quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Cem Anos





Se possível for, gostaria de desejar-te que viva "cem anos".
Como gritam os russos do alto de suas janelas em um conto de Tchekhov ao despedirem-se de quem se gosta muito. Só que neste caso, desejo à ti, que ainda nem chegou.
Esses cem anos não são uma medida humana, exata. Posto que, se fosse exata, não poderia jamais pertencer à humanidade. Cem anos é o tempo certo, e relativo por não ser perfeito. Cem anos são o bastante. Por tudo que se tem de aprender até o dia em que os olhos não abrirem mais e morreres seguramente sem ter aprendido o suficiente. É também tempo o bastante para cometer enganos, machucar-se e das feridas tirar lições. Tempo necessário para errar e consertar os erros antes de tornarem-se eternos.

Desejo-te beleza, além dos cem anos já citados. Não só beleza estética, falo principalmente da beleza do olhar, aquela que faz do mundo um lugar menos absurdo. Desejo-te ainda, ação; além de beleza e cem anos, para que possas mudar tudo o que necessita ser mudado. Peço-te ainda que mantenha-se longe da ganância, mas que tenhas em mente que é preciso muita vontade para alcançar o que deseja. Não tenha pressa. Por mais que não pareça, as coisas sempre acontecem quando trabalhamos para que aconteçam. Tenha amigos diferentes, contagie-se com a pluralidade, mas não perca nunca a tua personalidade. Lembre que mesmo em bando, somos criaturas individuais. Não julgue. Se não concorda, dê sua opinião. Se não aceitarem, respeite. Saiba que sempre existirão limitações, problemas, dificuldades e maldade no mundo. Sempre alguém estará pronto para te machucar. Por isso nunca esqueça que não são as roupas que usa, o dinheiro que possui ou o sobrenome que carrega, é o modo como enfrentamos esses obstáculos que nos faz ser o que realmente somos.

Estude, conheça o quanto puder do quanto existir. Isso não te fará saber de tudo, mas ajudará e muito para que nunca sejas enganada. Ame sem esperar nada em troca, mas não se deixe ser humilhada. Entenda que teus pais não serão perfeitos e teus amigos tão pouco. O mundo parecerá e será uma grande selva a ser desvendada. As desilusões irão doer, mas não te matarão. Tire delas lições e melhore como pessoa. Não se cobre tanto. Tu é parte do mundo, logo, também não é perfeita. Ter fé é um direito e uma escolha, mas tome muito cuidado para que não te tornes dependente dela. 


Deve estar pensando -"É muita coisa para fazer, mesmo em cem anos!" E provavelmente seja, provavelmente não fará nem a metade. Não são regras, relaxe. Escrevi isso tudo apenas porque te amo e me preocupo contigo. Espero que me perdoe quando eu errar, porque vou errar, e muito. Erraremos juntos. Choraremos e até brigaremos um com o outro, disso tenho certeza. Mas existe outras coisas de que também tenho certeza, e uma delas é que existirão sorrisos, muitos. Existirão risadas, afeto, carinho, compreensão e suporte. Pode ser que eu não possa te comprar um barco, mas sempre poderei te ajudar a construí-lo se quiseres.

Por último, desejo-te que viva bem os teus cem anos, que seja justa acima de tudo. Para que quando deitar na cama já no final dos teus dias, tenha o prazer de pensar - "Não fui perfeita, mas fiz o melhor que pude!"


"Para minha bebê Malu."




Por: Rimini Raskin

domingo, 25 de dezembro de 2011

Roda




A superfície frágil sob seus pés era a única barreira para o abismo e isso lhe causava frissons de ciranda. Era capaz de sentir seu controle sumindo nos furinhos da peneira cravada no piso, escorrendo por suas pernas e pingando restos de integridade no roteiro da gravidade. Era visível e gritante como não suportaria por muito mais tempo essa situação. Dava para ver o corpo se molhando, enganado de febre, suor de um mal entendido.

Ele estava sendo violentado em brincadeira de criança. Tiravam as únicas faculdades de controle que ainda possuía sobre seu franzino corpo. Era a primeira vez que realmente sentia seu tamanho de anão (é que sempre se sentia maior que de fato era). Que agonia! Estavam dirigindo seu caminho. Além da dor oblíqua em seu estômago, o que mais o constrangia nesse momento, era o fato dele próprio ter pagado para isso. O haviam convencido da sensação boa, da voluptuosidade cíclica desse envolvimento. Afirmavam de uma convicção que acariciavam seus ouvidos a respeito da belezura que seria o abandono de si na mão do outro. Quando ele achava arriscado demais todos diziam, alguns gritavam embriagados da experiência recente:

— Sua bichinha!
— Deixa de doce e vai fundo Mané!
— Por mim! Por favor, por mim! É legal, você vai ver!!!
— Confia ou não confia?
— Não acredito que vai dar pra traz agora.

Ele então pensava consigo mesmo: “Será mesmo que acham isso agradável? Não pode ser. Ou sou analfabeto de sentimentos ou sou letrado em cautela, pois sinto como se fosse me derramar até desidratar.”

Essas experiências faziam com que suas bochechas corassem tanto, que em desenho animado todos diriam se tratar de duas maçãs do amor. Sentia uma vergonha danada de não se conter diante de sua companhia, uma mulher gigante. A verdade é que se sentia pequeno demais perto dela. Muito dos desentendimentos entres eles talvez fossem devido a essas privações que ela lhe causava.

Não se sabe se por excesso de cuidados e zelos ou culpa pela ausência destes. Ela sempre o tratava como um inútil. O deixando em um progressivo estado de diminutivo. O que sempre o aborrecia, afinal ele sabia muito bem escolher suas próprias roupas. Era meio desorganizado, mas era seu estilo. Além de ser completamente capaz de amar sem demonstrações constantes. De manhã afirmava ser seguro disso, a tarde discordava de si e sentia que era limitação mesmo. No entanto gostava de fingir que não e por vezes se convencia provisoriamente. Só que a despeito de todos esses encolhimentos ela era a única capaz de esticar sua coragem. Isso em um único toque que o embevecia do mais aconchegante e profundo conforto. Ele poderia ficar horas em seus braços hábeis em construir paraísos e sonhos encantados, largado em seus abraços “redomares” adormecido nos peitos de leito, sonolência sempre cortada com um beijo no final.

Ele sabia que era ela, a crescida de tudo, a de beijo doce, quem lhe dava força nesse redemoinho de sensações grandes. Mas ainda assim não podia deixar de sentir o mundo a sua volta. Rodopiando e girando como se não tivesse estômago. Seus pensamentos afrouxados de tontedão desgrudavam de sua mente em palavras sem força de voz:

— Esse mundo não come, ele não enjoa. Esse mundo não pensa. Esse mundo só roda e roda e nauseia.

Não gostava de sentir as oscilações do ambiente. Elas sempre refletiam-se em seus sentimentos. Sabia que quando se descontrolava espirrava insatisfação nos outros. Não era vírus o que ele temia lançar nesses movimentos convulsos. Mesmo que o nojo, murcho na comunhão do reflexo, sujasse as mangas da guardiã da sua vulnerabilidade. Isso pelo contrário até o comprazia: ver o total desprezo com que ela tratava tudo o que era ceifador de seu amor. Jamais vira algum reflexo de asco nos olhos dela. Diante das mais miseráveis imundícies de seu corpo ou transgressões de sua alma, ela sempre o olhou como a mais pura natureza, fonte do maior asseio.

O que ele temia de polpa e caroço, de bagaço, de fruta inteira, mesmo sabendo de todo o poço de compreensão que estufava sua amada benfeitora, era jorrar tudo que estava consumindo seu interior. Tudo o que não havia sido digerido direito. Era pavoroso demais cogitar a possibilidade de derramar em jorros frenéticos toda a porcaria que ele havia desfrutado as escondidas. Ele a tinha desrespeitado. Não se via digno de amor tão incondicional. Seu amor visceral por coisas estúpidas havia cometido sua carne de prazeres capitais. Andou “comendo” fora de casa. Havia rompido o laço da confiança? Se o erro ficasse guardado com ele não, era o que imaginava.

