur Rimbaud