O descontrole começava invadir seu corpo magro. Sabia que não seria possível conter seus impulsos dilatados − que já alcançava normalmente proporções respeitáveis. Nesse instante não saberia dizer o que prevalecia em sua vontade:  se o desejo de mentir e prolongar aquele momento infernal, que paradoxalmente permitia a continuidade de uma felicidade intacta e ainda lacrada,em total suspense ou libertar toda podridão que o inchava de não poder mais respirar.

Em um transe de dor, conseguiu alcançar por instantes uma espécie de projeção astral alçada por meio da voz encantadora da mulher sentada ao seu lado. Aquele timbre cessava sua respiração e com ela a vida e a dor, propagando o alívio no compasso e ritmo daquela fala analgésica:

—Meu amor! Você está se sentindo bem? Diga. O que foi? O que você tem?

Sua voz era tão terna e seu olhar tão triste, que parecia sentir por telepatia todo aquele sofrimento. Mas ele era esperto demais, não se entregaria tão fácil. Ficou calado. A boca era o limite da sua impureza, o único estanque da larva azeda que o enchia de culpa. Não pôde dizer nada. Seus olhos em uma tentativa desesperada de ser boca pronunciaram lágrimas de vergonha. Ele, no entanto, em um movimento mais rápido que a emoção desgarrada, furtou-se da exposição. Antes que a mulher grande, sentada ao seu lado, pudesse ter visto esse grito derradeiro, já havia se virado para o outro lado. Seu desespero ficou novamente suspenso quando sentiu as mãos dela procurando as suas. O calor febril que vinha delas amornou seu corpo gélido de morte. Outra vez ela lançou seu canto de sirena:

— Que mãos frias! Dê elas aqui. Nossa que gelo. Está melhor? Querido? Hum?... Tá esquentando?

Ele fez que sim com a cabeça. Mentiu, ele sempre mente. Não sei como nunca perceberam. Seus olhos sempre ficam vazios quando mente. Mas dessa vez mentiu, por sentir que não estava de todo mentiroso. Realmente sentia um presságio de melhoras e adiantou-se a sensação. Emocionou-se quando percebeu que após esse primeiro momento de angustia foi capaz de ver mais longe. De sentir mais forte. De ver brilhar as luzes acima, abaixo e para todo lado que olhasse. Estava feliz, nem se lembrava mais de seu martírio hiperbólico ou de sua felicidade eufêmica. Não se lembrava de si ou dos outros.  Por hora todos pareciam pequenos demais, simples demais. Mais lhe pareciam bonecos de plástico, fáceis de brincar, comuns, sem detalhes, todos iguais, do que os titãs de antes. Ao menos de onde estava não conseguia notar as diferenças que tanto o encantavam antes.

Não entendia. Por que havia se aprofundado tanto em tudo? Para que havia permanecido tanto tempo lá embaixo onde o barulho é mais alto, onde a realidade é grande e onde a vista tem mais obstáculos? Agora se sentia bem melhor. Estava na superfície. Estava na epiderme da existência, queria o contato mais agudo. Ali os sons eram como lembranças, a realidade era pequena e a vista era grande.

Não tinha mais medo de dizer o que queria. Mas não disse por que descobriu que não precisava, na verdade não se importava mais. Estava livre dele mesmo. Nem sentia o corpo. Não se lembrou de olhar para o lado. Não teve nem mesmo a curiosidade de saber como sua amada estava nesse seu novo momento. Ele estava mais seguro de si. Sabia que a amava em brisa constante. Sabia que a tinha a seu lado. De onde estava não tinha medo de ser abandonado. Podia sentir o amor dela por ele. As suas mãos. Sem precisar ouvir nada. O silêncio não o assustava mais. As palavras é que poderiam, talvez, perturbá-lo.

Essa sensação de estar distante de si mesmo, e ao mesmo tempo próximo, lhe pareceu coisa de alma. Não procurou entender melhor, estava bom assim. O mundo estava mais lento, tempo de quadro.

Num repente sua barriga começou gelar de novo. Sua visão, em vertigem, se expandiu depressa demais. Não conseguiu acompanhar a rapidez do infinito. Era como se estivesse caminhando para um penhasco sem ter o controle das penas. Não estava mais gostando daquilo. Olhou para o lado e viu, novamente, a mulher grande. Ela estava na mesma constância de pedra. Não esboçava o mínimo terror no rosto. Ele não a entendia. Apenas precisava dela como nunca precisou antes. Começou a apertar aquela mão, com dedos, anéis, palma e costas, alheia a todo perigo em volta. Ele a apertava como querendo acordá-la, chamá-la de volta a vida ou se contaminar de inércia. Mas calmamente a mão dela apenas o acariciava em uma cadência de ponteiro de relógio.

Sabia que não iria sobreviver a esse acontecimento. Cuidou de se despedir sofregamente de tudo do que sentiria falta. Percebeu que sentiria falta de tudo, até mesmo de sentir que estava morrendo. Chorou duas lágrimas silenciosas, sua dor mais parecia derramar pra dentro. E foi acumulando dor. Acumulando medo. Acumulando sentimento. Acumulando frio e suor. A concentração ameaçava romper seus limites nos últimos instantes de vida, e assim revelaria todo seu segredo e estragaria toda a memória que poderiam guardar dele, ou a expansão de tudo que ele era prometia engolir o mundo e dentro dele se fazer aberto, visível, e todos veriam seus segredos e intimidades. De qualquer forma estragaria a cria que teve de si mesmo.

A mulher do seu lado emergiu do transe que muito o sufocava. Havia se contaminado de inquietação. E como em uma maratona de revezamento, em uma troca de vigilante, o mundo voltou-se a ela, que era objeto até então. Era complicado para essa mulher compreender a decepção nos olhos dele. Ela havia feito tudo o que imaginou desejosa de agradar, ou ao menos de parecer agradável. Se suas boas intenções não se manifestavam em atitudes coerentes a suas vontades, a falta estava no hábito de esquecer-se de si. Há anos estava empalhada em si mesma, enferrujada não sabia como agir. É que sempre fora automática, amortecida de vida, mas acordara imersa em versão analógica, inteira manual.

Ela sentia que todo o amor que tinha dentro de si parecia não bastar para ele, mas fingia não ver aquele buraco negro ávido. Assim ia fartando-o de um imenso, fofo e leve algodão doce, esforçava-se em lhe dar uma vida em cor de rosa. Mas a saliva gulosa, daquela boca, derretia na velocidade de beija-flor todo aquele vazio feito de açúcar: “Como pode ser tão insaciável?”

Ela o amava, sem saber se isso era sentimento ou costume. Não estava certa se ainda continuava viva depois de tê-lo conhecido. Não conseguia desejar nada que não fosse para ele. Não desejaria, absolutamente, tempo livre se fosse para ficar longe dele. Sua vida havia se transmutado nele. Mas o mais impressionante dessa metamorfose é que ela ainda estava ali, existia. Havia se transformado nele, mas não era ele. O que diabos seria ela? De que substância seria preenchida? Afinal, ela havia saído nele, e o que restara para essa criatura que ficara?

Isso quase nem lhe interessava mais. É que ele estava ali do seu lado. O contato com a vidinha dele, mesmo que fora dela, a alegrava de pisca. Era até mais certa dele do que dela mesma. Sentia como se sua réplica ainda tivesse um vinculo transparente grudado nela. O amava com egoísmo de quem ama a si mesmo, o apreciava como um narciso debruçado sobre si.

Questionava-se em pensamentos anêmicos demais para se realizarem: “Como podia ser dois em um?” Era verdade, eles não eram um. Havia se esquecido de que já não eram mais, mas também sabia que não eram dois, preferiu pensar de objeto nessa situação.

Olhou pare ele com olhar de espelho. Arrepiava-se em tê-lo para si. Tinha a pessoa a quem mais amava no mundo. Rompendo os preceitos platônicos que não sustentam carne nem mortais, apertou sua mão ligando vida. Como o achava lindo. Seus olhos brilhavam como água em orvalho. Percebeu de súbito que tudo parecia crescer quando próximo dela e diminuir quando distante. Era abnegada. Não estava gostando de se sentir superior, egoísta, cheia de vontades próprias. Pensou consigo: “Será pecado? Serei eu?”

Engraçado como se sentia impar, sozinha e bastante de si nesse momento. Esqueceu-se do amor de osmose que a tomava por inteiros momentos antes. Estava sozinha de alma. Não queria mais nada. Mentira. Estava mentindo. Sim! Isso era certo para qualquer um que olhasse de fora. Em momento algum havia soltado a mão de seu par. Como se tivesse medo de se perder no vôo livre. Cansou de se ter. Queria mesmo era cuidar de seu pequeno amorzinho. Ele era o único que se encorajava nela. Gostava tanto de se doar. Doar-se a convencia de que era sim cheia de alguma substância secreta que havia ficado nela após a separação de tempos atrás.

O mais engraçado ou trágico era que a proximidade física entre ambos não garantia contato de alma, viviam em um planeta de mesma órbita, girando em torno de um mesmo eixo, mas eram povoados de realidades distintas.

Aí as engrenagens pararam. Mãe e filho desceram. E a roda gigante continuou.



Por: Tiago Paiva

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Trecho de "Noturnos - O Final Em Dez Capítulos"



(...) Quando caminhávamos pelo cemitério em dias de ventania, entre as lápides era só vento. Tudo era antigo. Até mesmo as fotos de criança envelheciam com o sol. Tudo era póstumo. Até mesmo nosso presente. Tudo era depois. Eles andavam querendo divertirem-se com os nomes esquisitos, apostando quem encontraria o morto mais antigo. Eu andava esperando encontrar o nome do meu pai em algum túmulo. Enxergar a foto dele. Conhecer o rosto que me negou de conhecer. Que há muito tempo foi queimado nos álbuns de fotografia. Nos porta-retratos são apenas dois. Ela e eu. Centralizados na imagem. Tentando inutilmente suprir o vazio que o segundo deixara desde o dia em que partiu para ser o primeiro de alguma outra mulher sem terceiro. Acho que fui um fardo pesado demais para ele. Sei que fui pesado demais para ela também, mas nunca falou. Ela nunca falaria. Mas eu percebia. Enxergava meu peso nas rugas de seu rosto. Cada calo nas mãos cansadas eram um pouco mais de mim que ela precisava suportar calada. Com falta de ar ela parecia mais triste, e tristes morremos mais rápido. Tristes, não passamos de fumaça em madrugada vazia. Por isso na noite em que ela se foi, tudo era frio. Tudo era fim. Tudo era tarde demais (...)


Por: Rimini Raskin

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Dos Livros e Da Vida


Leio teu livro favorito enquanto lembro de como tu me narrava até mesmo o cheiro que tinham as folhas e de como tua vida está ligada a essas memórias olfativas. Lembro também que leio por ter terminado um dos meus livros favoritos, aquele que termina da maneira que não gostaria que terminasse. Ainda que na realidade meu desejo era de que não terminasse jamais. Mas isso é bobagem. Assim como o medo da morte e o medo que poderia ter um dia de si mesma a própria morte. Estou longe de casa. - Defina casa como quiser... - Neste lugar que posso resumir a ventos que espancam janelas, TV a cabo de cabos escondidos e uma poltrona cor de carne onde leio os termináveis romances favoritos. Os meus, os teus e de milhares de outras pessoas que em nada nos importam. Mas a verdade é que não aguento mais comer pão com presunto e queijo. E que sinto saudade de perfumes e cheiros que não sejam os das folhas amareladas de Camilo Mortágua e Otávia de Cádiz. Sinto também, mas só as vezes, que a loucura é uma constante pronta a me surpreender em cada esquina e todo espelho emoldurado ou não. Existem noites e noites como essa. Como essa em que o sono se confunde com o sonho que por sua vez se confunde com o filme que passa na TV. Existe a noite e a noite em que nada existe. E nessas noites em que nem eu existo, me digno a escrever fantasias e desenhar quimeras em minha memória de quem não está. - Quanto se pode deixar de viver? - Já não insisto. Chega, enfim o dia ... Ou seria outra vez a luz do banheiro com sua porta que abre sozinha? - Eu, dessas coisas não sei. -


Por: Rimini Raskin

Marooned




Existe algo de bucólico em quartos de hotel. Algo de imaginativo e alucinógeno. De certa forma há algo de hotel em cada quarto. Mesmo quando faço a barba e o sangue não escorre. Mesmo quando os passos do apartamento vizinho me incomodam. Mesmo assim ... - Tenho uma vista linda para um mar que em luto sussurra sua presença líquida e poderosa salgando aos poucos a areia de toda madrugada. Me debruço sobre pensamentos que pouco me valem nesta casa bastarda. Abandonado do meu mundo de lugar nenhum. Livre para cerrar os olhos e por alguns instantes escutar histórias indiferentes sobre vidas diferentes .... - Quantos antes de mim devem ter deitado nesta cama? Quantos tocaram esses objetos que hoje manuseio com sentimentos de posse? - Seguramente algum casal um dia se amou um pouco mais entre essas paredes que muito provavelmente verei pela última vez em algumas horas. Venta tanto lá fora  que os corredores parecem possuídos por espíritos eólicos que precedem a luz do sol. Me perco no que me dizem os uruguaios na TV. Me perco mas não evito o riso ao constatar que suas galinhas falam o mesmo idioma que um dia também falaram as minhas. E é engraçado como a infância ocupa um espaço grande na memória de pessoas melancólicas. Vigio desde a minha janela o prédio vizinho. Observo as luzes, as sombras e os assombros de perceber que esta noite, ao contrário de todas as outras, não me pertence. Nem mesmo a ponte que me persegue parece me pertencer de forma convincente nesta noite-oposta-a-noite. - Afinal, quantos rios existem na vida? Quantos ainda devo cruzar para que me livre do primeiro, o da minha infância e primeira adolescência? - Pois por mais que eu tente, ainda não é fácil me despir da culpa de me sentir feliz. É como uma chaga, uma marca feita de fogo, visível apenas aos olhos dos meus. Não espero que me entenda agora, porque sei que depois que as luzes apagarem no teu momento de solidão, inevitavelmente concordará sobre existir sim algo de bucólico em quartos de hotel. Algo de passado mal resolvido. Algo de saudades muito bem explicadas.


Por: Rimini Raskin

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Mãe


Mãe, existe um lugar que eu gosto. Lá tem uma praça com estátua e tudo, mãe. Tem criança que posa pra foto e namorados que riem alto depois de cada beijo. Mas tem moça solitária também, mãe. Uma que segura o telefone como quem espera uma notícia de morte. Mas, mãe, também há um velho que segura o joelho direito com as duas mãos. E um cachorro querendo abocanhar os pombos -- como o Faísca aquela vez, te lembra, mãe?... Tem um rio, um muro e lugares para tomar café. E também existem, imagine a senhora, muitas mães, mãe. E nenhuma como a senhora. Mas as nuvens são negras e a espada da estátua parece pronta para rasgá-las a qualquer momento. Sinto saudades de coisas das quais não sei o porque, mãe. Te olho aqui do meu quarto e não consigo atravessar a porta para te dar um abraço. Talvez porque nada disso exista, mãe. Ou talvez porque nenhum de nós precise agora senão de um olhar.


Por: Rimini Raskin

Benjamin C.

Tristeza.
Amargura.
Pesar de uma vida fracassada.
Pesar desta morte que, fatalmente, será também fracassada.
Como não lembrar uma última vez da época em que eu sonhava com a minha morte?... Da época em que eu a queria bela, nobre, condicionada a altos valores?...Como deixar de me lembrar daquele tempo, na Avenida Ingres, minha cabana, depois mais tarde, já homem, quando eu procurava razões para morrer como se procuram razões para viver? Daquele tempo em que eu queria dar um sentido à minha morte tanto quanto um sentido à minha vida? Sim, como deixar de lembrar do tempo em que estava pronto para morrer contanto que fosse lutando, em pé, afirmando alguma coisa imperecível?
Hoje, nada. Nada senão uma morte por nada, à imagem de uma vida por nada.
Nada senão uma morte insensata, à imagem de uma vida privada de sentido.
Nulidade, nada senão nulidade, após uma vida inteira a serviço da nulidade.
E ninguém para me prantear; ninguém para lamentar minha perda; ninguém por quem morrer; ninguém até para saber que morri -- e meu corpo encontrado um dia, por acaso.
Morre-se como se viveu: circunstancialmente, como um cão.

Contudo, resta este texto.
O resto dessa vida sem resto.
A única coisa que deixo, eu, que nada deixo.
Meu primeiro texto.
Meu último texto.
Este texto em que, durante quatro noites sucessivas, tornou-se para mim uma mortalha.
Esse texto em que falei de meu pai e minha mãe, do diário dela, de Paradis e de tio Jean.
Que vou fazer dele?
Que posso fazer dele?
Queimá-lo? Destruí-lo? Enterrá-lo? Levá-lo comigo? Deixá-lo aqui, sobre esta mesa -- e aconteça o que acontecer?
Uma outra coisa talvez...
Uma última ideia...
Uma ideia absurda, eu sei -- porém não mais do que toda essa comédia a que, durante quarenta e dois anos, eu me prestei.
Esta ideia é que bastaria um homem, um só homem, uma só memória de homem...
É que basta um cérebro de homem, mesmo estéril, mesmo mudo, para, face ao mundo, face à horda...
Não é uma remissão. Não é uma esperança. Mas sem dúvida tampouco é o acaso que colocou, anteontem, esse homem no meu caminho...
É tarde.
Está em tempo.
Está na hora de partir -- como está dito, como está escrito: com medo de que o dia volte.
Agora, morrer depressa. Sem grandiloquência nem cerimônia. Sem toalete fúnebre nem palavra final. Morrer como se dá um passo em falso.


Assim se encerra a confissão de Benjamin, tal como veio ter às minhas mãos um dia em Paris, sem outra explicação. Tudo ali estava. Todas as pistas do caso. Todos os fios entrelaçados.Todas as indicações que, dispostas em desordem, iam me permitir refazer o curso de uma existência de que, aparentemente, eu fora uma das últimas testemunhas.
Na verdade não faltava senão a expressão do último ato -- aquele corpo que, misteriosamente, jamais foi encontrado.


Por: Bernard-Henri Lévy 

Das Madrugadas Em Que Me Condenso e Não Convenço




Faz tanto frio. Tanto frio quanto insônia dessa madrugada. Tanta madrugada quanto frio...e insônia pelo frio da madrugada acordada. Faz tanto que não sofro tão pouco. Mas faz pouco, isso sim, que não durmo o tanto que deveria dormir. Tenho as mãos tão geladas que não encontro coragem para me tocar a dias. E se não me toco, como poderia tocar a música que imaginei?... Sinto medo pelo vão da porta. Um medo pelo silêncio do escuro. Sinto pena. E se sinto, é porque hoje é meu aniversário. Quero os óculos escuros de Andy Warhol e o poder de me fazer morrer ao contrário sem ter que me sentir uma lata de sopa de tomate. Quero um trampolim para o próximo passo. Serão três longos meses. De espera. De desespero por antecipação. Preciso de alguém que leia minha mão. Que diga que minha linha da vida não é de um todo interrompida. Leio esse livro a mais de um mês. Degusto devagar as palavras e a sensação de ser um peruano tão parisiense quanto qualquer parisiense da Paris de maio de 68. Já não busco senão a mim mesmo. Qualquer um desses me serviria. Como um garçom de memórias da minha própria vida. Estou impaciente com toda essa agitação subterrânea/subcutânea. Estou porque sei. Sei que sob meus pés os vermes ensaiam guerras sangrentas e invisíveis ao olho nu. E por isso acredito que nossos governantes tenham sido ótimos em biologia. E por isso acredito na dor de dente que sinto. O gato corre sobre a casa com elegância maior que o que cai por entre as telhas em dias de teimosia. Os cães estão mudos. Talvez seja o frio que lhes trave a garganta. Assim como acabou por travar para sempre a vida do pobre andarilho na madrugada passada. Ainda que para sempre não exista senão para a estupidez. E o que importa se sou eu quem sente ganas de latir por toda angústia na casa do lado e na outra e na outra que assim como na minha, também se angustia com todo silêncio dos que dormem para descansar?. Não se incomode pois não me importa se faço sentido. Não se incomode pois não me importa se te incomodo. Não me incomoda tua visão de talento. Apenas me importo em ser verdadeiro até mesmo nas minhas mais sórdidas mentiras. Por fim. Feliz aniversário pra mim. Que mesmo com vinte e quatro capítulos ainda não consigo completar um livro que valha a pena ser lido...senão vivido.

Por: Rimini Raskin

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Sobre a mecânica nos espíritos da escrita



Acho que a mecânica à qual tu te referes é na verdade minha tentativa de criptografar a naturalidade. Com certeza o emocionalmente natural é sempre mais tocante, mas esse texto em especial não deveria ser tratado como um desabafo, ele é um devaneio, uma visão de final de madrugada onde o sono e o sonho se confundem e nos confundem de maneira que nem tudo o que parece ser é, e nem todo aquele que se diz algo, necessariamente diz algo.




Por: Rimini Raskin

Sobre o Eterno, o Nada e o Infinito!





O "infinito" é abstrato, na verdade ele é como o "nada", não existem senão em palavras. O "eterno" completa a santa trindade do imaginário. Nenhum deles me serve, apesar de não conseguirmos fugir deste conjunto de fatores. Ao nascer, o Infinito são as possibilidades, o nada representa a vida e suas frustrações adquiridas ao longo do tempo; e para completar, eterno é o silêncio da morte! Real? Imaginário? Pouco importa. Afinal, o que me interessa de verdade são as experiências e não os seus motivos!




Por: Rimini Raskin

Assim sendo





Todos nascemos livres e assim o fomos por bem pouco tempo. Desde a primeira infância com as ordens dadas por adultos, que censuram e moldam nossa natureza à seus próprios ideais. Depois a adolescência, fase em que a consciência nos toma de assalto e que novamente nos moldam e podam com discursos de que não sabemos nada da vida e que tudo não passa de uma fase a ser superada, uma rebeldia sem causa. Mas tínhamos uma causa, nobre e infinita, retomar nossa natureza roubada. Selvagem e desregrada, mas sincera como as chuvas. Nos tornamos adultos, amadurecidos à força, descontando nossa frustração em nossos filhos, criando a nova geração de controlados e desacreditados intelectual e sentimentalmente. Partindo dessa idéia, fica fácil entender os avós que fazem todas as vontades dos netinhos, tudo não passa de remorso, uma maneira de compensar o dano que provocaram nos próprios filhos, que por consequência criticam sua forma de tratar os pequenos. Tudo não passa de um grande ciclo de frustração, vingança e arrependimento. Uma prisão de sentimentos que nos mantêm escravos à valores seculares, criados única e exclusivamente por mentes que pretendiam a criação do "homem rebanho", uma raça frágil e desequilibrada, as ovelhas que se permitem ao abate sem resistência. A saída seria, talvez, nunca perdermos a consciência do gigantismo de nossa pequenês. Sermos eternos deuses-crianças, donos de nossas verdades, soldados de nossa própria natureza.




Por: Rimini Raskin

Sobre o que não sei ao certo


"Perdemos um bocado de alma durante o percurso.
E não raramente, me pergunto onde foram parar determinados sentimentos.
Me esforço em lembrar e desejo com força!
Por vezes até acredito que certas partes de mim foram levadas embora no peito de outros.
E não há uma vez sequer em que não torça para estar enganado.
Para que um dia, quem sabe, as encontre no fundo de uma gaveta, 
intactas, 
esperando para serem resgatadas com um sorriso de "Ei, por onde andavas tu que a milênios não via?"

Por: Rimini Raskin

Conselho de um velho safado



Se vai tentar
siga em frente.

Senão, nem comece!
Isso pode significar perder namoradas
esposas, família, trabalho...e talvez a cabeça.

Pode significar ficar sem comer por dias,
Pode significar congelar em um parque,
Pode significar cadeia,
Pode significar caçoadas, desolação...

A desolação é o presente
O resto é uma prova de sua paciência,
do quanto realmente quis fazer
E farei, apesar do menosprezo
E será melhor que qualquer coisa que possa imaginar.

Se vai tentar,
Vá em frente.
Não há outro sentimento como este
Ficará sozinho com os Deuses
E as noites serão quentes
Levará a vida com um sorriso perfeito
É a única coisa que vale a pena.





Por: Charles Bukowski

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Talvez não seja por falta de coragem, mas alguns cães preferem a noite para se fazerem mais cães. Parte II


Toda noite a noite soa como deve soar. Mais ou menos como a voz do Lou Reed riscada com angústia química no banco do ônibus as três da madrugada. Na volta pra casa, no meio do nada. Mais ou menos como o velho bêbado que mal suporta o peso da própria desgraça sobre as pernas bambas de vodka barata. Garrafas são quebradas em um lugar mais próximo do que imagino. Gritos ao longe soam como animais em uma selva em busca de presas. Ou apenas como crianças celebrando os instintos mais sujos que a luz do dia sufoca. Prostitutas enfrentam o frio, esforçam-se para controlar o queixo que teima bater em desespero de abstinência e temperatura negativa. Não fossem as poças de lama e os caminhos de terra, talvez, apenas talvez, essas estradas me levassem à um lugar comum. Desejo cruzar a ponte, não por essa noite, mas por todas as noites que existiram antes dessa. Desejo olhar o rio engarrafado por dragas carregadas da areia suja que um dia construíram minha casa. A mesma sujeira que imundiciou minhas mãos e todos os corações dessa cidade imunda separada da vida pelo rio. Se canto, canto pela dor que o mundo constrói, pela fome de amor sadio, pela liberdade pintada no muro branco do bom cristão, pelo vizinho que chama a polícia, pela própria polícia chamada, pelas famílias quebradas e coladas com a durex dos bons costumes. Pela farça, pela sujeira maquiada no rosto das senhoras, pelos preconceitos velados na mesa de jantar. É por isso que cantava quando afinal caiu a noite no mundo e com ela a brutalidade dos desejos ocultos. Com ela os agentes secretos do pudor e do politicamente correto calaram. Com ela nasceu o pecado da língua. E o fogo que queima no peito do jovem transbordado e no velho cansado que descobriu cedo demais a própria moléstia. Com ela caiu o álcool e os cigarros. Caíram todos os que morreram cada dia mais e mais em uma jaula de trabalho. Caíram os poetas e os vagabundos. Caíram os bandidos sujos e os criminosos do pensar. Caiu toda nossa vergonha. Fizeram-se os cães escondidos na alma do cidadão comum. Lá fora a noite arde e quero também arder com ela. Com ou sem Lou Reed no banco do ônibus, com a voz que ativa a bomba dos meus irmãos abastados e bastardos de um pai que não seja o vício. Quero olhar no fundo dos olhos de quem me ignora e gargalhar de insanidade. Compensar todo esse vazio no peito de alguém disposto a me dar um cigarro, um copo ou o corpo. Preciso esquecer do dia de cão na calçada escolhida. Preciso voar. Longe de casa. Perto de mim. Preciso encontrar quem eu fui antes de terminar com as pernas fracas pela doença do final das horas.

Por: Rimini Raskin

domingo, 14 de agosto de 2011

Luxúria (Repostagem Corrigida)


Adoro-me quando não os escuto.
Embebido na ideia de que em uma mente sem consciência reside a melhor estrada para os sentidos.
Amo-me, especialmente quando o álcool guia meus passos entre todas essas silhuetas insinuantes de começo de noite e final de esperança.
E lá estão vocês, em perfeita oposição à tudo que me habita.
Não que isso nos importe, afinal, essa noite algo nos une, não é verdade?
Algo mais forte que qualquer diferença, e mais simples que qualquer desejo.

Adoro-os quando não os escuto. É sinal de que suas línguas estão ocupadas.
E se ainda não me escuto, é porque suas línguas estão ocupadas com a minha língua.
Peço-lhes que encarem o fato de que nossas mãos possuem um compromisso sagrado com nossos corpos, um laço de sangue e suor.
Assim, creio nunca ter desejado tanto não os escutar como nesta noite.

Juntem-se a mim na missão de não darmos nomes a nossos prazeres, socorram-me no caminho dos desejos onde não se limita o paraíso à apenas uma palavra.
Agarrem suas culpas pela garganta e guardem-nas para uma outra vida.
Percebam como estamos tremendo e permitam-se admirar a maravilhosa forma que o sorriso ganha no rosto de alguém que acabou de experimentar uma pequena morte.

Esqueçam as teorias sobre o céu e o inferno que lhes foram ensinadas na infância, esqueçam de tudo que não seja carne, saliva e sussurros.
Levem-me pela mão, acolham-me em seus braços, recebam-me em suas camas. Entrelacemos agora nossas pernas, tornemo-nos um.
Silêncio! Não os quero escutar. Calem minha boca com suas bocas e sintam!
Sintam como o universo se revela tão simples ao usufruirmos de toda arte que nos cerca.

Descubramos juntos que não há prazer maior que matar a sede de um corpo sedento. Não importa a sede, apenas matem-na. Por favor matem-na em mim.
E quando já estiver morta, lhes imploro que matem-na de uma nova morte sem fim. Purifiquem-me pelo desejo. Façam-me acordar ainda sentindo o gosto do pecado de suas peles.
Aprendamos juntos que não se pode queimar uma língua feita de fogo.
E fechemos os olhos acreditando que o amanhã se consumirá na revelação de um dia que jamais existiu.


Por: Rimini Raskin


sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Olfato


Olhar não quer,
Talvez não possa,
Mover quiçá,
De encontro à costa.

Há vida na espuma da onda,
Cheiro de sal, peixe e destino.
Popa, proa e castigo,

Há cheiro de amor...

...De amor e...

...De amor e só isso....




Por: Rimini Raskin


*Foto da fantástica fotógrafa americana, Mary Robinson.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

O peso de quem já tão leve aprendeu a voar


Estremeço diante destes olhos já quase cegos pela catarata que me observam sem olhar.
Sei que enxergam além de carne e ossos em um mundo de criaturas cujo alcance se limita à distâncias obtidas por meio de sentidos carnais, e isso é o que mais me atormenta e fascina nos dedos magros e atrofiados pelo reumatismo que em vão escondem muito mais do que só sujeira sob as unhas compridas e mal cuidadas. Transbordam histórias de amor e trabalho duro vivenciados em tempos onde minha existência sequer imaginava existir.
O corpo fraco que se assemelha a um embrulho de ossos frágeis e músculos ausentes recobertos por folhas de papel manteiga amarrotado me transtorna como um calafrio ao imaginar-me em um retrato futuro.
Quanto deve esta alma ter acreditado e se desiludido com os dias que traziam na bagagem a noite em ciclo doloroso?
E hoje, como em uma festa onde os convidados não receberam o convite, ela veste a melhor roupa da adolescência para erguer uma taça vazia em um caloroso brinde à solidão e à loucura.
Tudo isso sem sair do meu lado, de boca e olhos fechados, solitária neste banco de ônibus.


Por: Rimini Raskin


terça-feira, 9 de agosto de 2011

Talvez não seja por falta de coragem, mas alguns cães preferem a noite para se fazerem mais cães.



O álcool vermelho ainda repousa no fundo da taça quando minha cabeça maquina frases convulsas carregadas de significados disléxicos e ritmologias sintéticas de início de madrugada e fim de chama de vela; A última do pacote, a vela amarela, a luminosidade que acredito e credito como a do fim da vida. Em algum lugar alguém faz sexo sem paixão, outro se droga em uma cela que chama de sala onde um terceiro um dia usará para jantar. Vou até a sacada e a cidade inteira parece correr em fluxo interno. Sob os bueiros todo o resto da vida comum se arrasta em direção ao rio. Poderia ter te olhado uma última vez e não fiz. Uma sirene rompe o som sepulcral do silêncio dos moribundos, possivelmente um ataque do coração ou uma abordagem policial afim de manter a ordem no vazio. Suspiro e vejo minha alma virar fumaça em contato com o ar gelado da madrugada. De repente seja isso. Somos todos criaturas invisíveis esperando o inverno para nos tornarmos algo um pouco mais físico, para nos tornarmos carnais, ainda que intocáveis como o vapor. Hálitos de uma dor ainda maior. Os cachorros destrincham o lixo atirado nas ruas, brigam por nossas migalhas, um deles me olha e é como se lesse minhas aflições. Corre, corre com a força de quem foge da morte antes que a encontre nas rodas de um carro na próxima esquina. Volto para a mesa e bebo o vinho repousado. Lembro que alguns casais apelam para a ciência e geram seus filhos em um laboratório, dentro de uma pipeta. Comigo não é diferente. A embriaguez é minha cria, um filho in vitro que passei a vida lutando para que não se tornasse meu pai. O piso estala de frio, as coisas ganham ruídos surdos de desespero e por alguns instantes esqueci do toca discos girando no nada. Tocando a melodia secreta contida no espaço negro e liso e infinito que só os bêbados tem permissão de desfrutar. Não há comida no prato esmaltado sobre a mesa. Não há fome no corpo encostado sobre a mesa. Tão pouco há mesa senão um móvel encostado sobre. O toca discos me incomoda. Vendo meus olhos com a mão esquerda. Com a direita escolho um livro na prateleira branca de pés toscamente serrados. Escolho uma frase. A frase me escolhe.Nada me diz. Tudo me revela. E a vela que segue amarela me serve agora de lanterna para o segredo das luzes do alvorecer. Bebo um gole, e outro e mais um que assim como o primeiro também é um gole de sede e de necessidade paterna. Deito-me cansado, sem sono. Sem vontades de. Com desejos de muitos "ses" e "des" que nem o velho Hermann conseguiria explicar em um lobo que ao mesmo tempo são cem, mil. Com a cera desenho meu destino antes que o fogo abandone o corpo. No apartamento ao lado as crianças acordam. Imagino estarem revoltadas com a aula de sábado. Assim como na minha infância também a amaldiçoei. Meia garrafa e dois comprimidos de meio grama cada. Um cigarro amassado. O último. Um olhar apagado para a rua nublada de começo de vida. Não da minha. Mas daqueles que a ousaram enfrentar.


Por: Rimini Raskin

domingo, 7 de agosto de 2011

"O Diabo na Cabeça" de Bernard-Henri Lévy


Na sinopse original o livro é descrito como:


"A investigação sobre a vida misteriosa de um certo Benjamin C. revela uma complexa personalidade que reúne em sí todos os segredos e paixões da humanidade.

Bernard-Henri Lévy, eminente filósofo representante da nova geração de intelectuais franceses passa a romancista. E constrói uma trama fascinante que engloba mais de quarenta anos de tumultos e conflitos ao fim dos quais o diabo sempre vence. Usando como pano de fundo as maiores catástrofes do século atual (séc. XX) Lévy manipula em O Diabo na Cabeça personagens que são meros joguetes nas malhas da história."


Mas para mim o livro tem um significado ainda mais oculto e representativo. É o retrato de toda uma geração criada entre um furacão de novas idéias e tendências e a consequência poética, mas não menos catastrófica, que isso causou na geração do pós-guerra e que consequentemente alcançou à mim mesmo mais de quarenta anos depois.

As inquietudes e a rebeldia quase sempre intrínseca porém mal direcionada, ou direcionada a todos os lados, as fugas pela literatura, o cinema, a arte de vanguarda, os excessos e a auto-destruição iminente e frustrante, ainda que inocente.

Tudo isso é Benjamin C., tudo isso sou eu, e ao mesmo tempo não posso afirmar ou negar nada que nem mesmo meu próprio espírito refletiu e ainda reflete.

Os depoimentos de familiares e pessoas próximas, todos tão certos de sí mas tão falhos em relação à realidade do ser em questão.

As mentiras, as ideologias disfarçando o egoísmo pessoal, todo o falso romantismo dos atos que encantam os olhos alheios dispostos à uma aventura e igualmente suficientes para angariar inimigos que hoje olham com desdém para o objeto que já representou o motivo de seu ódio e inveja.

Sendo tudo isso coroado com um relato, também falho, do próprio Benjamim C., em uma carta onde para desatar nós sobre sua vida acaba por criar outros tantos.

Realmente uma obra a ser lida por todos que sentem dentro de sí a existência de uma força maior, um "diabo" que dita direções adversas e caóticas, muitas vezes até cruéis e de extremo egoísmo.

Mas que no fundo, não passam de consequências impostas à mentes que como diria Oscar Wilde "(nasceram para) Viver, enquanto a maioria apenas existe!


Por: Yuri Pospichil

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Sobre a Vulgaridade Sadia da Felicidade e a Tragédia Poética da Tristeza


Lembro bem do dia em que toda essa explicação acerca da vulgaridade sadia que pessoas felizes exprimem se desenrolou na minha mente. Era uma tarde, lembro bem desse fato pois estava em um ônibus que fazia a rota centro-bairro em Porto Alegre e sentia sono, sinais típicos de uma volta para casa após um dia de trabalho entediante e nada produtivo. Mas esses são detalhes, o fato que gostaria de narrar foi o que acabou dando origem a toda essa teoria (não que ela se baseie sobre um único acontecimento) e que acabou por elucidar algumas dúvidas e explicar certos comportamentos que me acometem desde que me dedico ao ofício de escrever. Pela janela minha visão se perdia entre carros que passavam lentamente quando enfim se livravam do engarrafamento, até que pousei minha atenção no canteiro central da Av. Assis Brasil onde uma moça muito jovem aproveitava a lentidão do trânsito para vender suas bergamotas aos motoristas cansados e estressados com tanta demora. E em meio a sorrisos, gritos, giros, pulos e danças despretensiosas, a jovem vendedora aproveitava para se divertir entre tanto caos urbano. Logo a cena mandou meu sono para bem longe e despertou o duende que liga os motores da imaginação. Seria possível tanta felicidade mesmo com toda essa bagunça de buzinas e fumaças negras que abandonam os escapamentos?
Logo depois pego-me olhando as expressões de outros passageiros que assim como eu acompanham a vendedora de bergamotas gritar sorrindo enquanto se diverte bailando nos espaços entre uma janela e outra dos automóveis.

- Quanta vulgaridade!
Comenta uma senhora para a amiga sentada ao lado.

Sinto ganas de rir, mas me contenho.
Afinal é isso! Isso é o que muitos não entendem e que eu mesmo não entendi por muito tempo, que toda felicidade é vulgar, irracional e finita como a chama de uma vela. Então por que perder tempo procurando explicações sobre as raízes do que nos deixa feliz? Por que continuamos com essa mania ridícula de querer explicar tudo o que nos acontece? Sempre guiados pelo medo da frustração, da decepção e da perda. E enquanto usamos nosso tempo para julgarmos a atitude alheia, a jovem que sorri e dança em pleno dia nos dá uma lição de como os bons sentimentos devem ser tratados. Não é o ato de dançar insinuantemente no meio da rua que desperta o julgamento amargo dos presentes, é a felicidade em estado puro que angustia e instiga a inveja naqueles que não se permitem apaixonar-se pela própria vida nem que seja por um instante. É bom ressaltar também que é sabido que até a paixão mais linda carrega em si uma carga grande de dores e aflições, nos eleva e rebaixa a níveis extremos, fazendo de nosso peito um canteiro de obras para um misto de magia, dúvidas e incertezas, por isso não confunda versos apaixonados com versos felizes. Obter profundidade e felicidade na mesma sentença é uma missão que enxergo em poucos pra não dizer em ninguém, e divido da opinião do velho Hemingway quando escreveu que encontrar felicidade nas pessoas inteligentes é uma das coisas mais raras que existem. Ver a felicidade escapar é o preço a ser pago por aqueles que param para pensar sobre os motivos ao invés de viverem com intensidade os momentos em que esse sentimento se faz presente.
Já em contra-partida a tudo isso temos a tragédia poética da tristeza, a profundidade filosófica da solidão dos homens, principais motivos pelos quais um escritor se sente tentado a escrever. É inegável o fato de que toda forma de arte baseada na loucura ou na sobriedade ou até mesmo nas angústias comuns ao ser humano recebe automaticamente mais atenção e credibilidade. Não só pelo fato de abordarem sensações e situações comuns a psyche transtornada, mas por realmente tratarem de temas com profundidade e grande relevância para aquele que procura explicações para suas dores. Eu escrevo melhor sobre a tristeza, escrevo mais honestamente quando estou triste e isso não é admitir incompetência senão aceitar o fato de que eu prefiro aproveitar meus momentos de felicidade para viver com mais intensidade. Talvez toda a inspiração e beleza que exista nas minhas linhas mais escuras, tristes e angustiadas, sejam frutos das experiências felizes a que me entreguei com verdadeira leveza e despretensão.
Mas não me entendam mal, não estou aqui defendendo o triste, apenas dissertando acerca de uma teoria que se aplica constantemente a minha vida e que se reflete no meu ato de escrever.
Acredito em linhas honestas, o que não quer dizer que devam ser reais. Ousar escrever sobre os sonhos é ousar escrever o destino. E mesmo que não consiga prevê-lo, é função do artista construir um futuro onde a imaginação ocupe um lugar de destaque.


Por: Rimini Raskin



Avec Tranquillité


O quanto devo eu ter esquecido durante tantos anos?
E quanto ainda devo lembrar do que me foi ensinado em tempos de que não me recordo?
O quanto realmente acredito em tudo isso?
E quanto deveria eu crer no que agora me ensinam?

Sinceramente, não sei.
Mas se há algo em que encontro certeza, é o fato de que ainda existe muito a ser feito.


Por: Rimini Raskin

sábado, 23 de julho de 2011

Para um peito menor que as aflições


Lembrai que não há noite que não possa conhecer a luz
ou luz que não sucumba ao peso da escuridão.
Lembrai também que nem todo tormento do peito é eterno,
assim como tão pouco o riso de infinito se veste nos momentos de celebração.
Pensar em si mesmo é questão de ser sábio e não um sinal de egoísmo.
Improvável e impossível só existem em um mundo de vontades fracas,
E toda força do universo reside no perímetro entre teu corpo e tua mente.
Não se trata de crença, culto ou religião...
Trata-se de sentir dentro de si uma força tão devastadora
que por vezes parece que vai nos destruir o peito.
Compreende-la e transforma-la em equilíbrio é tua meta.
Mas lembrai, principalmente, que para curar,
há primeiro que se conhecer a cura e aplica-la no próprio coração.

Por: Rimini Raskin

quarta-feira, 6 de julho de 2011

B.T. (música)


É diferente olhar o muro e já não ver vocês
Pisar as pedras de um caminho que já se desfez
O vento quente que anuncia a tempestade
Ainda sopra um relato do que aconteceu
E desenha as nossas formas na calçada
Esperando ouvir de novo os velhos planos
E todos os danos que ainda entre nós não se podia prever

Elvis cantando no rádio e um funeral
Outra garrafa de vinho até o nascer do sol
As fronteiras que cruzamos numa tarde
Com um mapa e a nossa imaginação
Escrevendo nossa história em toda madrugada
Esperando ouvir do outro os velhos sonhos
E todos os enganos que ainda entre nós não se podia crer

Tentar juntar o que sobrou
Da noite que do céu caía fogo no infinito
Lembrar é só o que restou
Depois de tudo que se viu, falou e foi escrito

Impossível não lembrar do que passou
Quando sozinho me pergunto como tudo isso acabou...

Nem fantasmas somos hoje
Nem fantasmas do que fomos


Por: Rimini Raskin





Porque existem coisas e pessoas que merecem ser lembradas!




sexta-feira, 24 de junho de 2011

Todo coração é uma célula revolucionária



Antes de mais nada peço que relembrem os tempos de escola, peço acima de tudo que relembrem o máximo de coisas que lhes foi ensinado durante os anos de suas formações. Façam esforço.
Depois de juntarem esses dados mentalmente respondam a si mesmos:

Quais dessas lições foram evidentemente úteis para sua vida prática ou formação intelectual?

Desde muito pequenos, desde muito antes da escola, desde muito antes de nossos pais e avós, temos sido manipulados e emburrecidos por um sistema de ensino religiosamente criado para a facilitação do controle mental. Desde muito tempo a visão e o discernimento são tratados como loucura ou genial loucura, não se enganem com o título de gênio, ele também foi criado para camuflar a verdadeira sanidade das palavras e da arte da maioria das mentes que ousaram enxergar através dessa cortina de fumaça criada com o propósito de disfarçar tanta sujeira e corrupção.
Cada vez mais os professores reclamam seus direitos por melhores salários, por melhores condições de trabalho, por um maior apoio à educação. Cada vez mais voltam de mãos abanando, esses mestres não são respeitados, eles não são valorizados, e por que? Pois mesmo que não me perguntem darei minha opinião. A grandessíssima maioria destes professores são crias do mesmo sistema que empurram goela abaixo em nossas crianças. Os que não o são, os que ousam pensar ao contrário e "alternativar" seus métodos de ensino acabam excluídos e sufocados por regras pré moldadas, regras que atam suas mãos e calam suas vozes. Ou seja, valem tanto quanto qualquer um de nós perante os olhos do "grande irmão"... NADA.
Longe de mim culpar os professores, se em algum momento você enxergar isso nessas linhas peço que pare de ler pois não entendeu nada. Nosso inimigo está mais acima, ele não tem um rosto comum, não tem um nome comum, são corporações, mentes em prol da miséria e da deseducação de seus "rebanhos humanos". Nos sugam, nos esmagam, nos amordaçam, nos mentem, nos matam. Em troco nos vendem entretenimento, uma TV com mil canais que repetem bobagens vinte e quatro horas por dia, estações que cospem inutilidades modais através das caixas de som e fones de ouvido de nossos aparelhos de rádio, tecnologias infinitas que nos separam em nome de uma suposta união.
Não temos culpa de fazer parte desse rebanho, não temos culpa de nunca termos tido a consciência necessária para perceber que o certo seria lutar, afinal não é culpado aquele que sente a injustiça mas não conhece o alvo a que deve direcionar o molotov.
Mas se você, assim como eu, cresceu sabendo que algo está terrivelmente errado nesse mundo e não buscou conhecer os hábitos, os planos, os crimes e o rosto daqueles que estão sufocando a vida e a liberdade, se você mesmo depois de todas as provas, de todas as mentiras que ouviu, de toda censura que experimentou, se mesmo assim não se convenceu da necessidade de revolta. Então você passa a ser um culpado. O pior dos tipos de culpado, o omisso, pior que o covarde, o covarde sente medo, você nem isso. O covarde pode lutar e um dia vencer esse medo, você sequer se digna a lutar por si mesmo.
Os antigos ideais estão sendo vendidos em lojas de departamento, desacreditaram a luta ao comercializar como moda o que um dia foram ideais de revolta. Não pensem que porque não funcionou a cinquenta anos atrás não irá funcionar agora também. O terreno mudou, as armas mudaram, mas as verdadeiras ideias ainda são as mesmas, principalmente o inimigo é o mesmo, um lobo sempre pronto a te abocanhar no primeiro momento de desatenção, pronto para esmagar sonhos e fazer piada de tudo que nos é mais valioso. Nossa integridade, nossa liberdade, nosso direito de governar para o bem.
Não riam quando lhes falarem sobre a censura de pensamento, sobre as policias secretas, sobre as conspirações e manipulações internacionais. Não chamem de coincidência ou de desastre toda essa pobreza, não sinta pena das crianças na África, no Haiti, na Indonésia, na America Latina. Não sinta pena dos discriminados e mortos ao redor do planeta, lute por eles, erga-se por eles, acorde por você mesmo.
Vim aqui para lhes avisar, não para convidá-los para uma seita ou qualquer outra forma de alienação. A resistência é opcional apesar de necessária. O que peço é que acordem e deem mais atenção a essa voz na sua cabeça e a esse aperto no coração. Um dia nem todos os antidepressivos poderão te curar da certeza de que algo está terrivelmente errado com o mundo.
Não é necessário comentar, não espero demonstrações de apoio ou reprovação, o que quero é que reflitam um pouco antes de voltarem para suas rotinas normais.
A guerra já começou, escolha um lado. E lembrem-se que se sozinhos parecemos fracos, juntos somos muitos para sermos derrotados.

"Todo coração é uma célula revolucionária."

Por: Rimini Raskin




terça-feira, 7 de junho de 2011

Bla bla bla



Vejo minha era tomada por falsos gênios.
Astutos o suficiente para convencer-lhe de coisas que já sabes.
Desconfiem de toda essa arte pronta, de toda essa beleza que se mostra verdadeira, de toda essa profundidade emocional.
Nada disso se chama arte ou verdade, são fatos apenas, tão profundos quanto um último gole de água esquecido em um copo.
Filósofos buscam explicações, não respondem questões já decifradas sobre o amor ou a solidão.
Poetas não se preocupam em vestir de seda cada um de seus poemas.
Pintores são capazes de criar beleza sem colocar um pingo de sentido nela.
Não deixem que esses malditos regrem a arte, não permitam que tabelem a beleza, não deixem esses papagaios pós-modernos colherem louros às custas de verdadeiros mestres.
Uma folha pode ser linda mesmo sem conhecermos a árvore ou os motivos que a levaram a cair.
Meus amigos, só peço que perguntem-se antes que o fim calce os sapatos, onde dormem os sonhos?


Por: Rimini Raskin

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Questões da Adolescência

Revirando cadernos e trabalhos de escola, me deparei com uma questão proposta por uma antiga professora de português. O ano não sei ao certo, provavelmente 2001/2002, mas achei que minha resposta merecia figurar aqui no Esqueleto. Enfim, segue abaixo a questão e a respectiva resposta dada por mim.


Agora imagine que você está com setenta anos de idade. Descreva como você estará com a sua saúde física, mental e espiritual; como estará o relacionamento com sua família, amigos e como será a sua vida financeira, se você ainda estará trabalhando. Escreva um mínimo de 30 linhas.


Acho que com setenta anos de idade eu não estarei mais vivo,
mas se estiver, viverei em uma casa aconchegante, recebendo uma bela aposentadoria,
solteiro, pai de três filhos e avô de cinco netos.
Farei exercícios diariamente para manter a forma física e viajarei regularmente
para conhecer novos lugares e pessoas.
Terei a mente muito aberta para opiniões e novas experiências,
manterei sempre a alegria e a força de vontade.
Tentarei dar o máximo de carinho à meus filhos e netos, criarei dois cachorros e
uma iguana de estimação; viverei sempre rodeado por boa música e boa arte em geral.
Estarei habituado à vida moderna mas não abrirei mão das coisas boas do passado, principalmente a música.
Tratarei minhas ex-mulheres como amigas, dando tudo que elas precisarem para viver, principalmente companheirismo .
Serei um bom conselheiro para meus filhos, mas nunca me meterei demais na vida deles, até porque devem fazer suas escolhas sozinhos.
Quanto a morte, não a temerei. Pois terei a consciência de que quando ela chegar
estarei preparado para aceitá-la.
Assim como aceitarei de uma forma mais positiva a morte dos outros.
Nunca deixarei a diversão de lado, e terei alguns velhos e bons amigos
prontos para fazer um churrasco e tomar uma cervejinha nos finais de semana.


Por: Yuri Pospichil


*Enfim, não é nada profundo, instigante ou filosófico... na verdade é bem engraçado (ao menos pra mim) me deparar com essas linhas tantos anos depois e ver o quanto os sonhos não mudaram mas a realidade sim.
Cito alguns pontos particularmente engraçados dessa resposta:

1- A certeza que me acompanha desde a infância de que não alcançarei a velhice com vida. (Mesmo admitindo que se alcançar, que seja para viver da melhor maneira possível).

2- A certeza de passar os últimos dias solteiro.

3- Na época que escrevi isso eu ainda me preocupava com a saúde e gostava de praticar exercícios físicos. (Hoje apenas faço caminhadas, para economizar o dinheiro do ônibus, diga-se de passagem).

3- Eu ainda sonhava em ter a iguana que sempre quis mas minha mãe nunca permitia. (Sozinho e velho ela não poderia mais proibir, então não custava nada colocar ela no meu futuro).

4- "Tratarei minhas ex-mulhere'S'..." Na época eu ainda era um guri relativamente bonito e namorador, nada mais normal que achar que isso continuaria pelo resto da minha vida. (Quando se é jovem acredita-se que as coisas vão levar muito tempo pra mudar...grande erro).

5- Notem como eu era um escritor rebelde, sequer respeitei a regra de escrever um mínimo de 30 linhas! (hahahaha)

O resto do texto ainda é uma constante na minha mente, acho que a essência não se perdeu, apenas fui sendo moldado pela vida.




segunda-feira, 30 de maio de 2011

Rotinas de quem não existe


É essa minha mania de achar noventa e cinco por cento da humanidade patética e entediante.
É esse meu costume de beber sentado, falar alto e rir sem motivos quando me divirto.
Minhas hipocrisias corriqueiras que renomeei para "crescimento".
É esse meu desapego ao ato de impressionar quem quer que seja.
De não fazer a barba todos os dias e falar pelos cotovelos quando meus ouvidos não se interessam por nenhum assunto que possa ser discutido pelos presentes.
É esse meu hábito de querer sair da estrada pela sensação de tentar chegar ao meu destino por caminhos que ainda não existem.
De não ser regrado, de não gostar de pressão, de responder atravessado, de ser debochado, de esquecer as datas e deixar tudo para a última hora.
Minhas fantasias de grandeza sempre carregadas de verdades incompletas.
Minhas mentiras frequentes, sempre usadas com o intuito de não ferir ou me ferir.
Poder ser e não querer, sonhar com a normalidade enquanto a maioria busca o diferencial.
De invejar o mais sujo e feio dos homens ao ponto de ser detestável mas nunca imperceptível aos sentidos daqueles que cruzarem meu caminho.

E tudo isso para depois dar uma risada e perceber que estou mais uma vez criando um personagem, que junto com outros tantos, um dia irá ser esquecido em um canto qualquer da minha memória.


Por: Rimini Raskin



terça-feira, 17 de maio de 2011

Antes de Mais Nada


Não, não te amo.
Tão pouco estou louco por ti.

Então por que deverias tu sentir-se feliz?

Pois respondo com a calma de uma tarde de sol,
Tu tens de mim coisa muito maior que o amor ou a loucura.
Isso outras antes de ti obtiveram e atiraram ao vento.

Tu não, contigo é diferente.
Tens minha paz e minhas mãos quentes em teu rosto.
Tens meu carinho e equilíbrio perante um futuro sem pressa.
O que já foi, se foi.
O que passou, passou.

Agora estamos juntos como imperfeitos que somos!


Por: Yuri Pospichil



A Luz Que Queima Nos Eleva ao Absurdo


Ele caminhou ao contrário das pernas
E assistiu morrer o sentimento ruim
E gritou tão alto que nenhum ouvido o escutaria.
Fez o silêncio da palavra ensurdecer a rua de pedras brancas
E viveu aquilo que ninguém nunca o havia negado
E saltou tão alto que as formigas olhariam suas patas para vê-lo voar.
Desprendeu-se da matéria morta que sufocava o espírito
E mergulhou em desertos tão imensos quanto grãos de soja
E praguejou amores impossíveis contra muros de seda.

Vivo como uma rocha milenar...
...Assistiu a história ser feita antes de rolar sobre o mundo.
Singelo como um olhar...
...Observou o horizonte dissipar-se sobre a palma da mão direita.

Era livre para não ter medo do que não existe
E assim o faria enquanto fosse possível!


Por: Rimini Raskin